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Rio de Janeiro, 9 de dezembro de 2024


Crítica de Cinema

"Apenas o vento": um grito contra os massacres no mundo

Miguel Pereira* - aplicativo

26/08/2013

 Divulgação

Os brutais massacres que ocorrem mundo afora já se tornaram rotina a ponto de não suscitarem espanto e indignação das sociedades contemporâneas. É como se fossem uma coisa natural, justificável. No entanto, clamam por justiça e exigem da consciência de cada pessoa uma reação contrária e um sentimento de repúdio. Esses atos de extermínio do outro são abomináveis. O filme Apenas o vento, de Bence Fliegauf, é um libelo contra a limpeza étnica empreendida por grupos radicais, na Hungria, entre 2008 e 2009. As vítimas eram famílias ciganas mortas ou feridas por assassinos ainda não identificados ou condenados até a data da realização do filme. Um letreiro inicial adverte que, embora não seja um documentário, os fatos narrados guardam absoluta semelhança com os acontecimentos daquele período. Realizado com economia de recursos e simplicidade de procedimentos estéticos, Apenas o vento atinge, com grande eficiência, o seu objetivo central: denunciar e gritar contra essas ações de extermínio que estão presentes em todos os lugares. Não apenas a Hungria testemunha essas matanças. Todos, de alguma forma, somos levados a tomar consciência e nos posicionarmos contra essas absurdas realidades.

A imagem da pobreza dessas populações é quase chocante. Sem apelar para o sensacionalismo nem para os estereótipos da vida cigana, o filme de Bence Fliegauf constrói seu campo de ação dramática com dois recursos básicos. De um lado, a câmera na mão que acompanha as andanças dos personagens centrais, deixando o espectador apreensivo em relação ao que poderá acontecer. Todos vivem sob a ameaça do extermínio. De outro, um verismo imagético sem concessões. Os gestos são contidos e as ações representam um cotidiano de medo e opressão. A violência aparece nos detalhes e nas humilhações sofridas. A autodefesa é uma reação natural e se faz presente numa das famílias que espera imigrar para o Canadá, onde o pai já está vivendo.

Nesta busca para não caírem na trama da morte, o adolescente Rió, interpretado por Lajos Sárkány, constrói uma espécie de bunker para proteger a si e aos seus. Lúcido, vigilante, no meio da miséria e da precariedade, Rió torna-se um personagem intenso num ambiente de abandono e ruinas. É tocante a sua composição e emocionante a sua interpretação, em grande parte também pela câmera que o segue, mostrando seu frágil corpo e espírito forte. Há uma bela sequência em que Rió, com uma vara, extravasa sua revolta na natureza. É algo visceral e de expressão simbólica rara no cinema.

Na tradição do cinema húngaro, este filme não aparece como exceção. Zoltán Fabro, Miklos Jancsó e István Szabo são alguns de seus cineastas consagrados. Bence Fliegauf parece seguir a melhor tradição de uma cinematografia criativa e inspirada. Apenas o vento é uma obra de maturidade e com um rigor narrativo muito particular. Vale não apenas pela denúncia que faz, mas também por sua fatura criativa e envolvente.

*Professor da PUC-Rio e crítico de cinema.