Projeto Comunicar
PUC-Rio

  • Facebook
  • Twitter
  • Instagram

Rio de Janeiro, 12 de dezembro de 2024


Economia

Excluída de acordos, economia verde depende da tecnologia

Tiago Coelho e Ana Luiza Cardoso* - Do Portal

27/06/2012

Jefferson Barcellos

Tema central da Rio+20, como antecipara o negociador-chefe do Brasil na conferência, André Corrêa do Lago, em conversa com o Portal, no mês passado, a economia verde segue atrás de respostas. Se por um lado o conceito foi reconhecido pela primeira vez num documento assinado por líderes de 188 países, por outro a distância entre a retórica e a prática ambientais mantém-se inalterada. "Se o modelo econômico se mantiver, as populações mais pobres sofrerão muito com a degradação", alertou o economista indiano Pavan Sukhdevo, criador da expressão "economia verde" e chefe de um programa da ONU para implantá-la, durante a Conferência Internacional sobre Meio Ambiente e Erradicação da Pobreza, no Jardim Botânico.

Dificultada pelo adiamento de metas e de planos de financiamento, ausentes da modesta carta de intenções firmada na Rio+20, a implantação de um modelo econômico que equilibre crescimento e preservação encontra oxigênio em sugestões à margem do documento oficial. Propostas extraídas, por exemplo, da pluralidade ideológica e estética da Cúpula dos Povos, um caldeirão no qual o espírito hippie e os brados ecológicos se misturavam a bravatas políticas e índios de tatuagem; do empresariado reunido no Forte de Copacabana, campeão de audiência na semana verde; dos cientistas em cartaz na PUC-Rio, no Jardim Botânico e em outras mesas-redondas na cidade.

Baixada a poeira da maratona sustentável, o Portal PUC-Rio esclarece e repercute algumas dessas propostas, unidas pelo consenso de que a "economia verde" só será viável mediante uma conjugação de esforços entre empresas, governos e cidadãos. No fórum empresarial, a tecnologia marcou boa parte das sugestões. Como o sabão em pó concentrado que economiza 80% de água na composição e um tipo de milho transgênico resistente à seca.

Empresários reivindicam participação maior nas políticas ambientais

Jefferson Barcellos No Forte de Copacabana, enquanto cariocas e turistas aguardavam mais de quatro horas para ver a mostra Humanidade 2012 – visitada por 212 mil em seis dias –, executivos e líderes empresariais discutiam passos para uma produção industrial que melhor combine lucro com responsabilidade social. Não por altruísmo, mas por senso de preservação. Diretores de corporações como EBX, Unilever e Odebrecht afinaram o discurso de que "pensar um caminho sustentável é essencial à sobrevivência das empresas nos dias de hoje, para afastar o risco de colapso ambiental e econômico". As indústrias, evocaram eles, devem comandar as políticas ambientais:

– No processo para uma economia mais limpa, as empresas devem estar no centro das decisões. O governo atua como indutor, mas a indústria tem a função de ser transformadora da realidade social. A empresa deve ser responsável pela sequência e consequência de um projeto implantado em uma região – afirma Paulo Monteiro Barbosa Filho, diretor de sustentabilidade da EBX, maior empresa privada de exploração de energia do país.  

Ainda de acordo com Barbosa Filho, esse "compromisso corporativo" já decorre de uma cobrança dos próprios consumidores:

– A consciência [ambiental] dos consumidores está aumentando e a cobrança pela responsabilidade social da empresa também.

Responsabilidade social vira sinônimo de preservação do mercado de consumo, para o qual o aproveitamento dos recursos revela-se decisivo. Segundo projeção da ONU, a produção de alimentos terá de aumentar 70% até 2050 para atender o crescimento da população mundial, hoje em torno de 7 bilhões. Juliana Nunes, representante da Unilever, prevê um investimento crescente em tecnologias que reduzam o risco de escassez de preciosidades como a água.

– O padrão de consumo vai ter que mudar – acrescenta. – Não há recursos para todo mundo, mas todo mundo vai querer consumir. Temos que pensar na inserção da classe C, que vai aumentar a demanda. A tecnologia das indústrias terá que aliar a produção industrial com a falta de recursos. A questão da água é urgente. Nossa empresa, por exemplo, desenvolveu um sabão em pó líquido e concentrado que demanda menos água. É uma formulação que tem 80% menos de água em sua composição.

Para o consultor ambiental e presidente da Associação Nacional de Órgãos Municipais de Meio Ambiente (Anamma), Mauro Buarque, o principal fator que influencia no padrão de consumo é o crescimento populacional desenfreado. Para lidar com isso, o especialista defende medidas políticas de planejamento familiar mais eficazes:

– Planejamento familiar é uma política pública controladora do crescimento populacional. Quanto mais gente, mais consumo. A prática de reflorestamento, com o tempo, vai ser inviável. O caso da China, por exemplo, de limitar a quantidade de filhos, não conseguiu ainda obter o resultado esperado.

