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Rio de Janeiro, 7 de dezembro de 2024


Cidade

Hospitalidade vira o jogo da expectativa por protestos

Maria Silvia Vieira - aplicativo - Do Portal

29/06/2014

 Arte: Lucas Sereda

A menos de uma semana da final, no Maracanã, a Copa já virou o jogo na expectativa da imprensa estrageira. Boa parte dos 18 mil jornalistas escalados jogou para escanteio a dúvida sobre a capacidade de o país – marcado, por exemplo, pelas dificuldades de mobilidade urbana – oferecer uma estrutura no "padrão Fifa". Na cobertura dos jogos e da movimentação nas ruas do Rio, profisssionais de mídia trocaram a desconfiança pelo reconhecimento à organização do torneio, mesmo abaixo, para muitos, de Mundiais como o da Alemanha, e, sobretudo, à hospitalidade.

 Maria Silvia Vieira O repórter e comentarista da FoxSports australiana Simon Hill reforça o time de estrangeiros contagiados com a receptividade do carioca. Capaz, segundo ele, de compensar pequenos delizes na organização dos jogos e grandes deslizes na infraestrutura no trânsito. Como tantos moradores, Hill sofreu com engarrafamentos e "a falta de informações" sobre vias urbanas. "Eu me senti meio perdido", contou o jornalista, equanto se preparava para uma entrevista no Centro de Operações do Rio, na Cidade Nova. 

– O tráfego é difícil e, de alguma forma, me lembra de Bangkok, uma das cidades mais caóticas em que já estive. É difícil se locomover. Quando sei que preciso ir a algum lugar, saio uma ou duas horas antes. Porém, acredito que esse é o reflexo de estar numa cidade com uma população que ultrapassa seis milhões de pessoas e ainda recebe 800 mil turistas no período da Copa – observa.

Credenciado pelas coberturas dos Mundiais da França, em 1998, do Japão e Coreia, em 2002, da Alemanha, em 2006, e da África do Sul, em 2010, o jornalista se diz otimista em relação ao sucesso da Copa no Brasil (embora a seleção australiana tenha saído na primeira fase). Mas daroa cartão amarelo para falhas estruturais, em especial associadas à locomoção. Por pouco ele não foi parar em Natal, em vez de vitória, o destino correto. "Entrei no avião errado e só fui avisado do engano por um passageiro, pouco antes da decolagem", assusta-se.

Para Hill, a Copa na qual a mobilidade obteve o melhor desempenho foi a de 2006, na Alemanha. “Era possível ir de uma cidade a outra de trem em duas ou três horas”, justifica. Por outro lado, a Copa brasileira ganha em hospitalidade e vibração:

– Quando eu e minha equipe fomos à praia de Copacabana, falamos com a torcida mexicana, a colombiana, a australiana, a americana. Todos estavam se divertindo juntos. Essa alegria que só se vê por aqui é o que a maioria dos turistas procura. O Rio é uma das melhores cidades do mundo – .

 Juan Buxadé O mexicano Juan Buxadé, da TV Azteca, também admira-se com a alegria contagiante entre moradores e turistas. Um astral prejudicado só por alguns incidentes, como a invasão de 85 chilenos no Maracanã, recorda:

– Eu estava na recepção do Centro de Mídia do estádio quando ouvi gritos: “Fechem as portas, fechem as portas”. Foi assustador, inesperado, pois logo depois dos gritos, os chilenos quebraram a porta de vidro do Centro de Mídia. E não era uma porta qualquer, os vidros eram bem grossos.

Ele observa que, depois do incidente, o acesso da imprensa aos estádios ficou ainda mais difícil e complicado:

– Agora é preciso apresentar o documento de identidade a todo instante, além das credenciais. O processo ficou mais lento e demorado.

A segurança nos estádios é feita por vigilantes privados, chamados de “stewards”. Segundo o Comitê Organizador Local, foram treinados 1.200 profissionais para o serviço. Contudo, para controlar os 85 chilenos, foi necessária a ajuda da Polícia Militar.

Apesar da invasão chilena e de outros episódios isolados, o balanço acerca da segurança é positivo. Até surpreendente, para boa parte dos correspondentes estrangeiros, que esperava sucessivas manifestações durante o Mundial. O jornalista mexicano desconfia de que, se o Brasil não ganhar o hexa, os protestos populares voltem "com força"..

Buxadé, assim como Hill, também considera o trânsito a pior retranca na estada na capital fluminense. Não raramente enfrenta congestionamento entre o Leblon, onde está hospedado, e a Barra, onde trabalha.  Por outro lado, rende-se ao clichê do turista no Rio: adora as praias, especialmente nesses dias, quando se tornaram " o grande centro de convivência dos estrangeiros". 

– As praias aqui são extensas e, ao longo delas, vemos as pessoas se exercitando, conversando, aproveitando o sol. Acredito que os cariocas são mais felizes e mais relaxados por causa dessas belezas – teoriza Buxadé.

 Maria Silvia Vieira O italiano Pierluigi Pardo, do Sport MediaSet Itália, também encanta-se com o clima de confraternização, de leveza, que contrasta com a expectativa inicial em torno de protestos de rua. Ele diz que o Mundial já deixa um saldo positivo, decorrente menos da organização do que da atmosfera: 

– Há alguns países mais organizados , como a Alemanha em 2006, a minha melhor experiência. Mas, no fim, a memória que se tem não depende apenas de uma organização boa ou ruim. É muito mais sobre as pessoas e a belezas do país.

Ele enaltece a proximidade entre os cariocas e os italianos: “Somos todos parte de uma cultura latina”. Apesar das diferenças geográficas, culturais e econômicas, Pardo lembra que a Itália, a exemplo do Brasil, também apresenta contrastes entre as regiões, especialmente entre o Norte e o Sul do país:

– O povo no Norte tem um comportamento mais europeu, o ritmo de vida é mais rápido, enquanto no Sul a população tende a ser mais tranquila e relaxada, tenta aproveitar mais a vida. Pelo que percebo, assim também é no Brasil. Há uma grande diferença no ritmo de vida entre Rio e São Paulo. Na capital carioca há mais tranquilidade – compara.

Para o italiano, essa diversidade brasileira acentua a beleza do país, que reúne "pessoas sempre muito gentis". Ele percebe uma diferença entre o estereótipo do Rio no exterior e a realidade: "Todos pensam na beleza das mulheres, no samba, no carnaval. Sim, tudo isso faz parte, mas não é o principal que se vê". O jornalista nota ainda um engajamento político crescente:  

– Não achei todos tão felizes como mostram nas propagandas. Acredito que há um sentimento, que cresce a cada dia mais, contra a Fifa, por ser uma organização tão cara. Se olharmos para a Rússia e o Catar (sedes das próximas Copas, em 2018 e 2022), percebe-se que os problemas nesses países podem ser até piores.

Ainda de acordo com Parlo, o apego à seleção nacional ajudou a dispersar a onda de protestos em torno da Copa, transformada por parte da população em exemplo de mau uso do dinheiro público: 

– Depois da Copa das Confederações de 2013, esperava mais demonstrações de insatisfação Fiquei impressionado com a força do futebol sobre o povo.