Carlos Veríssimo, Daniel Tenius, Gabriel Pinheiro, Milena Fortes e Pedro Guimarães - aplicativo - Da sala de aula
11/03/2014A construção da Ponte Rio-Niterói, um plano ousado, que envolveu inúmeras dificuldades, também rendeu os mais diversos boatos, mitos e histórias. De acordo com jornais e revistas da época, 32 pessoas morreram durante o processo de construção, embora se acredite que o número seja bem maior.
O jornalista Romildo Guerrante, que cobriu a construção da Rio-Niterói, conta que foram feitas reportagens, nunca publicadas: a censura impedia os jornais de publicar sobre acidentes e mortes.
– Morreram vários operários. Em um dos acidentes, eu me lembro bem, morreram 12 pessoas, inclusive um engenheiro. Como confirma pesquisa no Jornal do Brasil da Biblioteca Nacional, o acidente foi no dia 25 de março de 1970, ou seja, um ano após o início das obras. Mas não foi possível publicar, o assunto estava sob censura.
O engenheiro Bruno Cantarini, responsável pela conclusão das obras, atribui o grande número de acidentes à grandiosidade do projeto, como também à negligência do consórcio que iniciou o trabalho. A ideia da construção é da época do Segundo Império, mas foi apenas em 4 de dezembro de 1968 que o projeto começou a sair do papel. Neste dia, o governo Costa e Silva escolheu o consórcio formado por Construtora Ferraz Cavalcanti, Construtora Brasileira de Estradas, Empresa de Melhoramentos e Construções S.A., Servix Engenharia S.A. para ser o responsável pela construção da ponte. As empresas cobraram 238 milhões de cruzeiros para entregar a obra em três anos, com multa de 0,03% sobre o custo por dia de atraso. Segundo a Veja que foi às bancas no dia 8 de março de 1974, a obra “sugou dinheiro como nenhuma outra do Ministério dos Transportes”.
– Houve uma grande baixa de operários, como em toda obra do porte da Ponte. O primeiro consórcio não só causou estragos aos cofres públicos, como também, por causa da baixa tecnologia utilizada – comenta Cantarini.
A obra deveria ficar pronta no dia 15 de março de 1971, mas em meados de 1970 o ministro dos Transportes, Mário Andreazza, adiou a inauguração em seis meses. Além disso, passou a responsabilidade da obra para outro consórcio, formado pelas firmas mais poderosas do Brasil na época: Construções e Comércio Camargo Corrêa S.A, Construtora Mendes Junior S.A, Construtora Rabello S.A, e Sérgio Marques de Souza S.A.
– Depois de quase três anos de execução, não tinha nada feito. A obra tinha problemas sérios. Houve muita reclamação. Os principais defeitos foram na parte estrutural. O equipamento do antigo consórcio não tinha a capacidade necessária para realizar a obra. Nós estudamos e percebemos a necessidade de importar um bom equipamento. Então esse foi o segredo da nossa entrada. A partir daí, estudamos todo o sistema de execução e nos aperfeiçoamos – explica Cantarini (foto), diretor técnico do consórcio que assumiu as obras.
Desde então circulam histórias sobre a construção. A lenda mais conhecida é a de que operários teriam sido concretados junto com os pilares que sustentam a ponte. A técnica usada para a construção da obra – os chamados tubulões – ainda era rara no Brasil. Guerrante supõe que este possa ser um dos fatores que causaram os sucessivos acidentes.
O tubulão, para a engenharia civil, consiste em um tubo oco depois revestido com concreto armado. A base precisa ser alargada para dar maior estabilidade. É neste processo de alargamento que os operários entram e trabalham dentro do tubo; fase na qual possivelmente ocorreram acidentes.
– A morte dos operários concretados não era lenda. Naquele acidente censurado em que morreram 12 pessoas, o tubulão se rompeu violentamente. Não havia chance para quem estava lá dentro. O que se sabe é que os corpos não foram resgatados, pois o concreto cobriu tudo – conta o jornalista.
Para a arquiteta Naila Vila Verde, viúva do engenheiro civil Mario Vila Verde, que trabalhou na obra como superintendente técnico, há outra explicação plausível para a história dos “peões de obra concretados”:
– As máquinas que perfuravam o solo também eram chamadas de peão. Acontece que algumas delas quebraram e ficaram lá. Logo, foram concretadas junto com a ponte. Não eram pessoas – acredita.
A arquiteta confirma que houve muitos acidentes, por causa do vulto da obra. No entanto, para ela, na maioria dos casos as mortes foram resultado da imprudência dos próprios operários:
– Eles eram obrigados a usar equipamentos: luvas, capacete, cinto etc. Mas sabe como é brasileiro, né? Eles simplesmente não usavam. Tem um exemplo que foi assim: deu um vento forte, e o chapéu de um operário voou. Um segundo operário virou e falou para o primeiro: “Vai ter que pagar pelo capacete”. O primeiro foi atrás, pulou e morreu. Aconteciam episódios desse tipo.
Naila, que resolveu cursar arquitetura por causa do marido, afirma ser a primeira mulher a atravessar a ponte Rio-Niterói. Como as peças restantes da estrutura ainda não se encaixavam, Mário Vila Verde pediu que fossem encaixados pedaços de madeira entre elas, para que assim sua mulher pudesse ser a primeira a atravessar.
– Quando o Mário (Vila Verde) fechou a ponte com a última peça – e que realmente alguém podia passar –, ele correu até lá em casa. Eu lembro que era a hora do almoço. Ele me pegou, me botou no carro e falou: Nailoca, você vai ser a primeira mulher a atravessar a ponte. E fomos, eu e ele – relata emocionada.
A Rio-Niterói também foi cenário de lendas assustadoras. Uma delas espalhava que, assim como todas as grandes obras do mundo, a ponte tinha fantasmas. “Uma senhora vestida de branco, com uma rosa vermelha na mão, foi vista por alguns operários rondando a Ponte Rio-Niterói”, publicou na época a revista Veja.
* Reportagem produzida para a disciplina Redação em Jornalismo Impresso, do professor Chico Otavio.
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