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Rio de Janeiro, 3 de novembro de 2024


País

Amorim: "Vivemos uma nova dimensão da guerra cibernética"

Júlia Cople - Do Portal

21/10/2013

 Júlia Cople

Uma política externa aliada à de defesa "para promover a paz em um mundo multipolarizado". Assim o ministro da Defesa, Celso Amorim, sintetizou as diretrizes da segurança nacional brasileira, em Aula Magna do Instituto de Relações Internacionais (IRI) da PUC-Rio. O desafio envolve, reconhece Amorim, "uma nova dimensão da guerra": a cibernética, que, segundo ele, não resulta necessariamente em um embate entre Estados, todavia pode ganhar contornos mais cruéis do que os conflitos convencionais. As áreas cibernética, nuclear e espacial compõem, desta forma, a base da Estratégia Nacional de Defesa, na qual as Forças Armadas "modernas e integradas" têm um papel decisivo à proteção da biodiversidade e da capacidade energética do país, ressalta o ministro. 

Em relação ao equilíbrio mundial, Celso Amorim considera a multipolaridade — a ascensão do G20, o grupo formardo pelas 20 maiores economias, em detrimento do antigo hegemônico G8 — essencial ao avanço para uma harmonização de forças msis comprometida com o desenvolvimento sustentável. Não menos importante à política de paz, revela-se a cooperação econômica e diplomática entre os vizinhos do Atlântico do Sul. Abaixo, as opiniões centrais do ministro sobre esses e outros pontos associados aos desafios da defesa nacional e da geopolítica mundial.

"A segurança não depende só de tanques e canhões"

"Nesse vasto espaço sem fronteiras, o ciberespaço, temos uma nova tendência de desestabilização presente no contexto internacional. A cibernética é uma nova dimensão da guerra, que tem como arma a informação. Os atores não estatais desempenham novo papel. Mas o espaço Estatal diminui? Não. Basta lembrar, por exemplo, o sistema de contra-ataque e ataque na rede da Inglaterra, o primeiro anunciado publicamente. O argumento para monitoramento de dados, a luta contra o terrorismo, é descabido.  Existe uma linha tênue entre monitoramento de dados e guerra cibernética. A segurança, portanto, não depende só de tanques e canhões. É uma guerra que emprega equipamentos de alta geração. É a cool war: menos fria que a Guerra Fria, porque as ações não resultam necessariamente em uma guerra convencional, mas que também pode vir a gerar conflito direto entre os Estados. Exemplo de novas tecnologias utilizadas são os drones – no Brasil, Vant (veículos aéreos não tripulados). Os drones representam poucos riscos humanos e políticos, pelo menos em princípio, para o atacante, com alto grau de sigilo. Ou seja, é ainda mais cruel: é matar sem correr risco de ser morto. É uma banalização da violência e uma guerra assimétrica, no sentido da assimetria de poder entre os Estados. São objetivos antigos com recursos novos. Não seria o momento de discutir um tratado de "no first use" do armamento cibernético?"

Consequências da guerra cibernética

"A distribuição de poder mundial a partir dessas novas tecnologias utilizadas em guerras, como a guerra cibernética, pode gerar duas situações. Ou o conflito, uma situação persistente na ordem mundial: uma visão mais realista, no sentido teórico das relações internacionais, em que o principal objetivo dos Estados é a sobrevivência. Ou a busca por cooperação na política mundial, em conssonância com uma ordem multilateral, como uma visão mais otimista."

Ascensão do G20 no xadrez internacional

"Os países emergentes têm duas iniciativas de multipolaridade importantes. Uma delas foi o Ibas (Índia, Brasil e África do Sul), o ex-G3, de natureza multicultural e étnica. Interessava muito à Rússia e à China, para que formassem um possível G4 ou G5. É um grupo que tem muita legitimidade, ainda que pouca visibilidade internacional. Com o surgimento dos Brics, teve que fazer muito esforço para manter sua identidade. Foi, inclusive, a primeira iniciativa para se discutir o grupo Bric, ao qual a África do Sul se integraria posteriormente, tornando-se Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). Uma sigla criada pelo mercado financeiro para um grupo político não é banal (foi criada por um economista da Goldman-Sachs, Jim O'Neill). A consolidação deste agrupamento é o fim de uma era. Quando eu disse que representava a quebra da hegemonia do G8, fui criticado. Mas depois o presidente dos Estados Unidos disse que representava a ascensão do G20 como principal órgão internacional, a mesma conclusão com outras palavras. Os comunicados dos Brics, pela característica de abordar questões políticas e financeiras, trazem também importantes formulações sobre segurança internacional."

Quebra da hegemonia do G8 e multipolaridade

"A crítica feita a essa iniciativa de multipolaridade é a heterogeneidade dos membros do Brics para ações conjuntas, mas é importante considerar que são países com interesses comuns. Muitas vezes é visto como um eixo de oposição ao Ocidente e não como reequilíbrio do poder mundial. Ainda é uma incógnita a possibilidade de uma multipolaridade com regras multilaterais, e devemos trabalhar para isso. A Rodada de Doha, por exemplo, não será completa sem contemplar interesses dos emergentes. Novos mecanismos poderão ser pensados sem as disparidades do passado, no caso de uma multipolaridade."