A revisão de metas e o investimento em tecnologias "limpas" e em energias renováveis devem se estender a indústrias de bens de consumo não duráveis. Vistas não raramente como ameaças ao meio ambiente, empresas de construção civil "precisam se aliar ao conceito de sustentabilidade ou estarão fadadas à extinção", avalia Sérgio França Leão, diretor da Odebrecht:

– Não é uma questão de benemerência. A responsabilidade social e ambiental chegou ao dia a dia das sociedades. Se as empresas não pensarem que a sustentabilidade está na ordem do dia dos contratos e dos negócios correrá o risco de ficarem para trás.

Transgênicos são uma saída necessária para alimentar 9 bilhões em 2050, diz empresário

Estratégias para reduzir o perigo da falta de água também ocupam as pranchetas de Brian Lowry, representante da empresa de alimentos Monsanto. Por exemplo, a exportação dos 8 milhões de toneladas de carne bovina anualmente consome 128 trilhões de litros de água. Lowry concorda que o "desenolvimento tecnocientífico é uma das principais saídas":

– Tecnologia já existe. Resta agir. Há um tipo de milho geneticamente melhorado que tem grande resistência à seca e que poderia ser plantado na África – exemplifica.

O uso de transgênicos esbarra, no entanto, em polêmicas e resistências ideológicas, políticas e econômicas. No ano passado, a Eurobarometer, instituto de pesquisa da União Europeia, apontou que 58% dos europeus entrevistados não consideram seguro organismos geneticamente modificados. Wilson Newton de Mello Neto, diretor de assuntos coorporativos da BRF Foods, acredita que as resistências, especialmente de ambientalistas, tendem a se dirimir à medida que esse tipo de produção for "melhor discutido e esclarecido para o consumidor".

No Brasil, 70% da soja e 60% do milho são transgênicos. Lowry argumenta que "não há como produzir em larga escala sem modificação genética". O diretor de sustentabilidade ambiental da Pepsico acrescenta que o desafio de alimentar 9 milhões de pessoas em 2050 torna a produção de organismos geneticamente modificados uma "saída necessária":

– Não estamos em condição de dispensar a tecnologia dos alimentos geneticamente modificados. São mais resistentes e garantem uma produção em larga escala de forma segura.

A economia da biodiversidade

Seja com a aplicação de avanços tecnológicos, seja com a adoção de políticas e modelos ainda restritos aos debates, a mudança para a conjugação entre produtividade e redução do impacto ambiental é urgente. Ou a fatura ficará muito alta, e será paga, sobretudo, pelos países pobres. O prognóstico de  Pavan Sukhdev, pai do conceito de economia verde, exige iniciativas como "a valorização dos pequenos proprietários e das populações de baixa renda nas discussões sobre meio ambiente".Carlos Serra

Sukhdev considera igualmente importantes, no rumo para a economia verde, "a exploração adequada da biodiversidade e a educação ambiental, principalmente em populações carentes". Para o economista, além da função essencial para a agricultura de subsistência, o ecossistema abastece o mercado dos pequenos produtores rurais:

 – A biodiversidade é extremamente necessária para a população de baixa renda: quando uma mata é destruída, ela é a mais prejudicada. Assim como as comunidades pesqueiras, que dependem da natureza para o sustento.

Na avaliação do chefe da Iniciativa em Economia Verde do Programa das Nações Unidas, os debates sobre o controle dos produtos químicos só estão sendo relacionados a métodos intensivos de agricultura e a grandes proprietários. Ele reitera: “é preciso informar os pequenos agricultores a respeito da implementação de métodos mais acessíveis na produção, como a rotatividade e o uso moderado de fertilizantes e pesticidas”.

Casamento entre produção e preservação terá de superar divergências políticas e financeiras

Enquanto em Copacabana a economia verde era vista com algum otimismo, no fórum da PUC-Rio a perspectiva de uma união pródiga entre produção e preservação patinou no ceticismo, ou realismo, de boa parte dos acadêmicos de universidades europeias e americanas. Para os especialistas ali reunidos, adotar um modelo econômico mais comprometido com as exigências ambientais é tarefa complicada. O desafio esbarra em divergências políticas, financeiras e até acadêmicas.Maria Christina Corrêa " alt="Maria Christina Corrêa " class="popup">

Na opinião do professor de desenvolvimento sustentável da Universidade de Surrey, no Reino Unido, e diretor do Grupo de Pesquisa em Estilos de Vida, Valores e Meio Ambiente, Tim Jackson, o “dilema do crescimento” ainda está longe de uma solução:

– O crescimento é insustentável e o decrescimento é instável. O problema é que, quando decrescemos, as pessoas perdem seus empregos. Portanto, há três passos que precisamos dar: consertar a economia, estabelecer limites ecológicos e modificar a sociedade de consumo. Precisamos parar de pensar que a economia só vai crescer com o consumo desenfreado.

