O Baixo Gávea amanheceu de luto nesta sexta-feira. Vinte e quatro anos após outro crime na esquina da Rua Marquês de São Vicente com a Praça Santos Dumont (leia abaixo), o assassinato de Maria Cristina Bettencourt Mascarenhas, uma das sócias do restaurante Guimas, num assalto na tarde desta quinta-feira (17) aumentou a sensação de insegurança entre moradores e comerciantes. Às 13h, Maria Cristina, que sacara R$ 13 mil no Banco Bradesco para pagar os funcionários, foi abordada por dois criminosos na ação conhecida como “saidinha de banco”. Os vizinhos comentam que a morte da empresária foi uma fatalidade, já que nunca houve nada parecido no bairro. A aposentada Sylvia Berg, 61 anos, que conhecia Tintim e era frequentadora do Guimas, se diz “surpresa e arrasada” com a violência do crime:
– Foi uma grande perda para o bairro e para quem a conhecia. A gente tenta manter a confiança na vida, mas diante de situações como esta fica difícil. Há 20 anos os assaltantes têm essa “política” de atirar em quem reage – diz.
Segundo a polícia, Tintim, como a empresária era conhecida, reagiu ao assalto à mão armada. De acordo com dados do Instituto de Segurança Pública (ISP), é o primeiro latrocínio registrado na região este ano. Mas outros moradores e comerciantes reclamam da falta de policiamento, principalmente à noite.
O gerente do Garota da Gávea, Eduardo Soares, 33 anos, que não estava no restaurante na hora do crime, diz que durante o dia há rondas frequentes da PM, mas não o suficiente:
– Espero que haja reforço, mas acho difícil. Seria mais uma medida imediata para aumentar a sensação de segurança entre os moradores e comerciantes.
A queixa é também do feirante Francisco Canto, 76 anos, que chega à praça às 5 da manhã às sextas-feiras.
– Não vejo policiamento, e o clima na madrugada é brabo. A bagunça toma conta e o perigo dá as caras.
Já na opinião da atriz Tainah Longras, 26 anos, o bairro é bastante seguro. A jovem que passou a infância na Gávea e voltou há um mês, para morar com o namorado, o tradutor Vicente Burzlaff, 28, justamente em busca de segurança.
– O público que frequenta essa região é muito específico: universitários, moradores e comerciantes. Minha avó mora aqui há 35 anos e nunca soube de nenhum caso de violência como o que aconteceu ontem.
O feirante Vilmar Souza de Jesus, 63 anos (foto), vê de outra forma a situação real do bairro, mesmo reconhecendo que a violência está em todos os lugares. Para ele, o reforço da patrulha não deve perdurar:
– Aqui falta segurança, policiamento, limpeza. Se todo dia eles reforçassem o policiamento estaria bom, mas duvido que isso aconteça. Em duas semanas, no máximo, deve voltar tudo ao normal.
Por volta das 10h desta sexta-feira, havia 16 policiais, três carros da Polícia Militar e dois camburões da Coordenadoria de Recursos Especiais (Core/Polícia Civil).
O aspirante a tenente DaMatta, no entanto, afirmou que sempre houve policiamento do shopping até a Praça Santos Dumont: “Devido ao ocorrido, tivemos um reforço de 20 homens, mas esse número depende da época do ano. Na Copa, tinha um efetivo maior em razão dos turistas”.
Nos anos 90, o crime do Sagres
O quadrilátero de bares entre a Praça Santos Dumont e a Rua dos Oitis ascendeu ao imaginário popular pela agitação boêmia de artistas e intelectuais, a partir dos anos 1980. Marca intermitente desde então da noite carioca, o Baixo Gávea amanhece de luto pela morte de Tintim, uma das donas do tradicional restaurante Guimas, após ser assaltada em uma barraca de camelô, na esquina que já viveu dor semelhante.
Há 24 anos, na mesma calçada, que começa no cruzamento da Rua Marquês de São Vicente e termina no Braseiro, na Praça Santos Dumont, o segurança da pizzaria Sagres matou a tiros o cliente Maurício Bezerra Cavalcanti, depois de um desentendimento sobre o valor da conta. O estudante Maurício Bezzerra Cavalcanti, de 20 anos, morto a tiros pelo ex-PM Pedro Justino da Silva Júnior, segurança do restaurante. Maurício e o amigo Marco Antônio Daniel haviam pedido uma pizza e dois chopes e só depois perceberam que não tinham dinheiro suficiente para pagar a conta. Os jovens procuraram o gerente Manoel Gilton Rodrigues pedindo que aceitasse seus documentos até que pudessem voltar com a quantia. Rodrigues negou o pedido e os jovens saíram do bar, sendo seguidos pelo segurança. Justino foi condenado em 1999 a 18 anos e oito meses de prisão por homicídio e tentativa de homicídio contra Marco. Rodrigues foi preso por co-autoria.
Apelidado então de “Sangres”, o estabelecimento, no número 148 da Praça Santos Dumont, perdeu o alvará de funcionamento e passou um ano fechado, sendo reaberto em 1991 como Garota da Gávea, mas mesmo assim nunca mais teria o mesmo público. Na esteira do ocaso do vizinho da esquina, popularizaram-se o Braseiro e o Hipódromo da Gávea, hoje referências da noite no bairro.
* Colaboraram Júlia Cople e Larissa Fontes.