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Rio de Janeiro, 15 de outubro de 2024


Cidade

"Municípios precisam partilhar soluções em serviços"

Juliana Reigosa - aplicativo - Do Portal

27/12/2014

 Divulgação

“Nosso forte não é planejamento, mas improvisação”, constata o cientista político Cesar Romero Jacob, autor do recém-lançado Atlas das Condições de Vida na Região Metropolitana do Rio de Janeiro (Editora PUC-Rio, 2014). A pesquisa, disponível para download gratuito, indica complexidades que se confrontam com os cartões-postais de fama internacional. “Ao lado da imagem de paraíso tropical, há uma cidade com acentuados contrastes sociais”, sintetiza Romero Jacob, também diretor do Departamento de Comunicação Social da PUC-Rio. Tais contrastes se acentuam por deficiências resultantes, em parte, do descompasso crônico entre administrações dos 21 municípios integrantes da área de quase 5,2 mil quilômetros quadrados e 11,8 milhões de habitantes (72% do estado). Problemas associados à cobertura do abastecimento de água e esgoto e à mobilidade urbana, por exemplo, expõem a necessidade de uma melhor integração metropolitana – desafio esboçado desde a extinção da Fundação para o Desenvolvimento da Região Metropolitana (Fundrem), em 1989 (leia o quadro no fim do texto). Em entrevista ao Portal, na abertura da série de reportagens Rio 450, o subsecretário estadual de Projetos de Urbanismo Regional e Metropolitano, Vicente Loureiro, defende um novo órgão gestor assemelhado à Fundrem. A proposta, discutida desde setembro na Câmara Metropolitana de Integração Governamental (CIG) e no Grupo Executivo de Gestão Metropolitana, coordenado por Loureiro, será encaminhada à Assembleia Legislativa no próximo mês.

"Não temos outra saída, senão sentarmos à mesa, compartilharmos soluções, discutirmos saídas e dividirmos responsabilidades. É o único caminho para fazer com que mobilidade, saneamento e uso do solo tenham sucesso, e para que consigamos ter um norte. É fundamental, para toda a Região Metropolitana, que compartilhemos os desafios", argumenta o urbanista e arquiteto, responsável por iniciativas como os Planos Diretores de Desenvolvimento Urbano de Nova Iguaçu e de Volta Redonda e pelo Plano Diretor de Iluminação Pública do Rio. Loureiro é categórico ao condicionar a perspectiva de serviços públicos "mais justos e equânimes" a um novo modelo de governança. "O caminho é construir soluções conjuntas e compartilhadas, tanto do ponto de vista da concepção, quanto da operação e sustentabilidade. Este é o grande desafio das regiões metropolitanas no Brasil e no mundo", aponta o especialista. 

Portal: Com a extinção da Fundrem, em 1989, a Região Metropolitana do Rio de Janeiro passou a carecer de estruturas de coordenação e diálogo. Como desatar os nós metropolitanos sem um órgão administrativo integrador?

Vicente Loureiro: As instâncias políticas têm sempre uma forma de enfrentar as crises e algumas dificuldades mais graves de interesse comum. Apesar de alguns temas coletivos relevantes terem sido tratados mesmo depois da extinção da Fundrem, isso não se mostrou suficiente. Foram apenas arranjos políticos, encontros dos prefeitos com o governo do Estado e soluções informais. Para administrar os nós, é preciso dar mais formalidade e institucionalidade às discussões voltadas a empreender saídas para problemas de interesse comum na Região Metropolitana, como mobilidade urbana e saneamento.

Portal: A fragmentação ao se elaborarem políticas públicas e o atendimento das demandas de forma isolada, setorizada, estão entre as raízes do problema metropolitano. Por exemplo, enquanto a gestão dos serviços de limpeza urbana no Rio fica a cargo da Comlurb, em Nova Iguaçu, é feita pela Emlurb. Como superar os desafios associados à integração dos serviços públicos oferecidos em vários municípios?

Loureiro: Alguns serviços são questões municipais, como a coleta dos resíduos sólidos domiciliares. É preciso trabalhar com padrões de excelência para buscar a prestação de serviços de forma qualificada, com custos menores em toda a região. Porém, isso é essencialmente questão municipal. Já o destino final é um problema metropolitano. Municípios como São João de Meriti, Nilópolis e Mesquita, apesar de serem totalmente ou parcialmente urbanizados, não têm espaço para o destino final do lixo. Assim, o lixo passa a ser, muitas vezes, transportado para outro município.

Portal: Como solucionar este tipo de problema?

Loureiro: O destino final do lixo coletado é um problema de interesse mais do que local. Considero que a questão merece o tratamento metropolitano, não apenas local. O caminho é construir soluções conjuntas e compartilhadas, tanto do ponto de vista da concepção, quanto da operação e sustentabilidade. Este é o grande desafio das regiões metropolitanas no Brasil e no mundo. 

Portal: No caminho desta gestão integradora encontram-se contrastes importantes entre os municípios, como os indicados no Atlas das Condições de Vida na Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Neste sentido, que fenômenos o senhor considera mais representativos?

