Ligia Lopes, João Pedroso de Campos, Renan Rodrigues e Tiago Coelho* - Do Portal
10/07/2012O Rio se une para o adeus ao seu arcebispo emérito, dom Eugenio de Araujo Sales, que morreu, na noite desta segunda, aos 91 anos, vítima de infarto. Fiéis, autoridades públicas e religiosas reúnem-se na Catedral Metropolitana, no Centro, para se despedir do mais antigo cardeal da Igreja Católica. A cada duas horas, será celebrada uma missa. O enterro está marcado para amanhã, às 15h, na própria catedral. O prefeito Eduardo Paes decretou luto de três dias.
– Dom Eugenio deixa um legado muito grande para a cidade e para a Igreja. Um homem de luz – resumiu dom Orani Tempesta, enquanto se dirigia à catedral.
Também no velório, que atraiu até turistas e movimentou a manhã no Centro, o prefeito Eduardo Paes acrescentou:
– Hoje é um dia de tristeza, mas também de homenagear um grande homem, que defendeu a liberdade e os direitos individuais.
Em 69 anos dedicados às funções eclesiásticas, 30 à frente da Arquidiocese do Rio, dom Eugenio amealhou muita admiração e alguma controvérsia. Para uns, era marcado pelo perfil conservador. Para outros, chamado de "bispo vermelho", em virtude do apoio a lideranças sindicais no Rio Grande do Norte, onde nasceu. O reitor em exercício da PUC-Rio, padre Francisco Ivern, lembra que dom Eugenio teve uma atuação marcante em projetos sociais como o Pastoral na Favela, que ajudou a garantir a permanência dos moradores no Vidigal, no fim dos anos 1970.
– Ele também teve um papel importante acolhendo refugiados políticos durante o regime militar. Muitos o achavam, até pelo temperamento fechado, um conservador. Ele não era propriamente um conservador, apenas seguia e defendia os ensinamentos da Igreja. Era muito aberto aos necessitados.
O monsenhor Roberto Bevelar, ex-secretário de dom Eugenio, com quem conviveu por mais de 20 anos, também destacou a contribuição do arcebisto emérito em pastorais sociais, "com moradores de favelas, presidiários e trabalhadores". Para Bevelar, um dos principais exemplos é abertura da Igreja "para todos":
– Ele buscava o diálogo da Igreja com os leigos. Esse trabalho foi reconhecido pelo Vaticano. Nenhum outro eclesiasta brasileiro recebeu tanta atenção do Vaticano. No convívio pessoal, foi um homem amável, de fácil relacionamento. Considerava os funcionários uma família. Ele teve um final de vida feliz e tranquilo.
Desde que se afastou da rotina eclesiástica, em 2001, dom Eugenio cultivava uma rotina simples. Entrara na nona década de vida sem doença grave. Passava os dias entre o quarto e o gabinete da casa do Sumaré, Zona Norte carioca, onde lia jornais e via televisão. Segundo os assessores, ele "jantou normalmente" no começo da noite desta segunda-feira e não apresentava "anormalidades de saúde", até ser vitimado por um ataque cardíaco, por volta das 22h30. Afastado da Arquidiocese do Rio desde 2001, dom Eugenio chegou a ter o nome cogitado para suceder o papa João Paulo I, em 1978.
Para o papa Bento XVI, o mundo perde um "intrépido pastor, que buscava o caminho da verdade e da caridade". O monsenhor Sérgio Costa Couto, amigo de Dom Eugenio e por ele ordenado, lembra que "o intrépido pastor" até assumia posições contrárias à própria opinião em nome dos direitos humanos:
– Ele sempre dizia que, mesmo discordando de determinadas posições políticas, não podia deixar que os refugiados fossem torturados. Por isso, muitas vezes os abrigou. Uma vez o chamaram para celebrar uma missa em homenagem ao AI-5. Dom Eugenio recusou e disse “se querem agradecer a Deus pelo AI-5, que o façam, mas não por meu intermédio”.
No caso do Vidigal, em 1978, os moradores não foram removidos graças à intervenção do "bispo do povo" por meio da Pastoral das Favelas, criada por ele dois anos antes. Atuou também na Pastoral do Menor, em ambulatórios e em abrigos para carentes e portadores do vírus da aids.
– Foi uma das maiores figuras da Igreja Católica do país. Um pioneiro em atividades sociais. Ele era criticado por defender as decisões do Vaticano. Certa vez, um jornalista disse a dom Eugenio que ele era xerox do papa, e ele respondeu que não havia elogio maior – recorda monsenhor Sérgio Costa Couto.