 Júlia Cople Cooperação sul-americana

"A integração da América do Sul é um eixo importante para pensar a busca de cooperação internacional e política de paz, principalmente no que se refere à posição do Brasil. O continente sul é uma área central para o Brasil, tanto no que se refere à União de Nações Sul-Americanas (Unasul), quanto no sentido de colaboração bilateral. A construção de um cinturão de paz e boa vontade. Iniciativas como o Seminário de Segurança e Vigilância do Tráfego Marítimo, Busca e Salvamento, por parte dos dos membros da Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul (Zopacas), são importantes. Deve-se estabelecer uma dinâmica própria, livre de ataques nucleares e de tropas estrangeiras. A Otan tem extrapolado o território e suas ações de segurança com o argumento da possibilidade de proteger. Ações unilaterais são, à luz da Carta da ONU, ilegais."

"O Brasil só terá segurança se promover tecnologia nacional"

"A segurança não depende só de tanques e canhões. Ser pacífico não significa ser desarmado nem passivo. O Brasil contribuiu para desfazer controvérsias, como o acordo de confiança firmado com o Irã, em 2010, ao lado da Turquia. Temos também um general brasileiro na maior missão de paz da ONU, na República Democrática do Congo. Atualmente, o país tem uma Estratégia Nacional de Defesa baseada nos aspectos nuclear, cibernético e espacial. Mas o Brasil só terá segurança se promover tecnologia nacional, como o submarino nuclear. Lanchas de patrulha não são suficientes para lutarmos contra a pirataria, o tráfico de drogas e, quem sabe, ataques de terceiros que cheguem como na Segunda Guerra. As Forças Militares devem ser aprestadas, modernas e integradas para uma defesa robusta. Homens e mulheres com domínio das tecnologias. Uma política externa aliada à de Defesa para promover a paz, em um mundo multipolarizado e equilibrado."

Negociações do programa nuclear iraniano

"O acordo de confiança de Brasil e Turquia com o Irã, em 2010, foi uma oportunidade desperdiçada. O que se negocia hoje com Teerã é parecido com aquela época, mas o país persa mal havia começado a enriquecer urânio. Hoje é mais difícil. Antes havia duas toneladas, mais ou menos, de urânio enriquecido a 3%. Hoje, estimo pelo menos quatro toneladas. Segundo os jornais, há cerca de 140 ou 150 kg de urânio enriquecido a 20%. É difícil chegar à equação que chegamos em 2010. A troca desse urânio levemente enriquecido por urânio fabricado no exterior deixou de ser atraente. Teerã tem que sentir que é algo legítimo e que a troca ajuda seu reator de pesquisa, não sentir que está apenas cedendo às pressões. O elemento das sanções ajuda. O acordo discutido por nós não era novo, o grupo P5+1 (Estados Unidos, França, Reino Unido, China, Rússia e Alemanha) já havia proposto. Os Estados Unidos mudaram a postura depois, porque Rússia e China foram convencidas. O Irã é o maior país do Oriente Médio. Sem o apoio dele, não há paz no Oriente Médio. Agora há essa chance."

 Júlia Cople "Precisamos defender nossa biodiversidade"

"As limitações são basicamente de ordem orçamentária. A estratégia foi aprovada por unanimidade no Congresso, o livro branco de Defesa e a política. Isto é, não houve corrente contra. Essa questão só será superada quando a população entender a importância da Defesa. Há disputa de recurso. A sorte é não termos enfrentado conflitos armados, só reflexos, o que é um falso conforto. Não sabemos do futuro, se caminharemos para a multipolaridade. A Petrobrás foi vigiada também para saber o que podemos produzir. É a velha questão do canhão ou manteiga?. Não é bem assim. Para assegurar a manteiga, há de se ter canhão. É aspecto de dissuasão. Não é para ir ou ganhar guerra, mas causar dano para que o outro não não domine nossa biodiversidade, nossa capacidade de produzir alimentos e energia, por exemplo. Recursos estes que serão escassos em 20, 30 anos. Precisamos de robustez para atuar no plano global. O poder brando também é importante, até mesmo para demarcar o espaço do Brasil".

Engenheiros no Itamaraty: segurança cibernética

"A colaboração da engenharia com o Itamaraty é muito grande. O elo da Marinha com a USP, por exemplo. Roberto Azevêdo, hoje diretor-geral da Organização Mundial da Saúde, é um engenheiro. A importância atual da cibernética acirra essa necessidade. O problema é que os salários estatais são menores que os privados, principalmente de multinacionais, o que dificulta manter esses profissionais. Não é apenas questão de formá-los. Existe essa preocupação. As características são importantes, mas é fundamental a diversidade de formação no Itamaraty."