Jana Sampaio e Júlia Cople - aplicativo - Do Portal
18/12/2013Com a aprovação do Partido Republicano da Ordem Social, do ex-caixeiro viajante Eurípedes Júnior, e do Partido Solidariedade, do sindicalista Paulo Pereira da Silva, o cenário político do Brasil passa a dispor de 32 partidos. Ainda há a possibilidade de que, em 2014, os eleitores tenham 33 agremiações para escolher, caso Marina Silva consiga validar, até sexta-feira, as 492 mil assinaturas necessárias para a criação de sua Rede. A sopa de siglas beira o recorde das eleições de 1990 e 1992, quando 34 legendas disputaram a preferência dos brasileiros. Desde a promulgação da Constituição de 1988, um partido é criado no país por ano, em média. Tamanha diversidade, porém, não escapa à crise de representação bradada pelas Jornadas de Junho, pois não se reflete numa variedade de posições e propostas políticas. Embora possa supostamente oxigenar a estrutura política do país, tal fragmentação desvirtua-se em, como dizem, legendas de aluguel, mais interessadas no acesso ao Fundo Partidário e na barganha do tempo de TV, observam os analistas políticos. Para boa parte deles, a vacina seria a cláusula de barreira, cuja implementação torna a ser discutida. Outros, no entanto, a consideram pouco democrática. Em meio à polêmica, são unânimes ao afirmar que a multiplicaçao partidária exige questionamentos sobre pontos como os interesses de campanha, o jogo de alianças e o impacto econômico nas contas públicas.
As decisões favoráveis do Tribunal Superior Eleitoral em relação àquelas duas novas legendas, acusadas de irregularidades cartoriais, reacendem ainda o embate entre a corrente que defende a "liberdade partidária acima de tudo" e os que pregam a reforma política e a avaliação de desempenho no Congresso Nacional. O cenário também traz de volta ao debate a cláusula de barreira, proposta, por exemplo, pelos pré-candidatos à Presidência Aécio Neves (PSDB) e Eduardo Campos (PSB) e pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Joaquim Barbosa, para o qual o excesso de partidos prejudica a estabilidade do sistema político brasileiro. O dispositivo consiste na exigência de uma cota mínima de votos em determinado número de estados da federação para um partido ou coligação manter a representação no Congresso Nacional. Seus defensores alegam que a institucionalização impediria partidos “de aluguel” ou extremistas de ingressarem no Parlamento. Uma prática comum nos sistemas europeus: na Alemanha, por exemplo, onde é adotado o voto distrital misto, só participam do Bundestag, Legislativo alemão, ou dos Länder, parlamentos regionais, aqueles que alcançarem 5% dos votos. Embora a Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa recomende uma cláusula de barreira de até 3%, a Turquia fixa em 10%, para evitar agremiações radicais.
O mecanismo quase foi implementado no Brasil, em 2006. O Supremo acatou, porém, o argumento de que a Lei 9.096 feria o direito de manifestação política das minorias e julgou a cláusula de barreira inconstitucional. O cientista político Cesar Romero Jacob (foto), diretor do Departamento de Comunicação Social da PUC-Rio, avalia que a decisão da corte abriu a porteira para a pulverização política:
— O espírito era garantir à minoria o direito de competir e vir a ser maioria, mas acabou deixando margem para que partidos de ocasião, de negociação, fossem criados. Então, temos 32 partidos, um modelo disfuncional e fragmentado. Há hoje um impasse na vida política brasileira.
O também cientista político José Paulo Martins Júnior, da Unirio, é categórico quanto ao descompasso entre a fragmentação partidária e a sustentação ideológica. Para ele, o bem público sucumbe a interesses particulares:
— O Brasil está atomizado em termos de partido. Na Câmara dos Deputados temos representantes de 20 partidos. Não existe nenhuma motivação política e ideológica na criação de novos partidos, a não ser interesse particular do próprio parlamentar, que é um “político profissional”.
Na avaliação de Romero Jacob, o país não deve, entretanto, prescindir dos “nanicos ideológicos”, como se refere aos partidos pequenos com plataforma explícita. Para salvá-los, a estrutura política acaba permitindo que qualquer um crie uma legenda; um vácuo aproveitado por iniciativas cujo compromisso com a representação democrática mostra-se, no mínimo, questionável.
