Doutor em Comunicação pela Universidade Católica de Louvain, Bélgica, e professor emérito da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, Adriano Duarte Rodrigues é referência quando se fala em estudos na área de Comunicação em Portugal. Autor de uma dezena de livros sobre o tema, o professor conversou com o Portal PUC-Rio Digital sobre comunicação e sobre a reinvenção das mídias, mote da 10ª edição do PosCom (leia a reportagem).
Portal PUC-Rio Digital: Seu livro Estratégias de comunicação é apresentado como uma tentativa de responder à questão sobre como a comunicação passou a ocupar um dos lugares centrais do nosso mundo. Como?
Adriano Duarte Rodrigues: Não é propriamente hoje que a comunicação passou a ocupar um dos lugares centrais do nosso mundo. Ela ocupa esse lugar desde que a nossa espécie se constituiu, há cerca de 200 mil anos. A comunicação é precisamente o processo em que os seres humanos mobilizam os recursos que os habilitam a constituir o seu mundo comum e, por isso, sempre desempenhou este papel fundamental, sendo indispensável à sobrevivência, tanto da espécie, como de cada um dos seus indivíduos.
Portal: O senhor faz importante reflexão sobre como a experiência moderna concede ao campo da mídia o controle da fragmentação que caracteriza a modernidade, cabendo à mídia produzir uma unidade narrativa relativamente homogênea capaz de produzir entendimento. O senhor acredita que, em tempo de explosão de novas mídias, essa necessidade de totalização e homogeneização ainda se legitima?
Rodrigues: A chamada “explosão das mídias” não é um fenômeno do nosso tempo, mas de todos os tempos e de todas as sociedades. Os seres humanos sempre dependeram das “mídias” para sobreviver. A explosão das mídias deve ter ocorrido quando os seres humanos deixaram de depender das trocas com um território concreto e passaram a ser completamente dependentes da constituição técnica do mundo, da mobilização dos dispositivos de mediação, próprios da sociedade em que vêm ao mundo e em que vivem. Aquilo a que hoje assistimos não é mais do que a continuação do processo histórico de invenção de mídias. Para este processo, contribuiu de maneira decisiva a constituição das aplicações técnicas, da cibernética, decorrentes do paradigma sistêmico do saber. Este paradigma foi concebido no fim do século XIX, dando origem em particular à biologia e à linguística, ciências que decorrem da descoberta de que tanto os seres vivos como a linguagem estão organizados sob a forma de sistemas.
Portal: O discurso tem posição central na experiência contemporânea midiatizada. Ou seja, o discurso é uma estratégia de construção da realidade que se dá no campo da mídia. Nesse sentido, a mídia ocupa um lugar central nas sociedades contemporâneas. Faz sentido a diferenciação entre novas e velhas mídias para essa percepção da ordem do discurso?
Rodrigues: Para mim não faz qualquer sentido falar de velhas e de novas mídias, mas de processo histórico ou sociogenético de invenção de novos objetos técnicos, processo feito de continuidades, mas também de rupturas. Os novos objetos técnicos não fazem envelhecer os anteriores. Os anteriores permanecem e se adaptam aos novos. Por exemplo, continuamos a escrever e a utilizar a escrita nas interações que fazemos uns com os outros pela internet.
Portal: O senhor afirma que o ser humano não tem a experiência de um mundo singular, mas uma multiplicidade de mundos, cada um com seus objetos, seus princípios constitutivos, suas regras e seu modo de funcionamento. Poderíamos pensar em especificidades do “mundo virtual”? Quais seriam?
Rodrigues: Para todos os seres humanos, os mundos são artefatos por eles inventados tecnicamente e representados ou objetivados simbolicamente na linguagem. Neste sentido, os mundos que ser humano constitui simbolicamente na linguagem sempre foram mundos virtuais. Não sou capaz de perceber o que há de mais virtual no mundo constituído pelas interfaces eletrônicas do que no mundo constituído pelas narrativas que duas vizinhas contam uma à outra quando se encontram ou quando alguém constrói uma novela e a publica. Os personagens de um conto ou das narrativas que contamos não são também avatares encenados pelos nossos discursos, e a encenação que fazemos da nossa experiência não nos remete constantemente para mundos construídos pelos discursos? Se quisermos, no entanto, distinguir os mundos criados pelos dispositivos técnicos eletrônicos, podemos dizer que eles adquirem cada vez mais a possibilidade de criar a ilusão de reificar os mundos virtuais que os seres humanos desde sempre constituíram simbolicamente.
Portal: Pensando, por exemplo, nas marcas fáticas interativas a que o seu trabalho se refere, estas operam de forma diferente em interações presenciais e interações não presenciais?
Rodrigues: Sim e não. As interações que estabelecemos uns com os outros são pontuadas por marcas que os indivíduos estão constantemente emitindo e que visam à criação, à manutenção, ao reforço e ao restabelecimento da relação intersubjetiva. A observação cuidadosa das interações discursivas mostra que se trata de processos de tal modo sincronizados que alguns autores costumam comparar com um jogo ou uma coreografia. Para perceber a sua importância, pode procurar eliminar a produção destas marcas, quer numa interação com seus familiares, quer numa interação institucional, e verificará que os seus interlocutores, embora tenham ouvido perfeitamente as palavras que lhes dirigiu, não entenderão o que lhes quis dizer e acharão que não se comportou de maneira apropriada. Os mesmos processos atravessam as interações midiatizadas e desempenham nestas interações um papel ainda mais importante, devido ao fato de que os indivíduos não podem monitorar alguns dos comportamentos dos seus interlocutores. Por exemplo, quando telefona, se aquele que está no uso da fala não utilizasse constantemente marcas fáticas, nem sequer saberia se o seu interlocutor o está ainda ouvindo, nem se a chamada não caiu. Daí que, nas interações não presenciais, os processos de sincronização se tornam ainda mais importantes.
Portal: Em que o pragmatismo com o qual o senhor se identifica pode contribuir para pensar os desafios éticos contemporâneos?
Rodrigues: Para mim o pragmatismo é uma espécie de formação para a disponibilidade do olhar e uma cultura pelo respeito das diferenças; é uma recusa ao julgamento e uma valorização da pluralidade. Em vez de partir de ideias feitas para julgar, o pragmatismo parte da observação da maneira como os outros julgam o mundo para aprender com eles. O pragmatismo talvez seja uma escola de democracia e de respeito pela diversidade das maneiras de pensar e dos modos de vida. A história já nos mostrou abundantemente que não mudamos o mundo impondo a nossa maneira de pensar nem os nossos modos de vida aos outros, mas que talvez consigamos mudar alguma coisa se nos mudarmos a nós próprios e na medida em que nos mudarmos a nós próprios. É por isso que talvez a perspectiva pragmática possa contribuir para a redução dos conflitos e para a construção de um mundo melhor.
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