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Rio de Janeiro, 13 de outubro de 2024


Mundo

Oposição ao Paraguai produz lucro político para o Brasil

Tiago Coelho e João Pedroso - Do Portal

29/06/2012

Jeferson Barcellos

A iminente suspensão do Paraguai do Mercosul, defendida por líderes continentais reunidos na Argentina, consolida a reação do bloco ao impeachment relâmpago que destituiu o presidente Fernando Lugo há pouco mais de uma semana. Se a diplomacia brasileira marca terreno ao referendar a tese de que a manobra indica falta de, como disse o chanceler Antônio Patriota, "vigência democrática" no país assumido por Federico Franco, cuja legitimidade, portanto, nasce frágil – posição aberta a questionamentos sobre os limites e critérios da representatividade democrática –, o pragmatismo econômico mantém-se imune à retórica moralista. Mas o grande lucro, avaliam especialistas em relações internacionais, é a consolidação do protagonismo verde e amarelo na mediação política regional.

Analistas consideram correto o posicionamento do Brasil e tranquilizam: nem o governo brasileiro pretende impor sanções econômicas ao Paraguai, como confirmou Patriota, nem o Paraguai tem força para enfrentar a oposição do cone sul. Uma sanção econômica ao Paraguai causaria grande dano ao país vizinho. O Produto Interno Bruto do Paraguai (US$ 36,2 bilhões) é um dos menores da América Latina, equivale a 1,6% do PIB brasileiro.

O professor do Instituto de Relações Internacionais da PUC-Rio Cunca Bocayuva lembra que o Brasil não tem tradição de ruptura econômica com outros países. Além do mais, na avaliação dele, a importância estratégica da hidrelétrica Itaipu, mantida em parceria com o Paraguai, já seria suficiente para descartar a chance de os dois países cortarem laços comerciais:

– As relações econômicas com o Paraguai não correm risco. O Brasil costuma ser crítico com processos de boicotes econômico, não é a nossa tradição. Isto nos afetaria economicamente porque a região da tríplice fronteira é vulnerável. Nós temos interesses energéticos e geopolíticos nessa região, que nos é sensível por recursos hídricos, agrários, fronteiras, interesses comerciais.

A usina de Itaipu reponde pela geração de 19% da energia brasileira (boa parte dirigida ao Sudeste) e 90% da paraguaia. Em acordo firmado pelos dois países, a energia é dividida em partes iguais. Há dois dias, o governo de Franco anunciou um novo diretor para a usina. O professor do Departamento de Comunicação da PUC-Rio e doutor em Relações Internacionais Arthur Ituassu também considera muito improvável uma crise comercial entre os dois países:

– O Brasil depende efetivamente da energia de Itaipu, mas o Paraguai também. O governo paraguaio não é uma ameaça para o Brasil.

O lucro às ambições brasileiras insinua-se político. Intermediadas pela Unasul (Secretaria-Geral da União das Nações Sul-Americana), as relações entre o Paraguai e os países latino-americanos lustram o papel de liderança do Brasil. Para Bocayuva, este cenário favorece a consolidação da ascendência na região:

– O Brasil está aproveitando para assumir liderança regional. Porque estamos num momento em que precisamos definir politicas regionais importantes. Precisamos resolver os problemas de infraestrutura sul-americana, a crise internacional, as demandas energéticas, a Amazônia, o Atlântico sul. Temas importantes na região nesse momento.

Ascendência brasileira tem respaldo na Unasul

Com o enfraquecimento do Mercosul como bloco econômico, Bocayuva vê na Unasul a possibilidade de tratar temas econômicos relevantes por meio do diálogo politico:

– A Unasul tenta retomar a importância perdida pelo Mercosul, e o Brasil aproveita este órgão para criar um mercado mais sólido. O governo brasileiro tentou fazer uma costura pela economia, mas só pela economia não foi o suficiente, então resolveu agir pela política. Assim, a Unasul vem para assumir esse lugar de protagonismo. O Brasil entendeu que é através da politica que assumirá a liderança da região.

Se o Brasil evita arranhar as relações comerciais com o Paraguai, a Venezuela, interessada em integrar o Mercosul contra resistência do Paraguai, acena com a possibilidade de sanção econômica. Para Ituassu, essa é mais uma oportunidade de o Brasil demonstrar protagonismo e tentar acalmar os ânimos da diplomacia chavista:

– O país avança como liderança na região mediando a discussões. Cabe ao Brasil segurar o (presidente venezuelano) Hugo Chávez e segurar a diplomacia venezuelana.

