Caio Cidrini e Renan Rodrigues - Do Portal
07/02/2013“Como será o amanhã?”. A pergunta do samba-enredo da União da Ilha de 1978 ainda persiste sobre o futuro do samba carioca. “O futuro é promissor”, afirma o presidente da Estrelinha, escola mirim da Mocidade Independente de Padre Miguel, Ricardo Dias. Criadas inicialmente como projetos sociais para retirar crianças em comunidades carentes do risco da criminalidade, as escolas mirins se revelaram um celeiro de novos bambas do carnaval carioca desde a fundação da Império do Futuro, do Império Serrano, primeira escola mirim do Brasil, em 1983. Com desfiles no Sambódromo desde 1999, elas abriam o carnaval da cidade na sexta-feira. Este ano, vão desfilar na terça, depois dos desfiles dos grupos de Acesso e Especial.
Elas cresceram e, hoje, têm pompa de departamento infantil, sendo constantemente acionadas por componentes das escolas-mães para a busca de novos integrantes, como revela Valdir Cruz, diretor cultural da Herdeiros de Vila Isabel:
– Frisamos sempre a renovação. Assim como o Tinga, intérprete oficial da Vila, e o diretor de bateria Wallan, que foram formados na Herdeiros, estes garotos estarão na Vila amanhã para fazer nosso carnaval com as características próprias da escola, que carregam desde os 9,10 anos.
Da ala das passistas ao mestre de bateria, os componentes da escola mirim são crianças e jovens que se coordenam, com o auxílio de membros da escola principal. Mas, segundo Ricardo Dias, elas não estão sozinhas na missão de renovar o “maior espetáculo da Terra”. A relação é de um adulto para cada dez crianças, considerado suficiente para a formação e segurança delas. Nenhum componente paga para desfilar ou pela fantasia, que, para Ricardo, precisa ser condizente com a idade:
– Odiamos ver criança vestida de adulto. Criança precisa se vestir de criança, e por isso usamos traços infantis e coloridos.
Os desfiles das escolas de samba mirins cariocas foram organizados pela Liesm (Liga Independente das Escolas de Samba Mirim) até 2003. Fundada em 1988, ela foi única até então, quando surgiu a Aesm (Associação das Escolas de Samba Mirim). Hoje o desfile é organizado pela associação, mas conta com duas fundadoras da Liesm. São 17 escolas mirins que desfilam sem competição desde 1988. Os melhores em cada segmento são premiados. A idade limite para os componentes é de 18 anos, exceto para os intérpretes, que podem ter até 21.
Inclusão: a peneira do samba
Fundador e presidente do Império do Futuro, há 30 anos, Arandir dos Santos é baluarte da verde e branco de Madureira e um dos maiores passistas do carnaval carioca, estandarte de ouro em 1977 de melhor passista masculino. Careca, como Arandir é conhecido no mundo do samba, que também ocupa o posto de diretor de carnaval do Império Serrano, exalta o projeto de escola mirim como defesa da cultura carioca:
– Isso aqui é uma preservação do Império, da cultura e do carnaval carioca.
Aos 68 anos de idade, ele afirma não fazer restrição a qualquer criança que chegue à quadra para se inscrever no Império do Futuro, que conta com cerca de 1.200 crianças componentes. A peneira da escola mirim é um teste que acontece às sextas-feiras, na própria quadra da escola, na Rua Edgar Romero esquina com a Estrada do Portela, em Madureira. Nela é definida a função de cada criança. “Nós formamos para a escola principal”, conta. O único pré-requisito é comprovar estar matriculado e frequentando uma escola, acordo assinado entre as 17 escolas mirins do Rio de Janeiro:
– Não existe exclusão, basta chegar. Precisa apenas comprovar que está estudando. Se a criança não sabe nada, ensinamos. Os adolescentes da bateria, de 15, 16 anos, já participam da bateria da escola-mãe e coordenam a da mirim.
Com a bagagem de quem viveu o crescimento do carnaval carioca, Careca defende mais incentivos para as escolas mirins. Uma de suas críticas é a exigência mínima de 1.100 componentes no desfile. O tempo limite para executar o desfile, com multa para quem ultrapassar, engessa, na opinião dele, o carnaval infantil, pois leva ao nível de competição de desfile oficial:
– Pra que alegoria, por exemplo? É um dinheiro desnecessário. Eu prefiro investir em mais crianças. Querem nivelar a mirim pelo Grupo Especial. Somos educadores do samba, não punidores – critica o baluarte, que pagou R$ 3 mil por oito minutos de atraso no desfile de 2012.
Outro retorno, segundo Careca, é a alternativa para crianças da comunidade. Acostumadas com o dia a dia violento do tráfico, elas têm nas escolas mirins a fuga desse universo. Podem aprender um instrumento e construir uma carreira no mundo do samba. Para o presidente do Império do Futuro, as escolas mirins, além de formar talentos, salvam vidas:
– Se eu salvar 10 crianças da criminalidade já estou contente, e já salvei muito mais. Se o percentual de vidas salvas e formação de componentes para escola de samba não fosse alto, não existiriam mais outras 17 escolas.
