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Rio de Janeiro, 3 de novembro de 2024


País

Proibição de bingos faz dez anos com projeto a favor da sua volta

Breno Boechat* - Da sala de aula

17/02/2014

 Arte Viviane Vieira

No dia 20 de fevereiro de 2014 completam-se exatos 10 anos da publicação no Diário Oficial, pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, da Medida Provisória 168/04, que proibia, em todo o país, o funcionamento de casas de bingo e máquinas caça-níqueis. Desde então, uma série de projetos e tentativas de regulamentação dos jogos ocorreram, mas nenhuma teve sucesso. A briga, que completa uma década, não tem prazo para ser solucionada e tem uma série de capítulos e discussões entre os que são a favor e os que são contra o jogo.

Na ocasião, o governo Lula vivia uma crise política e teve que criar a MP após denúncias de que o subchefe de Assuntos Parlamentares da Casa Civil na época, Waldomiro Diniz, teria recebido propina para financiar a campanha de Carlos Augusto Ramos – mais conhecido como Carlinhos Cachoeira, acusado de envolvimento com o jogo do bicho. A pressão da oposição e da opinião pública fez com que o presidente tivesse que tomar medidas urgentes. Para não afastar José Dirceu, então ministro da Casa Civil, Lula decidiu proibir no Brasil qualquer tipo de “jogo de azar”. A justificativa dada para a proibição se dizia baseada em um estudo do governo sobre os transtornos que jogos como o bingo poderiam causar para a população.

O texto da Medida Provisória é bem claro: “Todas as autorizações concedidas para a exploração de jogos de bingo estão anuladas, sem direito à indenização por parte dos permissionários ou concessionários”. É nesse ponto que começa a primeira polêmica sobre o assunto. Antigos proprietários de casas de bingo não ficaram satisfeitos com a proibição. Muitos deles foram à falência e cobram do governo um ressarcimento. A Associação Brasileira dos Bingos (Abrabin) é um dos principais órgãos de defesa da regulamentação do jogo no país e já fez uma série de pedidos formais na Justiça para que os donos de casas em que funcionavam jogos desse tipo fossem indenizados pelo Estado. Os líderes da associação prometem fazer ainda hoje, como fez nos últimos nove anos, um protesto em frente ao Congresso, pedindo a regulamentação do jogo.

Mas a briga não se restringe a empresários (donos de casas de jogos) e o governo. No Congresso, desde que o bingo foi proibido, deputados discutem propostas sobre o assunto. De 2004 até hoje, mais de dez projetos de lei foram criados em volta do tema, alguns a favor e outros contra a regulamentação dos jogos. Em 2011, todos eles foram unificados no PL 2944/04, de autoria do deputado federal Valdemar Costa Neto (PR-SP) – recentemente condenado a sete anos e dez meses de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso do mensalão –, que determina a regulamentação dos jogos de bingo e das máquinas caça-níqueis no país.

Para deputado, país perde dinheiro

Divulgação  Com as acusações sobre Costa Neto, o também deputado federal João Dado (SDD-SP) assumiu como relator do projeto e passou a ser uma das principais vozes a favor da regulamentação dos jogos. Para o parlamentar, a existência de bingos permitiria que o Estado arrecadasse por meio de impostos.

– Entendo que a legalização é a maneira mais eficaz de evitar a sonegação fiscal. Hoje, os bingos e cassinos estão proibidos no Brasil, mas não deixaram de existir ilegalmente. Isso é dinheiro que o governo está deixando de ganhar. Ao regularizar, é possível evitar sonegação, lavagem de dinheiro com eficiência – argumenta o deputado, que há pouco trocou o Partido Democrático Trabalhista (PDT) pelo Partido Solidariedade (SDD).

Além disso, segundo o deputado, as casas de jogos criavam uma grande quantidade de postos de emprego e que seria importante recuperar e expandir esse número.

– A abertura de bingos não é só uma questão de incentivar o entretenimento. Ela possibilita criar milhares de novas vagas de trabalho formal, com registro e carteira assinada. Isso é uma das principais metas do governo e ajuda a desenvolver a economia do país – destaca Dado.

O projeto de lei, cujo relatório é elaborado por João Dado, prevê as medidas necessárias para que o jogo de bingo seja regulamentado e tenha fiscalização eficaz. A União arrecadaria, com o pagamento mensal de royalties, 17% da receita das casas de jogos. Toda a movimentação financeira realizada dentro de cada bingo ou cassino seria registrada e uma nota fiscal seria produzida, como funciona em qualquer loja. Essa verba arrecadada seria aproveitada, ainda de acordo com o projeto de lei, da seguinte maneira: 15% à saúde, 1% ao esporte e 1% à cultura.Arte: Breno Boechat

A ludopatia: o vício no jogo

Por outro lado, um dos principais argumentos de quem se posiciona contra a regulamentação dá conta de que os bingos são altamente viciantes. Pessoas entram no jogo e, sem conseguir parar de jogar, acabam perdendo fortunas e se endividando. A doença, que consiste no vício em jogos, é chamada de ludopatia. O combate à doença, por sinal, foi uma das principais justificativas do governo, na época, para proibir o funcionamento das casas de jogos. Em nota oficial, publicada em seu site, a Abrabin defende que o bingo não influencia no aumento do número de pessoas com a doença: "A legalização não aumentará o número de ludopatas, que é uma constante fixa da população mundial, entre 1% e 3% do total. Independentemente da legalização, o doente sempre encontrará alternativas para saciar a sua compulsão, seja na clandestinidade, em cruzeiros marítimos, viajando para países em que o jogo é legalizado ou até mesmo na internet".

Sobre a ludopatia, o deputado federal João Dado afirma que o projeto de lei em tramitação na Câmara prevê um cadastramento das pessoas que decidam frequentar bingos, justamente para evitar abusos e problemas desse tipo.

– Todas as pessoas que entrarem em uma casa de bingo serão identificadas pelo CPF. Uma conta online vai interligar o jogador à Receita Federal. Isso vai permitir que o governo controle, pela frequência ou pelo valor que a pessoa aposta, se ela sofre ou não de ludopatia – garante o relator da PL 2944/04.

A polêmica está longe de terminar. A ala mais conservadora da Câmara promete impedir que o projeto de lei seja aprovado. A votação do PL já foi adiada mais de cinco vezes, o que aumenta a ansiedade dos representantes da Abrabin. A entidade já realizou uma série de abaixo-assinados, que foram encaminhados à Presidência da República, pedindo a regulamentação dos bingos e cassinos do país.

  Enquanto isso, o casal Otávio e Luciane Ribeiro, apaixonado pelo ambiente das casas de jogos, dá um jeito de curtir de outra maneira, dentro da legalidade:

– Aproveitamos que, na Argentina, os cassinos são liberados e unimos o útil ao agradável: uma boa viagem e a diversão. Há também como aproveitar a jogatina em cruzeiros. Já fizemos três – conta Luciane.

Sabendo que há um grande público interessado nessas viagens, muitas agências já usam os cassinos de navios como atrativos para vender pacotes. Pesquisas encomendadas por essas empresas concluíram que a maior parte desse público é formada por idosos. Muitas delas oferecem descontos para pessoas com mais de 60 anos.

– Eu, como consumidor, vejo isso como um desperdício de dinheiro do Brasil. O país ganharia muito dinheiro se liberasse os bingos, porque as pessoas não teriam que viajar para jogar. Além disso, com as belas paisagens que temos, poderíamos fazer grandes resorts, com cassinos lindos – imagina Otávio.

* Reportagem produzida para a disciplina Laboratório de Jornalismo.