Em meio ao debate sobre a legitimidade do impeachment de Fernando Lugo articulado pelo Congresso paraguaio, os professores esclarecem: o que está em xeque não é a legislação, mas a maneira rápida e sem chance de defesa que aproximaram, o mecanismo de destituição, embora lícito, de golpe de Estado.

– Mesmo que seja legal, o processo parece injusto, pois não dá ao acusado o direito de defesa. O que parece ilegal é o rito sumário. Isso configura um quadro de possível armação e gera dúvidas dos países da Unasul – observa Bocayuva.

Ituassu concorda que a destituição sumária prejudica legitimidade: 

– A imagem que passa é de que foi uma rasteira. Por isso perde muito da legitimidade.

Embora especialistas em relações internacionais aprovem a posição brasileira, o Itamaraty recebeu críticas e alertas sobre o perigo de o Brasil atravessar a fronteira da soberania paraguaia. Bocayuva reconhece que não é comum o governo brasileiro interferir em crises internas de outros países, mas considera esta situação "excepcional, pois coloca em risco a conjuntura política da região":

– Cada país reconhece ou não a legalidade do processo e a legitimidade do novo presidente paraguaio. A critica que se faz é que o Brasil está se imiscuindo nos negócios internos, indo contra a tradição de respeitar a autodeterminação. Não é uma situação diferente do que os Estados Unidos sempre fazem – compara.

O professor completa que a “censura” à maneira brusca como o Paraguai conduziu o processo de impeachment é sustentada pelo suposto risco de o procedimento ferir a cultura democrática do bloco:

– Existe um elemento de censura ao rito sumário. É um modo de dizer ao Paraguai que estamos incomodados com a situação. No entanto, há criticas em relação a essa atitude, sob o argumento de que não ela segue os princípios da legalidade formal das relações internacionais, à medida que se trata de um assunto do direito interno. O Brasil está atuando do ponto de vista de interrogação ao rito sumário que derruba o presidente. Considera que isso torna vulnerável a nova cultura democrática regional e, assim, merece ser cuidadosamente avaliado.

Para Ituassu, a atitude do Brasil é "positiva", ao marcar a defesa de princípios democráticos sem, no entanto, partir para discursos e ações invasivos. O professor acredita que o repúdio político do bloco à forma como de trocou o governo no Paraguai é insuficiente para forjar uma cenário de instabilidade política na região:

– Daqui a pouco tem uma nova eleição no Paraguai e as coisas voltam para o seu lugar.

Golpes movimentam história latino-americana

A deposição de um presidente, como a do paraguaio Fernando Lugo, não é novidade na história recente da América Latina. Em junho de 2009, o presidente hondurenho Manuel Zelaya foi tirado do poder por uma manobra política encabeçada pelo Exército, que o acusava de atos inconstitucionais e corrupção.

O golpe militar foi duramente criticado pela Organização das Nações Unidas (ONU), e a comunidade internacional fez coro: União Européia, Estados Unidos e alguns países latino-americanos, como o Brasil, representados pela Organização dos Estados Americanos (OEA), manifestaram o repúdio oficialmente.

Zelaya foi abrigado na embaixada brasileira da capital hondurenha, enquanto o Exército se articulava para fazer sua prisão preventiva. O abrigo gerou constrangimento diplomático ao Brasil, que se viu notificado oficialmente pelo presidente interino, Roberto Micheletti, a entregar o ex-presidente à Justiça do país.

Diferentemente da recente manobra no Paraguai, o golpe em Honduras desencadeou uma grave crise política. Violentos embates entre partidários e adversários de Zelaya tomaram conta das ruas da capital Tegucigalpa. Já em Assunção, capital paraguaia, os dias que sucederam a queda de Lugo transcorrem com relativa tranquilidade.

Depois da turbulência política na Honduras de 2009, uma eleição levou ao poder Porfírio Lobo, atual presidente. Ele venceu o pleito com pouco mais da metade dos votos. A eleição de Lobo ilustrou a aderência da população ao golpe que derrubou Zelaya.