Loureiro: Alguns municípios começam a apresentar taxas demográficas decrescentes ou menores de crescimento, como a cidade do Rio (0,50%). Por outro lado, municípios da periferia, na zona de fronteira, têm apresentado taxas expressivas de crescimento, como Itaguaí (2,9%), Itaboraí (1,5%) e Maricá (1,5%). Então, na Região Metropolitana, observamos dois fenômenos: municípios com o núcleo metropolitano reduzindo as taxas de expansão demográfica; e outros, com taxas muito preocupantes. Acredito que ainda vamos conviver com essas diferenças dentro do território metropolitano, apesar das circunstâncias decorrentes de oportunidades econômicas como o Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj), em Itaboraí, e o Porto de Itaguaí, investimentos de infraestrutura que incentivam o incremento populacional.

Portal: Em fevereiro, o Banco Mundial emprestou US$ 48 bilhões ao governo estadual para serem aplicados em avanços de serviços públicos. Qual é a importância deste tipo de parceria para efetivar a sonhada qualificação desses serviços? Em que iniciativas esta verba é aplicada?

Loureiro: Um dos pontos deste empréstimo refere-se à recuperação e retomada do planejamento e da governança na Região Metropolitana do Rio. Estamos elaborando um Plano Estratégico de Desenvolvimento da região, com base em um levantamento da área fotogramétrica e de um sistema de informação geográfica. O trabalho procura melhorar a circulação dos dados sobre a realidade metropolitana, a partir dos pontos de vista físico, urbanístico e socioeconômico. O leito deste empréstimo são os aspectos que dizem respeito à melhoria da governança e do planejamento metropolitano.

Portal: Outra iniciativa que carrega novas perspectivas socioeconômicas para a região remete ao Arco Metropolitano. Quais os efeitos mais significativas desta novidade?

Loureiro: O Arco Metropolitano tem uma perspectiva de alavancar oportunidades de emprego em áreas vocacionadas para o desenvolvimento industrial e logístico. Como é uma via de ligação entre as principais rodovias que unem o Rio ao restante do país, o Arco exerce um importante papel. Contempla, hoje, um trecho de viagem de 71 quilômetros, dos 145 quilômetros de rodovia que o estado se comprometeu a realizar. Falta concluir também um trecho de 25 quilômetros de duplicação da BR-493, denominada Magé-Manilha, que está sob responsabilidade do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit)Quando estive totalmente completado, o Arco Metropolitano terá o estratégico papel de gerar uma quantidade mais expressiva de empregos industriais e logísticos na periferia, e não tanto mais no núcleo metropolitano.

Portal: Fora o avanço necessário para um novo modelo de governança, integrador, que programas relativos ao poder público revigoram a esperança de melhores condições de vida na região, sobretudo nas áreas mais pobres, como grande parte da Zona Oeste?

Loureiro: A Cedae, por meio do Pacto pelo Saneamento, tem investimento previsto de R$ 140 milhões para garantir a universalização de água potável à toda Região Metropolitana, principalmente na periferia. É um investimento importante, que terá grande repercussão na qualidade de vida dos moradores e beneficiará 400 mil pessoas da Região Metropolitana. Outra ação importante é o Programa de Transporte (Metrô, Trens e BRTs). A iniciativa conta com investimentos estruturais que há muito tempo se desejavam. A expansão do metrô para a Barra da Tijuca (Linha 4), a construção da Linha 3 (Rio de Janeiro, Niterói, São Gonçalo e Itaboraí), a melhoria da qualidade das barcas e a implantação do Bilhete Único (integração das tarifas praticadas nos serviços de transporte intermunicipal) formam um conjunto de medidas que demonstram a preocupação estratégico em melhorar a qualidade do público para reduzir o número de pessoas utilizando transporte individual. Acredito que estamos caminhando para mudar a matriz do nosso transporte, de maneira a aumentar a participação das opções coletivas.

Portal: Fora a mobilidade, ou imobilidade urbana, problemas de saneamento também estão entre os mais preocupantes e crônicos. De que forma a Câmara Metropolitana de Integração Governamental (CIG) pode ajudar a solucioná-los, em especial quanto à coordenação de responsabilidades ?

Vicente Loureiro: Um acórdão do Supremo Tribunal Federal determina que a concessão dos serviços de interesse comum na Região Metropolitana deverá ser compartilhada, de modo que a responsabilidade não seja apenas do estado ou dos municípios. Estamos entrando em uma nova era, na qual decisões sobre serviços como os associados à mobilidade passam a ser compartilhadas entre os entes federativos. Para cumprir a lei, temos que nos esforçar em superar limites e dificuldades, e encontrar maneiras concretas de esses agentes públicos, principalmente os municípios e o estado, entenderem-se sobre serviços públicos de interesse comum e concessões. No entanto, falta ainda a participação dos entes federais nessa decisão. Apesar da presença forte da esfera federal em iniciativas como o Porto do Rio, o Porto de Itaguaí, as rodovias concedidas, os aeroportos e a Ponte Rio-Niterói, todas de grande repercussão na vida metropolitana, são infraestruturas e serviços públicos de interesse comum, sobre os quais, mesmo essa configuração que a CIG pretende dar a esse tema tendo em vista o acórdão do STF, me parece fraca. 

