Nos últimos dois anos, protestos nas ruas em países como Espanha, Estados Unidos, Chile, Turquia e Brasil surpreenderam analistas e deixaram as autoridades políticas perplexas. Em encontro realizado pelo Departamento de Direito da PUC-Rio, no último dia 28, os especialistas em teoria política Chantal Mouffe, da Universidade de Westminster, e Ernesto Laclau, professor emérito da Universidade de Essex, analisaram as recentes manifestações populares e avaliaram a representação política contemporânea. Para ambos, há uma crise de representação em várias democracias, e os modelos de mediação política precisam ser aperfeiçoados.
A belga Chantal Mouffe ressaltou que os protestos recentes ao redor do mundo são bem distintos entre si. Para ela, existem muitas diferenças entre as manifestações ocorridas nos países desenvolvidos e as revoltas da Primavera Árabe, por exemplo. Por não conhecer bem a situação política do Brasil, a professora preferiu não comentar as manifestações no país. Para interpretar as mobilizações nas ruas, Chantal citou dois modelos de política radical: o êxodo e a guerra de posição. O primeiro é contrário à democracia representativa. Segundo a professora, esse modelo político de caráter horizontal, sem líderes e descentralizado pode ser aplicado aos movimentos Occupy Wall Street, contra a desigualdade social nos Estados Unidos, e Indignados, contra os partidos políticos, na Espanha, que ela interpreta como uma articulação entre movimentos sociais. Já a guerra de posição se refere às disputas entre partidos políticos e ao assembleísmo, sistema no qual todas as decisões são submetidas às instâncias partidárias. Para Chantal, esse modelo não se opõe ao regime democrático e busca organizar as divisões da sociedade, levando os conflitos para o âmbito institucional.
Diante dos protestos, a professora afirmou que é preciso radicalizar a democracia representativa: – O problema é a forma como as instituições estão funcionando. É possível votar, mas não há voz. Desta forma, não é possível se contrapor às forças hegemônicas – disse Chantal, para quem os movimentos sociais devem se articular com os partidos políticos, preservando sua postura crítica e o dever de fiscalizar o governo.
Chantal defende ainda ser necessário reajustar a relação entre democracia e liberalismo. Segundo ela, uma das explicações para os protestos é a percepção de que não há formas de contestar as forças hegemônicas pela democracia representativa: “Nenhum partido contesta a política neoliberal. É preciso haver uma política agonista, uma confrontação, e oferecer alternativas a essa proposta política econômica”.
O argentino Ernesto Laclau observou que a representação política está inserida em um sistema de significados que se dá não apenas do representante para o representado, mas também do representado para o representante. Segundo ele, a relação é transparente quando a vontade dos representados é plena. Mas ressaltou que as vontades nunca são inequívocas, e que precisam ser construídas.
O argentino defendeu que democracia direta, tida como utópica, é a única forma verdadeira. “Trata-se de uma farsa quando o representante ignora a vontade dos representados”, afirmou. Na visão do professor, as instituições concretizam as relações de poder na sociedade, e a crise da representação é causada pela ruptura do sistema de instituições. Para ele, o movimento espanhol Indignados representa uma democracia de base que defende a mudança da estrutura do Estado com o objetivo de alterar as relações hegemônicas de poder.
O teórico argentino também destacou a forma como a democracia foi constituída na América Latina. Para ele, o liberalismo foi mais antagonista do que um complemento da democracia: “Quando os Estados foram constituídos, não havia regimes democráticos. Não ocorriam mediações legítimas e as oligarquias clientelistas tampouco ouviam as demandas populares”. Hoje, para Laclau, pela primeira vez estão convergindo os dois modelos de democracia do continente: a liberal e a nacional popular. “Os países latinos estão desenvolvendo bons modelos de democracia e podem até influenciar os regimes europeus”.
Colaborou: Marina Chiarelli
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