No dia 5 de outubro o Brasil comemorou 20 anos da promulgação de sua sétima Constituição, aclamada como a mais democrática de todas. O processo que levou ao texto final é o tema do livro A Constituinte de 1987-1988: progressistas, conservadores, ordem econômica e regras do jogo, que retrata desde os conflitos ideológicos aos debates históricos, marca da Assembléia Nacional Constituinte. Para o autor, o professor e diretor do Departamento de Direito, Adriano Pilatti, a constituição de 1988 foi a mais contemporânea de seu tempo. “É a constituição cidadã, pois promove o reencontro das instituições com o povo brasileiro”.
De que forma a posição de assessor parlamentar durante a redação da Constituição o ajudou a escrever esse livro?
Foi fundamental. Em matéria de Constituição de 1988 minha grande universidade foi a Constituinte. Eu estava lá numa tripla função: como cidadão brasileiro, como assessor parlamentar e como pesquisador de mestrado. Naquele momento, tinha a idéia de fazer um trabalho mais amplo que pudesse transmitir a importância de um momento que foi suprimido da memória brasileira, pois a Constituição de 88 não agrada a muitos setores privilegiados. A Constituição mais legítima que o Brasil já teve não tem essa força de origem, que procuro caracterizar no livro.
Como uma Constituinte majoritariamente conservadora pôde produzir uma Constituição com elementos progressistas?
Na verdade houve um empate técnico. A Constituição acabou sendo uma solução de compromissos entre os dois grupos, isso evitou o chamado rolo compressor do conservadorismo. Todo o esforço da minha tese de doutorado que resultou nesse livro é de entender esse paradoxo. Vínhamos da campanha das Diretas, era um momento de politização máxima da sociedade e a mobilização popular foi importantíssima. Em 1987 e 1988 foi como se o país se reencontrasse consigo mesmo e percebesse a pluralidade e a complexidade de nossa sociedade. A capacidade política que as lideranças progressistas tiveram, no sentido de fechar os acordos que definiram os órgãos responsáveis pela elaboração do texto, foi outro fator fundamental.
A Constituição de 1988 surgiu após um período não democrático. Qual a influência desse período pós-ditatorial na redação do texto?
Na definição do processo de elaboração da Constituição, essas lideranças progressistas conseguiram definir mecanismos de participação direta da cidadania, que os conservadores não desejavam. Por exemplo, 30 mil cidadãos poderiam subscrever uma emenda ao projeto da constituição. Ao todo 122 emendas populares foram apresentadas, com pouco mais de 12 milhões de assinaturas. Nenhuma Constituição no Brasil, ou no Ocidente, contou com tamanha participação popular. Dessas 122 emendas, mais de 80 foram incorporadas ao texto. Todo esse movimento fez avançar a agenda da luta pelos direitos, fazendo dessa a Constituição democrática mais longeva que o país já teve. O Brasil teve Constituições que duraram mais que a de 1988, mas nenhuma delas era democrática.
A Constituição brasileira só perde em número de artigos para Portugal, Índia e Venezuela. Ao que o senhor atribui essa grande quantidade de artigos, além de ter mais de dois mil dispositivos e emendas?
Essa é uma propaganda enganosa defendida pelos conservadores, que não existe nem nos Estados Unidos, onde dizem que existe. Se formos considerar a Constituição americana, ela é feita daqueles artigos aprovados em 1787 e toda a jurisprudência da Suprema Corte, nesse sentido ela é muito maior que qualquer outra no mundo. As Constituições pós-ditatoriais refletem esse anseio por mudanças. Todos os setores queriam assegurar que suas reivindicações básicas estariam imunizadas no texto constitucional. Ou seja, isso não é absolutamente um problema. Isso só é problema na cabecinha conservadora das elites brasileiras. Sobretudo porque os detalhes que eles reclamam na constituição são os detalhes que dizem respeito ao direito dos outros.
O então presidente da Assembléia Nacional Constituinte, Ulysses Guimarães, a chamou de “Constituição cidadã”. José Sarney disse que “com tantas obrigações sociais o país seria ingovernável”. Passados 20 anos, qual dos dois chegou mais perto da realidade em que nos encontramos?
A diferença de apreciação, com todo o respeito, tem origem na diferença de densidade entre Sarney e Ulysses. Quando Sarney pronunciou essa frase infeliz e ameaçadora contra a constituinte, ele foi respondido em cadeia de rádio e TV pelo Ulysses ,que disse que ingovernável era a fome. A Constituição de 1988 torna o país ingovernável para os incompetentes, para os que só sabem governar de porrete na mão, sem diálogo. O presidente Sarney, como último representante da ditadura militar, não poderia ter uma posição favorável a essas mudanças. É interessante ver que 20 anos depois o próprio Sarney parece ter evoluído e estar mais sensível aos reclames do povo brasileiro. No entanto, 20 anos atrás o saudoso Ulysses estava certo.
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