Portal: Que avanços são necessários neste sentido?

Loureiro: É necessário avançar um pouco mais. Com o tempo, essas questões devem ser corrigidas, para que, no médio prazo, os entes do governo federal que tratam da infraestrutura na Região Metropolitana estejam também reunidos na mesma mesa, compartilhando estratégias e projetos.

Portal: Em relação ao Grupo Executivo de Gestão Metropolitana, coordenado pelo senhor, como andam os estudos que sustentam a criação de organismo semelhante à antiga Fundrem?

Loureiro: Os estudos ainda estão em andamento, adequando as necessidades técnicas, administrativas e institucionais à decisão do Supremo e à construção desta nova maneira de tratar e compartilhar poder e responsabilidades no território metropolitano. Estamos desenvolvendo isso com a Procuradoria Geral do Estado, e acreditamos que, ainda neste mês, tenhamos um modelo de gestão para ser apreciado pelo governador Luiz Fernando Pezão.

Portal: Como cumprir, objetivamente, o desafio de integrar os municípios para melhorar a qualidade de serviços como saneamento básico, transporte e segurança?

Loureiro: Não é da nossa tradição. Em outros países, com estrutura federativa diferente, também é complicado. Reduzir o abismo entre níveis distintos de poder não é tarefa fácil, singular, e não será para nós. Ainda mais porque, de certo modo, desde a extinção da Fundrem, paramos de tratar os serviços públicos de forma integrada na Região Metropolitana. Porém, pelas circunstâncias e tamanho do problema, reitero: não temos outra saída senão sentar à mesa, compartilhar soluções, discutir saídas e dividir responsabilidades. É o único caminho para fazer com que mobilidade, saneamento e uso do solo tenham sucesso, de acordo com um norte. Então, é fundamental, para toda a Região Metropolitana, que compartilhemos os desafios, fazendo com que esta área possa ser mais justa e mais equânime com relação aos serviços oferecidos à população.

Marco X Municipalismo

Criada em 1975, durante o período militar, a Fundrem dedicou-se à elaboração de diagnósticos e implantação de convênios de assistência técnica para a criação de planos diretores em todos os municípios da Região Metropolitana. A partir da redemocratização do país e diante de conflitos constantes com os governos municipais, o órgão metropolitano foi gradativamente perdendo poder, até ser extinto. “A Constituição de 1988 consagrou o princípio do municipalismo. Entretanto, não é possível administrar a Região Metropolitana sem um Marco Legal. Isso cria um vazio. Por exemplo, o saneamento básico é contribuição municipal, mas não se consegue dar conta dessa questão em uma região com 12 milhões de habitantes”, exemplifica Romero Jacob, destacando que é preciso modificar a Constituição:

– Desde 2008, tramita um projeto de emenda constitucional, mas são precisos dois terços de votos no Congresso para mudar o que está na Constituição. É necessário um Marco Legal que estabeleça códigos e regulamentos, e embase a discussão de novas leis e decretos comuns aos municípios integrantes da Região Metropolitana. Sem ele, o governo do Estado do Rio de Janeiro, por exemplo, não pode interferir no saneamento básico de Duque de Caxias porque é questão de contribuição municipal. Então há uma série de problemas que não se consegue resolver.

O relatório “Perspectivas da Urbanização Mundial”, produzido pela Organização das Nações Unidas (ONU), conclui que mais de 70% da população mundial viverá em cidades até 2050 e, predominantemente, em metrópoles. Com isso, há a necessidade de se planejar melhor o desenvolvimento urbano e a eficiência dos serviços oferecidos, de modo que sejam sustentáveis.

Na Região Metropolitana do Rio, a coordenação das funções públicas de interesse comum ao estado e municípios, como transporte, uso do solo e saneamento, e a compatibilização das diversas propostas de ação que se incidem no território metropolitano são desafios da governança. Entre as raízes do problema, estão a fragmentação na elaboração das Políticas Públicas e o atendimento das demandas de modo isolado e setorizado.

Com o objetivo de retomar o processo de governança da Região Metropolitana e preparar um projeto de um novo organismo que pode se assemelhar à antiga Fundrem, foi criada, em agosto, a Câmara Metropolitana de Integração Governamental do Rio de Janeiro (CIG) e o Grupo Executivo de Gestão Metropolitana, dirigido por Vicente Loureiro. A CIG tem como atribuições propor um novo arcabouço legal e institucional para a região, consagrar um modelo de governança e intermediar a cooperação entre os diversos níveis de governo. O Grupo, por sua vez, além de apoiar a CIG, acompanha os sistemas de informações geográficas, a base cartográfica e o Plano Estratégico de Desenvolvimento Metropolitano, promovendo o desenvolvimento integrado dos municípios, com foco na mobilidade urbana, segurança, saneamento básico, uso do solo, saúde e educação.

Em janeiro, será enviado à Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) o projeto de um órgão gestor de assuntos metropolitanos para a aprovação de uma nova legislação adequada às necessidades atuais da Região Metropolitana.