O ambientalista Fabio Feldmann, secretário do Meio Ambiente de São Paulo entre 1995 e 1998 e vencedor do prêmio Global 500, propõe mudanças no modelo de desenvolvimento do governo brasileiro. Ele reforça o coro dos que reconhecem os avanços sociais e econômicos do país nas duas últimas décadas, porém consideram tímidos os ganhos ambientais. Na área da sustentabilidade, avalia ele, a dívida verde e amarela ainda é alta:

– É mais fácil um governo abaixar os impostos dos carros novos, estimular a compra para diminuir os impactos da crise econômica do que resolver o problema do trânsito. A consequência nós estamos vendo hoje: cidades quase intransitáveis como Rio e São Paulo. Isso é péssimo para um país que quer ser sustentável.

O futuro do Rio num clique

Nem todas as discussões sobre desenvolvimento econômico e ambiental ficaram circunscritas a especialistas e executivos engravatados. O jogo Forward+50, lançado simultaneamente no CCBB, no Riocentro e na internet, foi criado pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma/Unep), com o Lord Cultural Resources e o grupo AXA, usuários de 85 países foram desafiados a tomar as decisões certas para garantir um futuro melhor para o Rio em 2062. 

O projeto chegou à marca de 10 mil jogadores que tentaram criar um Rio melhor para o futuro. O resultado é que no Rio em 2062 haverá um empate entre conquistas e caos.

Enquanto no Fórum Humanidades 2012 as filas ultrapassavam quatro horas de espera, e as apresentações de cantores célebres como Caetano e Gil davam o tom ao clima exclusivo, na Cúpula dos Povos, sem filas, mais de 35 mil pessoas se reuniram diariamente em uma atmosfera que lembrava hippie. Essas não são, entretanto, as únicas diferenças entre os dois eventos paralelos à Rio+20. Ao mesmo tempo em que os debates no Forte de Copacabana agitavam empresários dispostos a aliar cuidados ambientais com lucro, os mais de um milhão de metros de extensão que abrigaram a Cúpula dos Povos foram palco de um show de diversidade: música, danças, fotos, esculturas, degustação de licor e alimentos orgânicos. Manifestações que tornaram o Aterro do Flamengo um pedacinho do mundo, um espaço para dar voz a quem tinha o que falar.

O passeio de visitantes como o casal Rodrigo Irazoqui e Monique Bittencourt, era, a todo momento, surpreendido com convites como uma roda aberta por um grupo de Hare- Krishina  para cantar e dançar ao som de mantras.

– A cúpula é a oportunidade que os cariocas e os visitantes têm de se manifestarem. Este espaço é para que as pessoas se encontrem porque o debate não pode acabar. Falar de meio ambiente não pode ser só moda de uma semana – contou Rodrigo Irazoqui, que é uruguaio e mora no Rio há 4 anos.

Para além das tendas oficiais, em que uma porção de pão de queijo orgânico custava R$7, as barraquinhas montadas improvisadamente e ambulantes vendiam desde cacau (R$ 5 o copo) a dvd’s piratas (3 por R$ 10). Outro artigo curioso era o cocar de índio, cujo preço variava entre R$ 100 e R$ 300, dependendo do modelo. Em meio a tantas atividades comerciais, o jeito que Marco Antônio Maciel encontrou para se destacar na hora de vender suas esfirras foi desfilar pela Cúpula em cima de um “camelo-alegórico”, acompanhado por uma odalisca.

– Mandei fazer este camelo na Mangueira para me diferenciar. Trabalho na praia do Pepe, na Barra, com ele há 5 anos  e resolvi vir para a cúpula – contou Marco, que estava com uma perna quebrada e mesmo assim subiu na alegoria.

Já no forte de Copacabana, os debatedores, o publico convidado para assistir aos painéis de discussão e a imprensa eram recebidos para um brunch para degustar penne ao sugo, risoto, salada de cenoura e abóbora. Para sobremesa, doces finos, e no coquetel foi servido Prosecco.

Mas as grandes empresas também estavam ligadas na Cúpula dos Povos. A gerente de responsabilidade social da Coca-Cola, Flávia Neves, esteve no Aterro do Flamengo para conseguir recursos que ajudem na agenda ambiental da empresa. 

 – É difícil separar o pessoal do profissional, mas estou aqui como profissional, somos parceiros da Rio+20 e estamos de olho em tudo, buscando nos associar a ONGs e comunidades.