Tiago Coelho - Do Portal
22/10/2012A incerteza da escolha da carreira profissional costuma ser um problema para muitos jovens. Mas não foi para a jornalista e escritora Ana Maria Bahiana. Dos tempos em que “batucava” na máquina de escrever Remington do avô surgiu a convicção de que o jornalismo seria sua profissão. São quatro décadas de uma trajetória profissional dedicada ao jornalismo cultural. No Brasil e no exterior, Ana Maria foi testemunha das principais manifestações artísticas que eclodiram pelo mundo desde que começou, na versão brasileira da revista Rolling Stones, no início dos anos 1970.
1972: Ana Maria Bahiana e as pedras rolantes
O ano era 1972 e Ana Maria ainda ocupava as carteiras da PUC-Rio como estudante quando começou como secretária de redação da mais famosa revista de cultura pop do mundo, que abria as portas em território nacional. A redação da revista ficava na esquina da Rua Visconde de Caravelas com a Capitão Salomão, em Botafogo. Foi lá que ela dividiu espaço com outros nomes que marcariam a cobertura cultural brasuca, como Luiz Carlos Maciel, Okky de Souza e Joel Macedo.
A experiência durou exatamente um ano. Todo o ano de 1972. E o que vivenciou naquele sobrado “valia um livro”, segundo a jornalista. Foi lá que teve como chefe Ezequiel Neves, uma lenda do jornalismo e do rock brasileiro.
– A experiência na Rolling Stone foi fundamental para mim como profissional e como pessoa. E porque tive Zeca Neves como mentor e pai adotivo.
Uma das atividades de Ana Maria na revista era cuidar das cartas dos leitores. Entre os mais assíduos correspondentes estavam outros dois nomes que também marcariam o jornalismo cultural: José Emílio Rondeau e Jamari França, que em breve também cursariam jornalismo na PUC e se tornariam referências do jornalismo musical brasileiro. Rondeau se tornaria também marido de Ana Maria.
– Publiquei alguns textos na seção Recado do Leitor. Depois, abriram espaço para leitores publicarem críticas, e selecionaram duas minhas. Ela me contou que o pessoal da redação ficava curioso para saber “quem era esse tal de Jamari França”, e que ficaram de cima olhando quando fui buscar uns LPs que ganhei de brinde pela publicação das matérias – lembra Jamari.
Naqueles tempos, conseguir informações sobre as bandas de rock preferidas não era tarefa fácil. Por este motivo, Jamari considera Ana Maria Bahiana, junto com Ezequiel Neves, sua primeira referência no jornalismo musical.
– O trabalho deles foi fundamental na minha formação. Ainda no jornalismo rock, Ana trabalhou na revista Bizz, depois na Revista de Domingo, do Jornal do Brasil, e, no jornal O Globo, ajudou a divulgar o Rock Brasil que nascia no início dos anos 1980 – atesta Jamari França. – A Ana teve um papel importante no deslanche da Geração 80 do Rock Brasil, com apoio constante nas páginas do Globo. Continuei sempre seu admirador.
O ano Rolling Stone, 1972, foi especial para duas manifestações artísticas que marcariam a trajetória de Ana Maria: a música e o cinema. Naquele ano Bernardo Bertolucci lançava O último tango em Paris; Francis Ford Coppola exibia a primeira parte de O poderoso chefão; e Federico Felinni assinava Roma. No rock, os Rolling Stones lançavam o clássico Exile on Main St, o Pink Floyd botava na praça Obscured by clouds, e o Deep Purple o seu Machine Head. Enquanto lá fora os jovens, jornalistas e artistas se expressavam livremente, por aqui o general Emílio Garrastazu Médici era o presidente militar e o Brasil vivia o auge da repressão e da tortura. Na redação da Rolling Stone havia o medo da “batida” policial, e a revista chegou a ter uma edição recolhida. Por problemas financeiros, ela fechou no mesmo ano. O último disco que a revista recebeu foi Acabou Chorare, dos Novos Baianos.
Os tempos de PUC: entre a repressão política, os cheiros e amizade.
O clima tenso de repressão que amedrontava os jornalistas nas redações também se fazia presente entre os pilotis da PUC, que a jornalista frequentou de 1969 a 72. Alunos e professores sofreram com a perseguição policial, como lembra Ana Maria:
– Havia repressão maciça, muito medo, paranoia e aulas canceladas por falta de professores. Batidas regulares da PM também, especialmente na Vila dos Diretórios.
Apesar dos tempos políticos nebulosos, Ana Maria encontrava motivos para apreciar os ambientes, as manifestações artísticas e os aromas peculiares da universidade.
– Eu me lembro do cheiro de ozônio no ar, os pilotis e o frango assado, raro e bom, no restaurante. A Vila dos Diretórios e o show dos Novos Baianos no Ginásio.
A rotina na redação muitas vezes fazia Ana Maria chegar “virada” para assistir às aulas na PUC. Nas aulas de semiótica, aos sábados de manhã, ela contava com a companhia da colega Renata Saboya para um cochilo no fundo da sala e bate-papos pelo campus. A dona da sorveteria Mil Frutas tem lembranças carinhosas da amiga inesquecível, em quem enxerga a alma da PUC e aluna brilhante.
– Ana Maria é a cara da PUC, sempre foi muito criativa, inteligente, interessada e expressiva. Ela era própria em tudo o que fazia. Dávamos muitas risadas juntas, e até hoje damos boas gargalhadas quando nos encontramos.
Ana Maria e o cinema
Depois de muitos anos de reportagens na área musical, Ana Maria passou a fazer coberturas cinematográficas. Em Los Angeles, cidade em que vive atualmente, a jornalista foi correspondente da Rede Globo e do canal Telecine. Em Hollywood, foi chefe do escritório da revista inglesa Screen International. A Associação de Correspondentes Estrangeiros de Hollywood conta com apenas dois jornalistas brasileiros: Ana Maria é um deles.
Dos memoráveis nomes do cinema que entrevistou, seleciona um celeiro de talentos para destacar os mais marcantes.
– Esse aí era outro tópico que valia outro livro. Mas entrevistar Robert Altman, Steven Spielberg, Martin Scorsese e Paul Thomas Anderson foram privilégios.
O interesse pelo cinema levou a jornalista para o outro lado da tela. Em 2006, assinou o roteiro do filme 1972, que conta a história de uma jovem jornalista que se apaixona por um músico de uma banda de rock. Como pano de fundo da história, os costumes da juventude carioca nos anos 1970 e a ditadura militar. A mudança dos papéis, de escrever sobre filmes para escrever um filme, Ana Maria qualifica como “apavorante e maravilhoso”. Sobre a possibilidade de o filme ser uma espécie de biografia, explica:
– Tem elementos de minhas histórias, mas não é a minha história.
Na época em que Ana Maria Bahiana passou pela PUC ainda não havia o curso de cinema. Restava recorrer a cineclubes clandestinos, já que muitos filmes eram banidos pela censura, e ao clássico cinema Paissandu, no Flamengo.
– Havia cineclubes informais. Muito filme banido pela censura era exibido nas casas das pessoas. Durante muito tempo tive certeza de que Blow Up era preto e branco, porque essa era a única cópia (16 mm, P&B) que eu tinha visto, no porão da casa de alguém.