João Pedroso de Campos - Do Portal
30/08/2012Tramita na Câmara dos Deputados, em Brasília, o Projeto de Lei 2126, que determina o Marco Civil da Internet. A proposta, discutida por uma comissão especial cuja função é realizar audiências públicas e elaborar o projeto para encaminhá-lo à votação, envolve temas desse território aparentemente sem lei. Liberdade de expressão e critérios para a permanência de conteúdos na rede são dois dos pontos mais polêmicos. Para o relator da comissão, o professor do Departamento de Direito da PUC-Rio e deputado federal Alessandro Molon (PT/RJ), a manutenção da neutralidade de navegação, amparada pelo impedimento da discriminação e da manipulação no tráfego de dados na rede, revela-se a principal garantia a ser defendida pelo Marco Civil, pois o futuro da internet – e o da democracia brasileira, segundo o deputado – "dependem estreitamente dela". Depois de votado pela comissão especial, na qual o relator já deu o parecer, o projeto ainda passará pelo plenário da Câmara dos Deputados e pelo Senado, até chegar, provavelmente no fim do ano, à ponta da caneta da presidente Dilma Rousseff.
O amadurecimento do uso desta plataforma acessada já por 80 milhões de brasileiros – e cuja capacidade catalisadora a transforma em gatilho para mobilizações e negócios, mas também para manipulações, constrangimentos e crimes (oito em cada dez usuários, no país, já foram vítimas de alguma forma de fraude virtual, alerta pesquisa da Symantec) – exige um debate amplo, do qual participem o poder público, a inciativa privada, as instituições de ensino, a sociedade. Nesta quinta-feira, às 11h, na sala K102 da PUC-Rio, Molon discutirá, com professores e estudantes, os principais desafios e soluções em torno de uma navegação virtual mais proveitosa e segura. Mediado pelo professor Arthur Ituassu, coordenador de Jornalismo da universidade, o painel Marco Civil na Internet: seus direitos e deveres na rede, tema do II Colóquio de Comunicação e Política, reunirá a professora Adriana Braga, também de Comunicação Social, e Fabro Steibel, especialista em Comunicação e Política. Aberto ao público, o debate será transmitido, ao vivo, pelo Portal PUC-Rio Digital.
Um dos assuntos em pauta será o estabelecimento de direitos e responsabilidades de usuários, provedores e do poder público, itens que, compara Molon, aproximam o Marco Civil de uma “Constituição da Internet”. Em entrevista ao Portal, ele explica os princípios e garantias essenciais desta "lei maior" – liberdade de expressão, neutralidade e privacidade – e aponta caminhos para aplicá-la sem "enjaular" o internauta. Esclarece também que a regulação não esbelecerá crimes, mas fornecerá "subsídios importantes" para apurações de golpes na rede. Assim, contribuirá para aperfeiçoar a internet como um "mecanismo para o avanço democrático", acredita o relator.
Portal PUC-Rio Digital: Até que ponto o Marco Civil pode se firmar num ambiente como a internet, sustentada, por exemplo, no individualismo e no anonimato?
Alessandro Molon: O Marco Civil é uma espécie de Constituição da Internet, uma lei maior que vai estabelecer princípios e garantias, direitos e deveres de usuários, do poder publico e dos provedores de serviço. Ele vai trazer ao usuário uma série de proteções e garantias no uso da rede: a proteção da privacidade, direitos sobre as informações dos serviços oferecidos e de que os seus dados não sejam entregues a terceiros sem a sua autorização. O Marco tem, sobretudo, a ideia de trazer balizas ao uso da internet no Brasil. O objetivo não é tentar enjaular o usuário, determinar sua conduta nesse ambiente. Não temos a pretensão de dizer como deve ser o comportamento na rede, porque sabemos que deve predominar na sociedade a mais ampla liberdade, com responsabilidade no uso dos direitos.
Portal: Qual a importância desse debate se tornar público e ganhar a sociedade?
Molon: Uma das características do Marco Civil foi a sua tramitação diferenciada, a maneira como ele foi produzido antes de ser enviado ao Congresso como Projeto de Lei para ser aprovado: a partir de muito debate público. Na Câmara dos Deputados, houve muito debate. Fizemos sete audiências públicas e seminários em quatro regiões do país: Sul, Sudeste, Centro-Oeste e Nordeste. Colocamos em consulta pública, recebemos milhares de contribuições na internet, no portal da Câmara. O Marco Civil tem sido um marco da participação popular, através da internet, na produção de uma lei. Quanto mais isso acontecer, melhores serão as leis brasileiras.
Portal: Destes debates, emergiu o consenso de que um dos caminhos para o uso mais seguro e proveitoso da internet é a "neutralidade de navegação". O que significa isso?
Molon: É a proibição da discriminação no tráfego de dados em função da origem e do conteúdo deles. Por exemplo, você usa o provedor de conexão Z. Digamos que Z faça um acordo com o jornal X, de forma que, toda vez que se tentar entrar no site desse jornal, o carregamento seja rápido. Entretanto, se você entra no site do jornal Y, concorrente do X, o carregamento é lento. O consumidor começará a atribuir a boa velocidade ao jornal X e a lentidão à publicação Y. Ele começará a ler mais o X. O provedor Z terá escolhido o que você vai acessar. Nós queremos proibir isso, queremos que o usuário escolha o que ele vai ler, baixar, acessar, ver, sem distinção. A velocidade contratada tem que ser explorada ao máximo, sem discriminação nos acessos.
