Renata Hampshire Ferraris - Da sala de aula
14/01/2014Com a proximidade de um novo início de ano letivo e aberta a temporada de matrícula, é tempo também de muitos jovens reavaliarem a escolha da carreira. Embora não tenha uma estatística, a equipe do Departamento de Admissão e Registro da PUC-Rio afirma que vem crescendo nos últimos anos o número de pedidos de transferência de curso. A explicação para isso, de acordo com a psicóloga Mariana Ataíde, que atende jovens e adolescentes em uma clínica no Rio de Janeiro, está na necessidade de assumir, ainda muito cedo, grandes responsabilidades. Outros, porém, simplesmente percebem que não fizeram uma escolha correta.
É o caso de Ana Carolina Guimarães, 21, que cursou três períodos de Arquitetura e Urbanismo antes de começar a faculdade de Biologia.
– A arquitetura era uma certeza na minha vida desde criança, mas quando comecei a faculdade e conheci detalhes da profissão vi que não era nada do que queria – conta Ana Carolina, feliz no novo curso: – Foi a melhor decisão que já tomei. Hoje, sei que vou amar meu trabalho e acho que isso é fundamental para ser uma pessoa feliz.
Lynn Court, 29, demorou mais tempo para perceber o que realmente queria. Ela se formou em Desenho Industrial pela PUC e apenas três anos depois decidiu voltar à universidade para estudar jornalismo. A um ano de se formar em Comunicação Social, Lynn acredita que a decisão de sair do mercado de trabalho e voltar a ser universitária é ainda mais difícil que a transferência de curso. Ela defende, porém, que nunca é tarde demais para recomeçar.
– Sei que “perdi” alguns anos da minha vida profissional, mas foi por uma boa causa. Vai valer a pena, porque vou trabalhar com o que realmente gosto – diz Lynn, citando o filósofo chinês Confúcio: “Não corrigir as próprias falhas é cometer a pior delas”.
Para a psicóloga Mariana Ataíde, mudar de curso não é necessariamente ruim, mas o jovem deve avaliar se a vontade não é simples medo do futuro e das incertezas que ele oferece:
– Chega um momento em que os jovens percebem que estão se tornando adultos, e isso os assusta. Eles acabam, então, ‘fugindo’ dos compromissos que se aproximam e recomeçando o ciclo universitário.
Profissão dos sonhos
Freud, questionado certa vez sobre o que considerava fundamental para a saúde mental de uma pessoa, respondeu: “Lieben und arbeiten”. Em português, amar e trabalhar. O fundador da psicanálise defendia que o trabalho tem papel importante na autoestima, no senso de identidade e no equilíbrio psicológico dos indivíduos. A importância que os jovens dão a trabalhar com o que gostam cresceu muito nos últimos anos. Isso também ajuda a explicar o aumento da procura por novos cursos.
A psicóloga Mariana lembra que, se antigamente era comum os pais decidirem a profissão se seus filhos, hoje os jovens em geral têm liberdade para fazer suas próprias escolhas, mesmo que precisem de mais que uma tentativa.
– Em nenhum momento meus pais fizeram cobranças em relação à minha escolha profissional. Eles sempre disseram que o importante é minha felicidade, e me deram muito apoio, mesmo quando decidi mudar para Biologia – conta Ana Carolina.
E agora, para onde ir?
Assim como Ana Carolina, Anna Paula Mello, 19, tem o apoio de seus pais na busca pela profissão de seus sonhos. A estudante do terceiro período de Economia da PUC-Rio, porém, não sabe o que fazer. Sua única certeza, diz, é não querer ser economista.
– Detesto. Cada dia de aula é uma tortura, e não vejo futuro para mim na profissão. O problema é que não sei o que quero – admite Anna Paula, que teme errar novamente na escolha e desperdiçar tempo e dinheiro. Ao mesmo tempo, tem pressa em seguir o caminho certo.
Para a psicóloga Mariana, a jovem tem razão em ser cautelosa:
– Na hora de tomar decisões importantes, a melhor coisa a se fazer é pensar. Toda a situação deve ser analisada, para que não haja uma escolha precipitada – adverte.
Em casos como o de Anna Paula, a questão pode ser até um pouco mais complicada. De acordo com a psicóloga, a jovem pode estar no grupo de alunos que descontam no curso escolhido o medo de assumir responsabilidades.
– Às vezes, os jovens rejeitam a área não pela profissão que estão iniciando, mas porque não querem se aproximar da fase adulta. ‘Odiando’ a faculdade, deixam aberta a possibilidade de mudar de área e voltar para o início, quando as obrigações são menores – explica Mariana.
Se a pessoa não consegue se interessar por nenhuma área, de acordo com a psicóloga, precisa prestar atenção no motivo real de sua insatisfação.
Lazer não é trabalho
Ao mesmo tempo, nem sempre se é feliz trabalhando naquilo que se que gosta de fazer por lazer – não é porque um adolescente ama futebol, por exemplo, que se realizará como jornalista esportivo. Dedicar seu tempo livre a alguma coisa é muito diferente de tê-la como profissão.
Luiza Franco, 23, viveu essa decepção. A carioca sempre foi apaixonada por moda e decidiu, ainda criança, que seria estilista. O primeiro contato com o mercado de trabalho, porém, foi a confirmação do que ela já tinha percebido na faculdade: não era o que queria.
– Comecei a estagiar no quarto período. Estava desanimada com minhas aulas, e pensei que trabalhar seria a solução dos meus problemas, mas houve justo o oposto. Vi que a moda só tem espaço na minha vida como lazer – conta Luiza, que hoje cursa o quarto período de Direito e se diz no lugar certo: – Agora, sim, consigo imaginar meu futuro na profissão. Estou trabalhando em um escritório de advocacia e amo meu trabalho.
Escolha por questões financeiras
Eduardo Rodrigues, 20, também é estudante de Direito, mas, diferente de Luiza, não tem propriamente paixão pela carreira que escolheu.
– A questão financeira pesou na hora de decidir minha carreira. Minha paixão mesmo é o cinema, mas sei que um bom salário é fundamental para que eu me sinta realizado profissionalmente. Nunca seria feliz em um trabalho sem retorno financeiro e, no período em que estudei comunicação, vi que o mercado é muito complicado. Prefiro enfrentar os livros e as leis para ter o padrão de vida que desejo – completa.
Em casos como o de Eduardo, é importante que o estudante entenda o risco que corre. A disputa profissional é acirrada em qualquer área, e o amor pelo trabalho pode ser um aliado fundamental na hora de se destacar. A psicóloga Mariana explica, ainda, que profissão e vida pessoal estão diretamente ligadas, e que a escolha de uma carreira que não traga prazer pode ter grandes consequências na relação com a família e amigos.
A hora é essa
Para completar, a profissional ressalta a dificuldade de se escolher uma carreira quando se tem entre 16 e 18 anos. Ela defende mudanças de curso necessárias até o jovem encontrar o rumo correto – desde que suas decisões sejam bem pensadas.
– A juventude é o momento de se encontrar e se descobrir, pessoal e profissionalmente. É preciso ter paciência – afirma.
Felipe Corrêa que o diga. Aos 29 anos, ele está no segundo período de Administração. Agora feliz com seu curso, Felipe enfrentou muitas dúvidas e decisões difíceis antes de se encontrar.
– Já passei pelas faculdades de Engenharia Química, Economia e Relações Internacionais. A que estudei por mais tempo foi Relações Internacionais: sete períodos. Passei ainda alguns semestres de bobeira ou no exterior. Finalmente, descobri o que quero – comemora.
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