Isabella Rocha* - aplicativo - Do Portal
13/01/2015MADRI - Os 4,5 milhões que ganharam as ruas de Paris no domingo para evocar a liberdade de expressão e repudiar os ataques ao semanário satírico Charlie Hebdo, na quarta-feira passada, e a uma mesquita, no dia seguinte, fizeram mais do que História. Em meio às homenagens aos 17 mortos, como os cultuados cartunistas Stephane Charbonnier, editor-chefe da revista, e Georges Wolinski conhecido, eles propagaram um grito de resistência à intolerância que ecoou por países mundo afora, sobretudo na Europa. Em Madri, jovens, adultos, idosos e crianças vestiram-se de cartazes, faixas e camisas com o que rapidamente se tornou o slogan mundial da indignação: “Je suis Charlie” ("Somos Charlie"). Numa referência à pluralidade, bandeiras de diversos países somavam-se à emoção dos manifestantes na capital espanhola.
Enquanto líderes mundiais, como a chanceler alemã Angela Merkel, comandavam a passeata histórica por Paris, naquela mesma tarde uma multidão de madrilenhos se solidarizava no entorno da Praça do Sol. Organizada em redes sociais, a manifestação reuniu aproximadamente 2 mil pessoas, inclusive de outras nacionalidades, como italianos, alemães e brasileiros. A parisiense Yael Beck, em Madri para um programa de intercâmbio, emocionou-se ao reiterar a importância de se buscar a tolerância diante do espectro de extremismo. Muito aplaudida, ela reforçou a ideia central do movimento:
— Queremos mostrar que a liberdade de expressão é direito de todos, seja francês, espanhol, brasileiro, alemão. A liberdade é nossa, por direito.
O também estudante Louis Eimery, um dos organizadores da manifestação na capital espanhola, remontou à Revolução Francesa:
— Esses terroristas não representam nada, porque, no fim, não estamos aterrorizados. Estamos aqui reunidos e não temos medo. “Liberty, equality, fraternity” (liberdade, igualdade e fraternidade, o lema da Revolução Francesa) não são só palavras. Representam uma religião para os preceitos republicanos — compara.
Ao lembrar publicamente os princípios republicanos, o estudante de 21 anos também foi aplaudido. Multiplicavam-se gritos de “Viva la france” (Viva a França). Por fim, Eimery reproduziu o alerta feito por dez entre dez analistas internacionais depois da chacina no Charlie Hebdo em retaliação a charges consideradas ofensivas ao profeta Maomé: não confundir atos extremistas, terroristas, com orientações associadas a uma determinada religiosa:
— Esta manifestação é contra a bárbarie e o preconceito. Pois, diante de ataques terroristas, muitos não compreendem que Alá e Maomé não são os responsáveis por violências daquele tipo.
Yael teme que, como projeta boa parte dos analistas, os ataques recentes sirvam de munição para impulsionar, na França e em outras regiões de Europa, o avanço de discursos e partidos de extrema-direita alinhados à xenofobia e à intolerância contra imigrantes de origem islâmica.
— A extrema-direita cresce na França. Isso pode aumentar o preconceito contra aos muçulmanos. Assim, a ideia de ir para as ruas é também para que o preconceito contra os islamitas não se espalhe ainda mais. Nosso objetivo é unir o povo — destaca a jovem.
Em sintonia às palavras ouvidas nas ruas da capital espanhola, e em outros centros europeus, o secretário-geral e porta-voz da comunidade judia em Madri, Rafael Benapar, recordou uma das máximas eternizadas pelo filósofo Voltaire:
— “Não concordo com o que diz, mas lutarei até a morte para que tenha o direito de dizer”. Hoje, somos todos franceses.
Integrado à manifestação capitaneada por estudantes nas imediações da Praça do Sol, o conselheiro consular da embaixada da França François Ralle-Andreoli agradeceu aos jovens por "manterem vivo o espirito de Charlie Hebdo":
— Querem que nos calem, mas não nos calaremos. E lutaremos pelos valores da França, um país que sempre foi multicultural e republicano.
A madrileña Isabel reforçou o coro de solidariedade e de combate à intolerância vestida de terror:
— Eu me sinto francesa, judia, muçulmana, cristã e hindu. Ou seja, sou uma pessoa que luta pela liberdade de expressão. Hoje (domingo) estou aqui não só em solidariedade às vítimas, mas para lutar contra a qualquer tipo de atentado à vida.
Os discursos solidários à França e à luta pelo direito de se expressar livremente foram interrompidos só quando a estudante Daniela Salord, natural da cidade francesa de Bourdeaux, uma das organizadoras da manifestação em Madri, pediu um minuto de silêncio em respeito aos mortos no atentado e "por todos aqueles que sofrem com a falta de liberdade".
Depois da breve pausa, os manifestantes voltaram a cantar emocionados o hino francês e a gritar “Viva la France” ("Viva a França"). "Eu me sinto impotente. Queria estar na França, perto dos meus amigos, e ir para as ruas lutar por aquilo que é nosso por direito", desabafou a estudante francesa Ophélie Moulard.
* Especial para o Portal PUC-Rio Digital.
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