Júlia Cople - aplicativo - Do Portal
07/09/2013Quando as manifestações país afora eclodiram, em junho, e acordaram o gigante, era difícil saber se passariam de um descontentamento esporádico. O Departamento e o Centro Acadêmico de Filosofia da PUC-Rio e apostaram que sim. Produzido com especial atenção dos alunos Gabriel Wainer, de graduação, Pedro Chagasteles e Maria Priscilla Coelho, de pós-graduação, o seminário "Outras Palavras - A Revolta do Vinagre e a Filosofia" visa não apenas a delimitar a contribuição da filosofia no movimento, mas também a suscitar um debate multidisciplinar acerca da mobilização que surpreendeu o país. O professor Edgar Lyra, orientador do projeto, denuncia a "estranheza" do momento, além de uma "imensa crise de credibilidade e autoridade vigente". Em meio à problemática representação política, à transformação dos processos de formação de opinião e à mistura de fronteiras entre o público e o privado, ele convida: é hora de refletirmos o que é – ou poderia ser – fazer política. Para Lyra, insatisfação popular sempre houve, mas agora, passada a "acomodação decorrente da boa situação econômica", os brasileiros estão "reaprendendo a protestar", em consonância com um "mundo todo sacudido". O docente explica que a perplexidade e a abordagem multifacetada dos protestos levaram à organização de três mesas, com temas "abertos e provocativos" como pontos de partida para uma discussão flexível. Na próxima segunda, a partir das 10h, filósofos, representantes de movimentos sociais, artistas e políticos se reunirão para discutir o fazer político, os limites da liberdade de expressão e o que significa vencer.
O também professor de filosofia da PUC-Rio Luiz Camillo Osório, um dos convidados da segunda mesa, observa que, nesse processo de retomada das ruas por uma população ávida a participar mais das decisões do país, o papel das redes sociais é justamente propiciar o acesso à informação e pensar novos formatos de mobilização. Na avaliação dele, "o desentendimento faz parte da democracia" e a dispersão de pautas fornece vitalidade às manifestações, e vice-versa. Em entrevista ao Portal, Osório também lembra a importância do confronto de opiniões distintas e do reconhecimento, vital à harmonia democrática, da diversidade de culturas e interesses. "Não se trata de negar as instituições, mas de torná-las permeáveis às demandas", propõe. Crítico, professor de história da arte e curador do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, o doutor em filosofia ainda aponta o distanciamento entre a classe política e os eleitores como cerne da crise de representação; diz que as democracias ocidentais precisam rever os parâmetros; identifica no fenômeno Mídia Ninja um grande potencial para se debater o futuro do jornalismo; e traz o tecnocracismo capitalista para o centro do debate: "O grande dilema hoje me parece o de fazer conciliar a pluralidade democrática com a engrenagem tecnocrática do capitalismo financeiro. Cabe à filosofia saber formular as questões e mobilizar processos de transformação".
Portal PUC-Rio: Apesar das diferenças, as manifestações que eclodiram em junho evidenciam uma crise de representação. Mas, na sua opinião, o Brasil já teve uma representação política sólida na qual a juventude pode se espelhar? Se sim, o que mudou?
Luiz Camillo Osório: Não creio que se trata de solidez, no caso da representação política. Ela deve ser sempre plural, daí uma fragilidade, e conseguir dar voz aos anseios diversos e difusos da sociedade. O que não pode é o Congresso se fechar numa auto-suficiência que viria por conta do voto e se manter desligado em relação às vozes e movimentos sociais. O que vemos como desdobramento deste distanciamento é um Congresso que atua focado no interesse próprio, com pouquíssima envergadura republicana.
Portal: Por que chegamos a essa crise de representação? Nesse contexto, qual a contribuição da filosofia?
Osório: A crise da representação política não é um fenômeno brasileiro. É das democracias ocidentais, que precisam rever seus parâmetros de funcionamento e de expressão dos conflitos. O grande dilema hoje me parece o de fazer conciliar a pluralidade democrática com a engrenagem tecnocrática do capitalismo financeiro. Cabe à filosofia saber formular as questões e mobilizar processos de transformação.
Portal: Ainda em relação à crise de representação bradada nas ruas, o que ela nos diz sobre a democracia brasileira?
Osório: Pode nos dizer que ela está viva e que precisa ser fortalecida. Dar voz aos movimentos sociais e repensar as instituições diante das demandas e os impasses que vão surgindo. Não se trata de negar as instituições, mas de torná-las permeáveis às demandas.
Portal: À luz da filosofia, o que significou essa saída de milhares de pessoas para as ruas?
Osório: Significou que nem tudo está dominado.
Portal: A dispersão das pautas nos protestos contribuiu para a vitalidade dos movimentos, mas acabou se tornando um problema por não haver especificidade nas reivindicações. Como conceber uma estrutura política igualitária em países cuja característica é justamente a diversidade de culturas e interesses?
Osório: As pautas vão se definindo a cada momento e de dentro da diversidade de vozes que aparecem. Há que se acostumar ao fato que democracia é desentendimento e não consenso. Consensos são gerados pela governabilidade necessária, mas o dissenso é próprio da política, da vida em sociedade, da democracia. Não temos que temer os conflitos.
Portal: Analistas defendem que liberdade de expressão não pode ser entendida como a possibilidade de se falar o que se quiser dentro de qualquer contexto. Como estabelecer uma separação precisa entre essa avaliação e a censura? Como evitar que os “poderosos” se utilizem dessa ponderação para disseminar informação da maneira que lhes convêm?
Osório: Liberdade de expressão é o que garante o aparecimento do novo, do singular. O limite desta liberdade é o limite da convivência com o outro. A liberdade de expressão existe em nome das diferenças. A censura é o fim da dissonância e a naturalização da opressão. A defesa da liberdade de expressão é a resistência maior à entropia social.
Portal: Nesse sentido, qual é o papel das redes sociais?
Osório: Multiplicar e propagar o acesso à informação e criar novas formas de engajamento político.
Portal: Também uma alternativa à mídia tradicional, como você avalia a Mídia Ninja e a que se deve o tamanho sucesso desse fenômeno?
Osório: É um fenômeno novo e me parece da maior relevância, especialmente em uma sociedade com a informação tão concentrada. As críticas a uma espécie de vale-tudo informativo, de ausência de rigor na apuração das pautas, é algo a ser assimilado e me parece uma coisa menor diante das potencialidades que brotam ali para repensar o jornalismo, a liberdade de expressão, a relação entre engajamento e objetividade, enfim, para o futuro da imprensa.
Analistas pregam transigência para resguardar instituições
"Pará é terra onde a lei é para poucos", diz coordenador do CPT
Sem holofotes do legado urbano, herança esportiva dos Jogos está longe do prometido
Rio 2016: Brasil está pronto para conter terrorismo, diz secretário
Casamento: o que o rito significa para a juventude
"Jeitinho brasileiro se sobrepõe à ideia do igual valor de todos"