Escolas dizem que subsídio da Prefeitura é insuficiente
As escolas de samba mirins têm 10% da verba de subvenção repassada ao grupo de Acesso A, estima o presidente da Estrelinha, Ricardo Dias. “A verba é muito pequena para o tamanho das responsabilidades que nós temos”, reclama. Ele argumenta que o processo de criação do carnaval é o mesmo de uma escola-mãe. Ainda segundo o presidente, não é possível fazer um carnaval mirim com menos de R$ 150 mil.
–As pessoas começam a trabalhar no ateliê em setembro e ficam até o carnaval. Além disso, a Estrelinha tem o compromisso de fazer o carnaval do zero. Reciclamos material da Mocidade, mas é tudo desmontado para fazer um novo desfile.
O diretor de carnaval da Herdeiros da Vila é mais enfático na crítica ao subsídio. Acostumado a reciclar material da Vila Isabel para compor o desfile, Julio Cerqueira afirma que o carnaval chega a custar R$ 300 mil. A escola que revelou Tinga, intérprete oficial da própria escola do bairro de Noel Rosa, aprendeu a fórmula de gerar seu quadro ainda jovem. Todos os envolvidos com esse projeto, independente da escola, apontam sem titubear o maior obstáculo:
– Nós queríamos ter o nosso próprio recurso para não depender tanto da escola-mãe. Acho que os presidentes das escolas mirins precisam se unir com a Aesm para discutir projetos que tornem as escolas mirins mais independentes.
Além da dificuldade financeira, os dirigentes concordam em ampliar o conceito de comunidade. “Existem pessoas que são apaixonadas pela escola, mas moram longe do local de origem. Essas pessoas também são da comunidade”, defende Ricardo Dias.
No Império do Futuro, há 13 passistas de Nilópolis, terra da Beija-Flor, que ainda não conta com escola mirim. Metade das 1.200 crianças da Herdeiros não são de Vila Isabel, reforçando a abertura da escola para pessoas de fora da comunidade onde as escolas foram fundadas. Ele se diz otimista com a mudança no dia do desfile para a terça-feira de carnaval, antes realizado na sexta:
– Não temos certeza do que vai acontecer, mas a escola-mãe já terá desfilado. O teste de som da Sapucaí era feito no desfile das mirins, agora já desfilaremos com o som perfeito.
“Quando ouvi o som da bateria senti que ali era o meu lugar”
Com 19 anos, há dois do limite de idade para participar do carnaval mirim, Thiago Acácio é apontado como a grande revelação da Estrelinha. Sua relação com a escola começou aos 14 anos, quando seu pai foi trabalhar como operador de som na quadra da Mocidade, em Padre Miguel. Inicialmente na bateria, fez, um ano depois, o teste para ser intérprete. Ele conta que a paixão começou no videokê e que a passagem para o carro de som ocorreu quando ele postou no youtube um vídeo cantando um samba:
– Resolvi gravar um vídeo, pra ver se tinha fixado um samba. Comentei com o Ricardo (Dias) e, para minha surpresa, fui convidado para ser Intérprete Oficial da Estrelinha, coisa que eu não esperava tão cedo. Logo na semana seguinte eu gravei o samba e um pouquinho depois foi minha primeira apresentação na quadra com o dia das crianças, um evento com milhares de pessoas. Desde então não parei mais e estou aí até agora com essa minha paixão incansável pela Estrelinha e pelo carnaval mirim.
Thiago se inspira em uma linha melódica de intérpretes consagrados do atual carnaval carioca, como Wander Pires (Imperatriz), Bruno Ribas (Unidos da Tijuca) e Gilsinho (Portela). Com a personalidade de uma pessoa experiente do mundo do samba, ele também acumula uma passagem pela Unidos de Bangu, hoje no grupo de Acesso C do carnaval carioca:
– Uma das diferenças é que na Estrelinha eu sou intérprete oficial, então lá eu tomo decisões, eu lidero um grupo de jovens cantores que são fundamentais para o trabalho. Já na Unidos de Bangu eu sou intérprete auxiliar, faço parte do time de apoio. Cantar nessas escolas é excelente porque em cada uma eu tenho novas experiências, ainda mais sendo a Estrelinha uma escola mirim. São ambientes distintos com funções distintas, mas consigo lidar com essa diferença sem misturar as coisas.
Apreensivo, Thiago diz que o grande sonho para quando completar 21 anos, tempo limite para desfilar em uma escola mirim, é assumir o posto de intérprete oficial da Mocidade, sua escola de coração:
– Acho que esse é o grande objetivo de todo intérprete mirim. No meu caso, torço para que seja na minha Mocidade Independente, se possível fazer da minha escola campeã do carnaval.
