O rápido desenvolvimento das tecnologias e o barateamento dos produtos fazem com que aparelhos eletrônicos estejam acessíveis a todos, inclusive às crianças. Hoje, as bonecas os carrinhos e até mesmo os desenhos animados são substituídos por horas e horas à frente do computador, fazendo da internet a principal diversão. Segunda dados do Ibope, no mês de junho, aproximadamente 6 milhões de crianças entre 2 e 11 anos acessaram a internet em domicílios brasileiros, o que corresponde a 14% do total de usuários no país. Além disso, dos quase 26 milhões de acessos a sites de compra no mesmo mês, 2,8 milhões, ou 11%, são crianças daquela faixa etária. O número representa 47% de todas as crianças de 2 a 11 anos na internet.
Ainda de acordo com o Ibope, o público infantil brasileiro passa 18,4 horas por mês em frente ao computador. Um tempo recorde no planeta, mais que o dobro do que o dedicado pelo europeu, que fica oito horas, em média. A entrada de um volume significativo de crianças ao mundo virtual fez uma das maiores redes sociais voltar a atenção a esta tendência. O Facebook estuda mecanismos que permitam o acesso de menores de 13 anos ao site em contas ligadas ao controle dos pais.
A pesquisadora do diretório Jovens em Rede da PUC-Rio, Stella Maria Peixoto, mestre em Educação também pela universidade, concorda com a abertura de redes sociais para usuário infantil. Na opinão dela, a liberalização tende a reduzir o risco de a criança entrar escondida:
– Acho boa a iniciativa. As crianças já entram na internet e no facebook. Isso vai continuar acontecendo independente se é permitido. O proibido atrai.
Stella Maria reforça, contudo, que o acompanhamento dos pais é necessário para o "uso adequado" da ferramenta. Ela compara a vida real e a virtual:
– Tem que haver o diálogo entre pais e filhos. Quando a gente não sabe o que vai encontrar, chega com cuidado. É um lugar diferente. Quando a criança, por exemplo, tem a vontade de ir para a escola sozinha, os pais podem deixá-la usar o elevador no início e, aos poucos, dar mais abertura. Na internet, é a mesma coisa.
A psicóloga Luciane Tofano, de 35 anos, já adotou a prática do diálogo com a filha, Anna Clara, de 9, para preveni-la dos riscos que a internet oferece. Assim, estipulou regras:
– Ela (Anna Clara) não pode ficar muitas horas à frente do computador. Não deixo também conversar com estranhos. O Facebook dela só tem crianças ou adultos da família. Tudo que ela faz eu tenho que ver.
Em busca de um ambiente virtual seguro, a psicóloga mantém um monitoramento rigoroso. Ela lembra de um caso que deixou a filha assustada:
– Ela criou um msn (canal de bate-papo via web) para conversar com as amigas e quis adicionar o primo. Mas, digitou o endereço errado e adicionou outro menino. Quando percebeu o erro, ficou apavorada e chorou. Sorte que nada demais aconteceu. A partir daí, redobrei minha atenção.
A psicóloga formada pela PUC-Rio Manuela Birtel, psicanalista há 43 anos e integrante da Associação Brasileira de Estudos e Pesquisas da Infância (Sobepi), concorda com a necessidade de um controle dos pais em relação aos hábitos virtuais dos filhos. A maior preocupação dela refere-se, no entanto, ao tempo consumido pelas crianças na internet. Ela teme o exagero, que pode expulsar da rotina atividades como brincar com os amigos e passear com os pais:
– A criança tem que ter tempo para brincar. Ela não pode passar a tarde inteira conectada, nem acessar todos os canais disponíveis. O computador não pode entrar no lugar de festas com os amigos, do convívio com outras crianças.
Manuela não é contra a entrada dos pequenos usuários no mundo virtual. Contudo, ela orienta os pais a tomarem medidas "moderadas" e diz que a internet pode servir de alerta:
– O principal é controlar os canais de acesso e delimitar o tempo. Se a criança cumprir as obrigações, estiver indo bem no colégio, ela pode navegar. Mas, se a criança passa a tarde toda no computador, isso pode denunciar a solidão em que ela vive.
Por outro lado, o analista de mídia do Ibope José Calazans acredita na importância da internet para a socialização e o desenvolvimento de crianças e jovens. De acordo com ele, as pesquisas desmentem a ideia de que a web seja usada "erradamente", apenas como passatempo ou à procura de entretenimento e relacionamento.
– Um exemplo são os adolescentes, que utilizam sites de relacionamento e de busca para músicas e vídeos, mas também são os maiores usuários da enciclopédia online. No mês de março, com a volta às aulas, percebemos um crescimento extraordinário de acessos em sites de educação que possuíam verbetes de pesquisa escolar. Já no mês de setembro, quando os professores geralmente pedem trabalhos, os verbetes relacionados ao Dia da Independência têm um aumento significativo. A maneira como os jovens fazem, se é copiando ou procurando informações diferentes em vários sites para discussão em sala, fica por conta do professor avaliar – observa.
Ainda de acordo com Calazans, o esforço, ou a preocupação, de que o jovem use a internet também como fonte de aprendizado é auxiliada pelo conceito original da web, associado a repositório de conhecimentos. Ele reconhece, entretanto, que o uso original assume outros desdobramentos, conforme cada época, cada geração:
– A ideia que sempre foi construída sobre a internet era de que ela seria uma ferramenta para educação, desenvolvimento e conhecimento, mas nem mesmo os adultos usam exaustivamente para isso. Usam mais para entretenimento, relacionamento e comunicação, claro que também para informações e conhecimento, mas em menor número. As pessoas desenvolvem as ferramentas de acordo com suas necessidades.
O auxílio aos estudos, com a facilidade de encontrar informações instantaneamente, se contrapõe ao abandono aos livros e a escolha por jogos e bate-papos em vez de tarefas escolares. Felipe Schulz, de 10 anos, já percebe o quanto o computador interfere na sua vida:
– O computador atrapalha porque eu passo muito tempo na internet e pouco estudando – admite.
A mãe do menino, a jornalista Ana Schulz, de 49 anos, tenta vigiá-lo nas incursões virtuais. Ela acredita que ainda é cedo para dar total liberdade ao filho:
– Uma criança nunca vai ser madura para isso. Não consigo saber tudo o que ele faz, mas depois fuxico o que ele fez, aonde ele foi. Acho que é uma forma de proteger, porque ele ainda não tem idade para discernimento – justifica.
A designer de interiores Mariane Scott acompanha de perto o que Victória, de 14 anos, faz na internet. Diz que a sua "companhia" serve para "alertar" a filha sobre os perigos da rede:
– Ela mesma pede para que eu a acompanhe. O problema não é ela, são os outros. Acho que, cada vez mais, a Victória vai ter noção do que pode e do que não pode.
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