Portal: Quais são os princípios deste Marco Civil? Até que forma serão aplicados?
Molon: O Marco Civil protege basicamente três coisas: a liberdade de expressão, a neutralidade da rede e a privacidade do usuário. Queremos que o usuário possa se expressar tão livremente quanto queira, mas não queremos que usem informações dele sem que ele queira.
Portal: O Marco Civil tratará diretamente de crimes virtuais ou se espera que dele surjam novas leis que tomem conta dessas ocorrências?
Molon: Não. O Marco Civil estabelece parâmetros de Direito Civil para o uso da internet. Ele não estabelece crime, não prevê tipos penais. A partir da sua aprovação, dará subsídios importantes para eventuais apurações de crimes cometidos na rede. Ele prevê, por exemplo, sob ordem judicial, a guarda de informações dos usuários que eventualmente possam ser acessadas para apurar práticas criminais na internet.
Portal: Como será a remoção de conteúdos impróprios e ilegais a partir do Marco Civil?
Molon: Queremos dizer o seguinte: quando um provedor disponibilizar conteúdo gerado por terceiros, ele só será obrigado a removê-lo sob ordem judicial. Ele deve receber uma notificação de quem deseja a retirada. Se achar necessário, o provedor pode continuar a retirar o conteúdo, mesmo sem a ordem. Entretanto, se achar que o pedido de retirada foi um abuso, o Marco Civil lhe permite manter os dados na rede e aguardar ordem judicial. Isso normalmente não aconteceria. Por medo de processos, principalmente da indústria autoral, toda vez que os provedores recebem notificações, removem-se os conteúdos. O mesmo ocorre com comentários em sites, portais e blogs. Quando as pessoas se sentem ofendidas, notificam, dizem que vão processar e, no fim, o conteúdo é sempre retirado. Existem exceções, como os casos de pedofilia, em que a remoção continuará a ser imediata.
Portal: Quanto a essas ordens judiciais, o Judiciário está preparado tecnicamente para apreciar os desdobramentos do Marco Civil?
Molon: Há muitos juízes preparados. Há outros que não conhecem tanto o assunto, mas que terão de conhecer: a sociedade buscará o Judiciário, cada vez mais, para se proteger de irregularidades na internet.
Portal: Se aprovada, a lei determinará que as empresas excluam totalmente os dados pessoais de clientes que solicitem o encerramento do seu cadastro. Como este mecanismo beneficia o consumidor?
Molon: Quando se exclui perfis em redes sociais, por exemplo, os dados do usuário ainda são mantidos, guardados lá. O Marco Civil dará direito ao usuário, mediante requerimento, de excluir todas as suas informações. Serão simplesmente eliminadas. É a garantia da privacidade.
Portal: Como tem sido a reação do setor empresarial às propostas da nova lei?
Molon: Quanto a isso, não há problema. Todos sabem que é um direito do individuo, só não havia lei que garantisse esse direito. Infelizmente, não havia proteção. Mas passará a haver.
Portal: “Usuários especialistas” foram consultados para a elaboração do texto, conforme previa o projeto?
Molon: Sim, claro. Ouvimos gente que é ativista da internet. Escutamos também os grandes especialistas: Henrique Antum, Sérgio Amadeu e Marcelo Branco, por exemplo, grandes defensores do uso da internet, que contrubuíram com ideias progressistas.
Portal: Com a consolidação do marco regulatório, a internet pode se tornar um instrumento mais potente para politizar os usuários?
Molon: Não tenho dúvida de que o futuro da internet depende da neutralidade da navegação, daquele tratamento isonômico de que falei. E o futuro da democracia depende da internet. Tenho convicção de que a democracia, cada vez mais, vai avançar e se aprofundar graças às capacidades de comunicação e informação que a rede traz. Não queremos mudar o que a web é. À medida que o Marco Civil protegerá as características essenciais da rede, ela se desenvolverá e continuará sendo um mecanismo fundamental do desenvolvimento da democracia no mundo inteiro. Temos exemplos, como a eleição de Barack Obama, a Primavera Árabe e as mobilizações de jovens na Espanha. Todas contaram muito com a internet.
Portal: Como a democracia no Brasil pode ser aperfeiçoada?
Molon: No Brasil, quando você se manifesta contra um político em algum blog, por exemplo, e esse comentário é retirado após uma simples solicitação ou ameaças, fere-se a liberdade de expressão. Com o Marco Civil, protegeremos a liberdade de expressão. Nada melhor que ela para fazer a política avançar.
Portal: Que benefícios imediatos o Marco Civil pode incorporar ao dia a dia dos internautas?
Molon: Tudo que o usuário fala a respeito dele na internet vai ser mais protegido. Tudo o que ele disponibiliza na rede só será retirado mediante um argumento mais forte do que o medo dos provedores. Além disso, falamos da qualidade do serviço, que só pode ser cortado mediante o não pagamento. Na Europa, há casos em que o serviço é cortado quando o servidor suspeita de que o usuário baixou uma música protegida por direitos autorais. Garantiremos o sigilo das informações, a privacidade da navegação. Evitaremos o monitoramento da navegação, que se desdobra, por exemplo, em propostas de produto. Só se poderá monitorar mediante ordem judicial, como os grampos telefônicos autorizados.
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