Jacob: "Atuação partidária tem de corresponder à estatura da representação: nacional ou local"
Ainda segundo o cientista político, são necessárias exigências de desempenho para que os “nanicos ideológicos” se desenvolvam gradativamente. Além disso, ele pondera que as agremiações devam apresentar uma atuação proporcional às respectivas representações: se têm expressão nacional, participam do Congresso; caso não tenham essa estatura política, ainda assim podem atuar em Câmaras de Vereadores, em algumas Assembleias Legislativas.
A professora de Ciência Política da UnB Marcia Dias não se opõe à existência de partidos menores. Mas ressalva a complexidade trazida por eles ao cenário político:
— A fragmentação política faz parte de uma estratégia que o setor adota para a sua manutenção. Os pequenos partidos dão sustentação a projetos políticos pontuais, mas há muita oscilação. Esses micropartidos agregam complexidade ao sistema partidário, embora não o tornem inviável. Ainda assim, um maior controle da criação de partidos não seria um fator problemático.
Para o cientista político e professor da PUC-Rio Ricardo Ismael (foto), a pulverização partidária é propiciada também por uma brecha na estrutura política: a manutenção do mandato em caso de transferência para um partido recém-criado. A legislação, para evitar o troca-troca partidário outrora constante, prevê que o parlamentar perca cargo ao mudar de agremiação. Mas a lei não engloba novos partidos, pois estes representariam, a princípio, novas correntes políticas. A expectativa dos líderes partidários é que, até 4 de outubro, data-limite de transferência para quem deseja se candidatar em 2014, entre 25 e 50 deputados troquem de sigla, o que representa de 5 a 10% da Câmara.
— Os insatisfeitos, por falta de espaço ou porque acham que a legenda não é boa para disputar 2014, podem migrar para um novo ou criar o seu. De fato, o grande problema é que esses partidos são interesse de cúpula, das lideranças — explica Ismael.
A articulação, lembra Romero Jacob, faz parte do jogo político. Mas a ideia de diversidade democrática acabou gerando o inverso: um balcão de negócios, no qual o tempo de propaganda nos veículos de comunicação torna-se um artigo de luxo. Pode ser trocado até por um ministério, exemplifica Ismael.
"Pluridade partidária é positiva. Temos é que melhorar os partidos", argumenta cientista político
Em meio a tantas opções de partidos, fica difícil para o eleitor discernir as propostas de cada um. O cientista político e professor da UnB André Carvalho argumenta que o multipartidarismo justifica-se pela existência de várias correntes ideológicas, mas admite que, no caso do Brasil, o surgimento de novas legendas tem mais a ver "com os interesses das elites regionais, que não necessariamente compartilham da mesma ideologia do eleitor". O também cientista político Danilo Marcondes, da PUC-Rio, considera a proliferação partidária positiva, desde que as regras sejam definidas:
— Os partidos têm propostas diferentes e, do ponto de vista da ética e da concepção pluralista, é bom que existam várias opções para o eleitor — justifica.
Para Marcondes, a cláusula de barreira soa, portanto, antidemocrática. Embora reconheça a possibilidade de legendas serem criadas de olho no Fundo Partidário (contabiliza R$ 400 milhões, aproximadamente) e na barganha do tempo de TV por cargos, o professor explica por que é contrário à norma:
— É provável que haja 32 ideias diferentes, talvez até mais. Não vejo problema nenhum no multipartidarismo. Os chamados partidos de aluguel podem existir, mas acho complicado criar uma norma que limite o número de partidos.
Marcondes pondera que, apesar de as manifestações populares apontarem uma crise representativa, a sociedade jamais pode abrir mão da representação partidária:
— A gente tem que melhorar os partidos, para que eles possam representar melhor os movimentos que estão nas ruas. Eles devem abrir os olhos para o fato de terem perdido sua representatividade.
Numa visão otimista, Marcondes acredita que os novos partidos podem representar uma esperança para avanços sociais e democráticos, "assim como o PT era a aposta dos esquerdistas quando o Brasil saiu da ditadura militar". A evolução exige, no entanto, o acompanhamento do eleitor ao programa dos partidos, ressalva o professor: "Quanto maior é a participação do eleitor no debate político, melhor para a democracia".