Madureira: a capital do samba
“Imperiana doente”, como se define, Karine Belo, 15 anos, foi coroada rainha do Império do Futuro, escola mirim do Império Serrano, aos 13. Diferente da sensualidade explorada pelas rainhas do desfile oficial, Karine usa vestido, mas não abre mão da maquiagem que o posto exige. Sua relação com a escola começou cedo, aos três anos de idade:
– Desfilo desde os três anos na escola com a minha mãe, diretora da ala das passistas mirins. Os ensaios acontecem todos os domingos, mas, quando temos oportunidade, a bateria vai até a minha casa para ensaiarmos também.
Karine espera mudar a tradição recente do carnaval, onde, cada vez mais, as rainhas de bateria não pertencem à comunidade. Sua inspiração, revela, vem da Raíssa Oliveira, rainha de bateria da Beija-flor de Nilópolis, genuína de Nilópolis, exceção entre as famosas rainhas do grupo especial do Rio de Janeiro.
A alimentação é a parte principal da preparação para o carnaval. Ela assume, em tom de brincadeira, que se dependesse dela só comeria “besteiras”, como qualquer criança de sua idade. Ela conta que sua mãe é a responsável pela alimentação:
– É minha mãe quem me segura. Se deixar eu não como direito, apenas besteiras – reconhece Karine.
Atrás do sonho de estar à frente da bateria da sua escola de coração, Karine comprova o sucesso do acordo escolar feito entre as escolas mirins. “Já estudo por precisar estudar, mas pelo fato de ter que provar rendimento escolar, tenho mais um estímulo”, conta.
“Vila, chão da poesia, celeiro de bambas”
O samba-enredo da Vila Isabel para o carnaval 2013, assinado por Martinho da Vila e Arlindo Cruz, homenageia o bairro da escola por ser um celeiro de bambas. Sua escola mirim, a Herdeiros da Vila, acredita nessa tradição, tanto que já revelou para o carnaval da escola mãe o intérprete Tinga e o diretor de bateria Wallan. A nova aposta para o futuro da escola do bairro de Noel Rosa é o primeiro casal de mestre-sala e porta-bandeira da Herdeiros da Vila.
Encarregados de defender o pavilhão azul e branco da escola mirim, Vinícius Rodrigues, 17, e Rayara Monnier, 15, estão juntos há seis anos no posto de mestre-sala e porta-bandeira da Herdeiros . No entanto, eles já se conhecem há sete anos, pois faziam parte do projeto de mestre-sala e porta-bandeira da escola, coordenado pela mãe de Rayara. As primeiras lembranças que a jovem tem da vida se remetem a Herdeiros. Ela desfila desde pequena e quando surgiu a vaga para porta-bandeira, foi convidada pela direção. Ainda sem par para o posto, a mãe dela convidou Vinícius.
– É uma honra desfilar e defender esse posto por tantos anos – comenta Rayara.
– Acabamos aprendendo o jeito do outro e como se sair melhor – lembra Vinícius.
Mais desinibida do que Vinícius, Rayara acaba sendo porta-voz do casal. Para ela, tantos anos com o mesmo parceiro pode aumentar as chances de serem eleitos melhores do segmento e alçar vôos mais altos no carnaval carioca. Carnaval que traz inspirações para a carreira promissora dos dois. Rayara se inspira em Rute Alves, primeira porta-bandeira da Vila desde 2004 e estandarte de ouro em 2012. “Eu a vejo ensaiar para ver se aprendo”, revela a jovem.
Já Vinícius se inspira em Raphael Rodrigues, primeiro mestre-sala da Mangueira desde 2009 e padrinho dele no mundo do samba. Aprendendo os passos e o ofício de defender o pavilhão de uma escola de samba desde os 10 anos, Vinícius conta, ainda, com os ensinamentos de quem passou os últimos quatro anos sob a tutela do maior mestre-sala da história do carnaval, mestre delegado da Mangueira – que nunca recebeu nota abaixo de 10 –, falecido em novembro de 2012, aos 90 anos.
Mas nem só de ensaio e inspiração são formados os talentos da Vila. A preparação inclui, para Rayara, aulas de balé, e para Vinícius, dança de salão. Além, do cuidado com a alimentação. Aos poucos, o casal faz sua trajetória no samba e esperam levar isso até onde puderem:
– Enquanto der, a gente vai levando. Espero fazer isso por muito tempo ainda, de preferência juntos – diz Rayara, com sinal de confirmação de Vinícius.
Desfile das Escolas de Samba mirins Dia: Terça-feira de carnaval, 12 de fevereiro Horário: 17h Local: Marquês de Sapucaí Entrada: gratuita Ordem do desfile: 1ª - Mel do Futuro 2ª - Filhos da Águia 3ª - Pimpolhos da Grande Rio 4ª - Estrelinha da Mocidade 5ª - Corações Unidos do Ciep 6ª - Tijuquinha do Borel 7ª - Mangueira Do Amanhã 8ª - Império do Futuro 9ª - Ainda Existem Crianças na Vila Kennedy 10ª - Miúda da Cabuçú 11ª - Petizes da Penha 12ª - Infantes do Lins 13ª - Aprendizes do Salgueiro 14ª - Planeta Golfinho da Guanabara 15ª - Inocentes da Caprichosos 16ª - Nova Geração do Estácio 17ª - Herdeiros da Vila
|