Natural de Acari, Rio Grande do Norte, Eugenio Araujo Sales ingresssou, em 1936, no Seminário Menor de São Pedro, ainda estado natal; e, no ano seguinte, no Seminário Maior da Prainha, em Fortaleza, onde estudou Filosofia e Teologia. Ordenado sacerdote em novembro de 1943, com apenas 11 anos de sacerdócio, dom Eugenio ascendeu na Igreja Católica em pouco mais de 15 anos: de 1954 a 1971, foi de bispo auxiliar de Natal a arcebispo de Rio de Janeiro. Em 1964, já havia sido ordenado arcebispo de Salvador pelo papa Paulo VI e, em 1969, a autoridade eclesiástica máxima o escolheu oficialmente para o Colégio Cardinalício. Durante o Consistório deste ano, tornou-se cardeal.
Na capital baiana, dom Eugenio se notabilizou como um dos idealizadores das Campanhas da Fraternidade, um dos pilares da Instituição ao longo dos anos. Enquanto esteve à frente do arcebispado do Rio, ordenou 169 sacerdotes, um número recorde, frente às outras arquidioceses e dioceses brasileiras. Desdepiu-se da Arquidiocese carioca em 2001, quando se consolidou como referência na defesa de perseguidos políticos. Em 2008, soube-se que ele abrigou mais de 4 mil perseguidas pelos regimes militares do Cone Sul entre 1976 e 1982.
– Ele foi realmente muito importante para a cidade e para o Brasil. Teve um papel importante na política, pois abrigou refugiados no Sumaré – reforça a assistente social Maria Christina Sá, ex-assessora e amiga de Dom Eugenio.
O cardeal Sales protegeu – silenciosamente, como gostava de dizer – presos políticos. Ajudou-os materialmente e transformou-se não raramente na voz deles junto às autoridades. Era sempre ouvido, em respeito à clareza do seu posicionamento: não se comprometia nem com os detentores do poder, nem com a luta armada. Socorreu e acolheu pessoas cujas ideologias, muitass vezes, contrastavam com a fé católica. Para Dom Eugenio, sua ação não poderia ser diferente, impulsionada pelo cumprimento simples e objetivo da moral católica que diferencia o pecado do pecador.
Veja aqui imagens do dia do velório.
O "bispo do povo" segundo amigos, esclesiastas e autoridades "Uma vez o chamaram para celebrar uma missa em homenagem ao AI-5. Dom Eugenio recusou e disse: 'Se querem agradecer a Deus pelo AI-5, que o façam, mas não por meu intermédio'. Ele não podia deixar que os refugiados fosse torturados". "O cardeal dom Eugenio Sales deixa seu nome escrito na história da Igreja Católica pelo relevante papel que desempenhou nem toda a sua vida. Em sua trajetória, a preocupação social semprte esteve associada ao trabalho eclesiástico". "Sempre ouvimos de sua boca a convicção: seguir o papa em suas mínimas orientações, pois é o melhor para a Igreja, para a diocese, para cada católico". "Trabalhar com Dom Eugenio foi um aprendizado. Ele era um homem muito organizado e tinha muito equilíbrio. Ele era um ponto de referencia na igreja brasileira. Um homem que se dedicou totalmente à igreja". Padre André Sampaio, professor de Ética do curso de Relações Internacionais da PUC “Dou graças ao Senhor por ter dado à Igreja tão generoso pastor que, nos seus quase setenta anos de sacerdócio e cinquenta e oito de episcopado, procurou apontar a todos a senda da verdade na caridade e do serviço à comunidade, em permanente atenção pelos mais desfavorecidos”. “Dom Eugenio Sales era amado pelo povo do Rio de Janeiro. Nas últimas décadas, a sua liderança religiosa foi a mais importante do nosso Estado. Vamos decretar três dias de luto”. “Grande homem de Deus, ele será sempre lembrado por sua sabedoria, a força de seus ensinamentos, a perspicácia com que comunicava e defendia sua fé e pelo exemplo de caridade nos anos mais difíceis da história brasileira”. “É com pesar que a Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro noticia o falecimento de seu arcebispo emérito cardeal Dom Eugênio de Araújo Sales, o mais antigo cardeal da Igreja Católica. Era cardeal presbítero da Santa Igreja Romana, do título de São Gregório VII". "Dom Eugênio foi um homem de profunda serenidade, um homem de grandes realizações. Demonstrou grande fidelidade ao Santo Padre, mesmo em períodos difíceis da Igreja. Ele mostrou muita força até o fim da vida". “Era um homem de hábitos simples, fiel e de caráter sólido. Ele valorizava o leigo e a mulher. Era um homem à frente de seu tempo.” “Dom Eugenio era fiel à verdade e não tinha medo das consequências. Tinha muito carinho pelos mais necessitados.” "Dom Eugenio era um homem de uma sensibilidade muito grande. Ele era um homem de igreja, não só no sentido religioso, mas no que diz respeito ao ser humano. Ele criou várias pastorais ligadas ao menos favorecidos. Era responsável por inserir os leigos nas pastorais". |
* Ana Luiza Cardoso, Amanda Reis, Caio Cidrini, Caio Fiusa, Caroline Hülle, Matheus Vasconcellos, Monique Rangel, Vítor Afonso e Rodrigo Serpellone.
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