Analistas: pulverização partidária atrapalha a governabilidade
Embora essa pulverização e, sobretudo, o caminho mais adequado para impedir que se converta em legendas de aluguel dividam os analistas políticos, eles concordam sobre a necessidade, exposta nas manifestações de junho, de se oxigenar a estrutura partidária brasileira. Ismael afirma que as manifestações populares colocaram em xeque o modelo vigente e, por isso, há espaço para partidos menos desgastados. O grande desafio, diz ele, é retomar o diálogo com a sociedade, a partir do restabelecimento do vínculo sociedade-Estado. Vínculo que, por outro lado, segundo Romero Jacob, esgarça-se cada vez mais pela própria fragmentação dos partidos. Para o cientista político, configura-se um quadro nocivo à própria democracia, porque gera a impressão de que o sistema político é uma grande patifaria, com o acesso a R$ 600 mil do Fundo Partidário e tempo nos veículos de comunicação logo após a aprovação do novo partido. Um contexto que, quanto mais se descentraliza, mais torna complexa a perspectiva de mudança:
— Quanto mais partidos, mais difícil formar maioria qualificada no Parlamento para mexer na Constituição. O fato é que o modelo adotado não permite que o sistema funcione adequadamente. A não ser que haja uma concentração natural de votos nos grandes partidos, o que não muda muita coisa, será complicado gerir o Brasil com uma base tão dividida em 2015 — projeta.
Martins reforça que a pulverização partidária atrapalha a governabilidade, pois a vasta bancada é “minimamente confiável”. No jogo do presidencialismo, lembra o analista, o mandatário deve, assim que eleito, buscar alianças na base parlamentar para aprovar seus projetos de lei e medidas provisórias. Quanto maior o número de agremiações, maior é o volume de concessões, salienta Jacob:
— O presidente pode muito, mas não pode tudo. Quanto mais agremiações, mais o partido que ganhar eleições vai ter que fazer concessões para formar maioria. Foi assim com Fernando Henrique Cardoso, com Lula e com Dilma, por exemplo — recorda.
Apesar da importância de se amealhar aliados, ainda mais em um cenário dividido, Márcia desmitifica a relação entre pulverização partidária e práticas clientelistas:
— O clientelismo independe da fragmentação partidária, mas se dá pela recepção do eleitor sobre as propostas políticas vigentes. A fragmentação, inclusive, tem como consequência a maior compreensão do sistema político. Ainda assim, para garantir essas alianças, evidenciam-se as moedas de troca.
Tempo de TV vira moeda de troca
O acesso imediato ao Fundo Partidário pelas agremiações recém-criadas — cada uma recebe, de cara, R$ 600 mil para gerenciar o partido — pode até não afetar o bolo total, mas modifica a distribuição entre as legendas, observa Márcia. Em 2007, o Congresso Nacional decidiu, por meio da Lei nº 11.459, que a distribuição dos recursos seguiria dois critérios: 5% divididos igualitariamente entre os partidos registrados no TSE, 95% do restante divididos de acordo com a proporcionalidade das legendas no Parlamento. Quanto menor o partido, menor o acesso ao fundo partidário. Fora esse dinheiro, o tempo de propaganda na TV e no rádio torna-se alvo de barganha, observa Romero Jacob:
— As agremiações partidárias não recebem doações, mas verba do Fundo Partidário. Os partidos novos já terão R$ 600 mil de recursos com direito a tempo no rádio e na televisão, que acaba virando moeda de troca.
Apesar de reconhecer as particularidades da dinâmica brasileira, Márcia afirma que a fragmentação partidária faz parte de uma estratégia de manutenção do setor e seu impacto no Fundo Partidário não é representativo. Na avaliação da professora, frente aos oito principais partidos hoje no país, a criação de duas ou três novas legendas não faz diferença ao sistema de distribuição dessa verba:
— Os pequenos partidos dão sustentação a projetos políticos pontuais, mas há muita oscilação. Do ponto de vista econômica, é o menor dos malefícios. Não é isso que encarece a máquina política — argumenta.
Em que pesem usos distorcidos, o Fundo Partidário volta-se, a princípio, a uma prerrogativa democrática: garantir o direito das minorias. No caso, a participação no jogo político de legendas menos musculosas mas de plataformas ou ideologias explícitas, como PV e PCdoB. Jacob esclarece:
— O espírito (ao se criar o fundo) era garantir à minoria o direito de competir e vir a ser maioria, de estar no jogo político. Isso é bom para a sociedade.
"Reforma política exige um debate público", cobra especialista
Para o aperfeiçoamento do jogo político-partidário, do sistema eleitoral e da democracia, alguns analistas apostam que a reforma política seja um primeiro passo. Outros a desqualificam como solução. Martins diz que o problema não é a regra estabelecida pelo sistema eleitoral, e sim a prática política:
— O ideal é que as leis sejam aplicadas e que os políticos não achem que podem fazer o que bem entendem sem serem punidos.
