Nina Lua* - Da sala de aula
30/08/2013Em maio de 2011, um livro ilustrado para adultos do norte-americano Adam Mansbach alcançou a primeira posição na lista dos mais vendidos da Amazon, maior varejista on-line de livros do mundo. Ainda faltava um mês para o lançamento do título publicado pela editora Akashic Books, de Nova York. O motivo de tanto sucesso: a pirataria. Cópias em PDF da obra, inicialmente dirigidas a livreiros, se espalharam pela rede e tornaram a obra um best-seller, com tiragem inicial ampliada para 150 mil exemplares. O caso do livro de Mansbach ilustra as perspectivas que a internet impõe ao mercado editorial e os dilemas das editoras diante das novidades.
A última pesquisa Retratos da Leitura no Brasil – realizada pelo Instituto Pró-Livro em 2001, 2008 e 2011 –, apontava 88,2 milhões de leitores no país. Já o mercado de livros no Brasil cresceu 7% entre 2010 e 2011, de acordo com a pesquisa Produção e Vendas do Setor Editorial Brasileiro, feita pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe/USP), sob encomenda do Sindicato Nacional dos Editores de Livros (Snel) e da Câmara Brasileira do Livro (CBL). Foram 469,5 milhões de livros vendidos. Ano passado, o faturamento das editoras com os digitais correspondeu a 1% do mercado. No entanto, com a chegada de grandes livrarias virtuais como a Amazon e a Kobo no Brasil, este número deve aumentar. É o que aposta Livia Salles, professora da disciplina Livros Digitais, do Departamento de Comunicação Social da PUC-Rio, e assistente editorial da Editora PUC-Rio.
– Mesmo que alguns não gostem, os editores já sabem que não podem ficar de fora deste mercado e estão investindo no setor. As novas editoras já nascem com um olho no digital. A ideia é que o mercado de e-books no Brasil dê um grande passo.
Por enquanto, os livros de papel continuam dominando o mercado brasileiro. Segundo dados da pesquisa da Fipe-USP, as editoras brasileiras lançaram 58.192 novos títulos em 2011. Destes, 5,2 mil, 9% do total, foram e-books. Ao mesmo tempo, se espalham na internet livros que “vazam” antes de seu lançamento e sites piratas que agrupam arquivos de obras para serem baixadas gratuitamente. Estão disponíveis desde links de best-sellers até livros acadêmicos. Para Livia, o número reduzido de livros publicados no formato digital é um fator que incentiva a pirataria na internet.
– A falta de oferta de e-books pode contribuir para a pirataria. A cópia ilegal de livros ainda acontece mais com o livro impresso do que com o digital. Se pegarmos como exemplo o livro acadêmico, a cópia não autorizada já nasce na própria universidade, por meio da xerox. O que mais temos na internet são obras escaneadas e disponibilizadas para download. É preciso dar oportunidade e vantagens, e o preço acessível é uma delas, para quem está disposto a pagar pelo livro na sua versão digital. Logo, ter mais e-books disponíveis talvez possa ser uma saída mais inteligente.
Internautas leitores e escritores
O tempo mais curto de produção do livro digital, fator que elimina os prazos de impressão e distribuição do livro físico, pode ser a solução para outro fenômeno da internet: as traduções não oficiais de obras de sucesso no exterior. Um dos primeiros exemplos desta prática foi a série Harry Potter, publicada entre 1997 e 2007. O sétimo e último livro da coleção, Harry Potter e as relíquias da morte, foi lançado nos Estados Unidos em julho de 2007 e chegou às livrarias do Brasil, onde é editado pela Rocco, apenas em novembro. Desde os primeiros volumes, traduções feitas por fãs se espalharam pela rede, por conta do longo tempo de espera entre um lançamento e outro.
Outra tendência da web são as fan fictions, ou fanfics, histórias criadas por leitores que usam como base o universo de suas obras preferidas. Inicialmente encaradas com estranhamento, essas obras acabaram por abrir novas possibilidades para o mercado editorial. É o caso da trilogia erótica Cinquenta tons de cinza, da britânica E.L. James, que surgiu como uma fanfic da série sobre vampiros Crepúsculo. Inicialmente publicada na internet, a história foi transformada em três livros, que já totalizam mais de 40 milhões de cópias vendidas em todo o mundo. Antes da publicação dos títulos, os nomes dos personagens, que eram idênticos aos de Crepúsculo, foram trocados, para não esbarrar nos direitos da autora Stephenie Meyer. A fanfic foi retirada do site em que fora publicada gratuitamente.
Direitos autorais
Os direitos autorais são a grande questão do mercado editorial ligada à internet. Mesmo em casos de obras literárias cujos autores já morreram há mais de 70 anos, situação em que, de acordo com a lei brasileira, os direitos patrimoniais já venceram, a divulgação de um arquivo PDF para download de um título fere os direitos da editora, responsável pelos esforços para produzi-lo – diagramação, revisão, impressão etc.
Para o professor e subeditor da Editora PUC-Rio, Felipe Gomberg, a pirataria pode prejudicar a produção editorial, inclusive a acadêmica. Gomberg diz que, apesar de os livros acadêmicos não terem apelo comercial de massa, todas as obras literárias são alvo de expectativas por parte dos autores, que seriam frustrados pela disseminação dos títulos ilegalmente na internet.
– Por que o autor vai produzir se o seu trabalho não só não é remunerado, como também não é valorizado? Sempre há uma expectativa do autor de ver o resultado de seu trabalho em números, e isso, para o livro que não é digital, só é possível nas livrarias – argumenta.
Por outro lado, a internet trouxe a possibilidade de ampliar a sobrevida de títulos já esgotados na versão impressa. É o que acontece na Editora PUC-Rio: livros acadêmicos com abordagens específicas estão disponíveis no site da editora por download gratuito. Há casos em que a obra já teve seu ciclo encerrado nas livrarias, e os autores concordam em divulgar o arquivo PDF.
Gomberg conta que começam a aparecer autores interessados em disponibilizar suas pesquisas, cuja publicação seria dificultada pelos custos de produção, diretamente no formato digital, para download gratuito. É o caso de títulos com muitas imagens, mapas, gráficos ou grande número de páginas. Se antes da internet eles dificilmente se tornariam públicos, hoje estão disponíveis ao alcance de um clique.
* Reportagem produzida para a disciplina Laboratório de Jornalismo da professora Carla Rodrigues.
Leia também: Bienal: "Objetivo não é só vender livros, mas dar uma resposta à sociedade", diz editor Fernando Sá.