Na opinião do cientista político, eleições diretas para ministro do Supremo Tribunal Federal integram o conjunto de alternativas voltadas a melhorar o sistema político brasileiro:
— O Congresso escolheria uma parte; a população, outra parcela e o presidente complementaria a escolha — propõe.
Um dos pontos da reforma política em discussão prevê a proibição do uso das verbas do Fundo Partidário nas campanhas eleitorais, que teriam recursos públicos próprios. Martins Junior cobra uma maior participação popular na formulação desses supostos aperfeiçoamentos:
— Do jeito como está formulada, não acredito que a reforma política seja algo positivo, pois faz com que interesses privados sejam encastelados nos partidos. O investimento de empresas em um político é uma prática de corrupção, pois interesses privados passam a se sobrepor aos interesses públicos da população. A sociedade deveria ser consultada com a instalação de plebiscito, por exemplo. Isso amplia o debate público.
Ismael é favorável, em princípio, a um acordo no Congresso:
— O problema do plebiscito é que nem sempre as perguntas ficam claras para o eleitor que não está inteirado do assunto e do momento político brasileiro. Sou favorável ao referendo, acordo político do Congresso, e depois se faz um prazo para explicar a população, conclui Ismael.
Para que uma reforma política torne-se eficaz, "é necessário que os partidos estejam dispostos a aperfeiçoar a escolha do representante a deputado federal e estadual", afirma o cientista político. Apesar de especialistas apontarem a reforma como um passo para erradicar a corrupção, Ismael é enfático:
— A reforma política não põe fim à corrupção. Se o sujeito é corrupto, vai arrumar jeito. Os mecanismos de controle sobre o governo já existem, como o Ministério Público e o Tribunal de Contas, mas é preciso fortalecer essas instituições. Você poderia acabar com a suplente de senadores, poderia discutir o limite ou eliminar o de empresas, aí teríamos um avanço — sugere.
Para Marcondes, a reforma política "é positiva, precisa ser feita e precisa ter regra mais claras". Ele propõe, por exemplo, que sejam amplamente discutidos pontos como o troca-troca de partidos, a suplência no Senado e os sistemas de voto distrital, voto proporcional e voto misto.
Marina corre contra o relógio para tirar Rede do papel
A dois dias do prazo final para ter sua Rede Sustentabilidade aprovada pelo Ministério Público Eleitoral e poder concorrer às eleições presidenciais do próximo ano, a ex-senadora e ex-ministra Marina Silva corre contra o tempo. Enquanto os dois partidos aprovados recentemente – PROS e Solidariedade, até então desconhecidos – obtiveram a cota mínima de 492 mil assinaturas, a pré-candidata à Presidência da República, que nas eleições de 2010 recebeu 20 milhões de votos pelo Partido Verde (PV), conseguiu validar apenas 442.500. A possibilidade de aprovação da Rede faria da legenda a 33ª do país. O pedido de registro deve ser julgado até sexta-feira, data-limite para o reconhecimento do partido. Ontem, no entanto, o Ministério Público Eleitoral se posicionou contra a aprovação. Ismael considera "estranho" o não reconhecimento das outras assinaturas pelo cartório:
— A Marina está em segundo lugar nas pesquisas e é estranho não conseguir 492 mil assinaturas para validar um partido, quando há três anos recebeu 20 milhões.
A ex-senadora é vista, por parte dos analistas, como a principal beneficiária, na corrida presidencial que se desenha, das manifestações que eclodiram em junho e bradaram um descompasso com a representação política. Tais circunstâncias, avalia Ismael, podem interferir em esforços para tirar Marina do jogo eleitoral. Para ele, a exigência de "cartoralizar" a criação de partido é "descabida".
Apesar da identificação com a juventude e da proximidade com o discurso ético, Martins não acredita que, caso tenha seu partido aprovado, Marina consiga transformar esse cacife num extraordinário capital político. Na avaliação dele, a falta de uma base aliada forte e presente em diversos estados dificulta o fôlego eleitoral da ex-ministra do Meio Ambiente:
— Acredito que, por mais carismática que a Marina seja, sem apoio partidário fica difícil. Uma das maiores dificuldades que a candidatura de Marina enfrentará é a falta de espaço no horário eleitoral.
Os analistas ressaltam, contudo, que, aprovada ou não a Rede de Marina, a complexidade do xadrez político-eleitoral e a distância do pleito tornam precipitadas, ou ingênuas, quaisquer projeções. O jogo está só começando.
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