*Miguel Pereira - Do Portal
11/06/2012De certo modo o título do filme de David Cronenberg, Método perigoso, já anuncia um juízo de valor para a história que vai contar. Nos primórdios da psicanálise, a disputa mais intensa sempre foi pelos métodos, bem diferentes uns dos outros, adotados pelos pais dessa ciência. Cada terapia seguia um caminho segundo as observações percebidas na prática. Foi pelo relato dos casos e sua socialização que se deram as primeiras teorias que permitiam alguma confiabilidade, independente das ideologias professadas por seus autores e do seu caldo cultural e filosófico. Fossem eles ateus, cristãos, materialistas, ou de qualquer outra crença, buscavam maneiras de tratar as chamadas doenças da psiquê, as cisões que atuam na vida cotidiana, a partir se experimentos vividos com seus pacientes. Ninguém é imune a elas, por condições naturais da existência. Desejos, ansiedades, repressões, condutas onipotentes, enfim, ações do dia a dia, nos levam sempre para interrogações e dúvidas.
A ação instintiva e irracional produz, em nós complexos, frustrações, abafamentos e dores de espírito muito intensas. Nem sempre conduzem a doenças psíquicas. Mas, muitas vezes, criam quadros de cisão e fantasia que levam ao mal estar do ser. Cronenberg faz exatamente esse percurso inicial da psicanálise através da relação dos dois mais importantes criadores de uma nova ciência que surgia no início do século XX, Sigmund Freud e Carl Jung.
Mais do que saber quem tinha razão, Cronenberg lança sobre ambos seu olhar crítico. O objetivo não era aprofundar e questionar os métodos de cada um. Simplesmente delimitar a impossibilidade da cura, pois todo quadro psíquico é sempre provisório. Supera-se num momento para em seguida se constatar que a vida continua a nos oferecer outras chances de incômodo. A felicidade ou o encontro pleno são quimeras, e nem mesmo a fé mais profunda no transcendente nos conduz ao bom termo. Basta lembrar algumas vidas exemplares que sofreram, até a passagem final, essa condição da vida humana.
O filme de David Cronenberg parece nos dizer, assim, que os caminhos da psiquê continuam a nos surpreender desde os inícios de seu controle mais sofisticado, com o surgimento da psicanálise. O cineasta canadense afirma, neste seu filme, que o homem é um peregrino sem rumo em busca de si mesmo. Essa é a sua condição natural. Na luta entre os dois gigantes da psicanálise, certamente Freud é visto com menos acidez que o criativo Jung, embora os métodos continuem perigosos, segundo a expressão do diretor.
Método perigoso é um filme que busca entender o ser humano nas suas fragilidades e superações, não importando muito de que forma essas soluções aparecem. Muito bem realizado, deixa no ar verdades históricas e lacunas que podem ser completadas pelos espectadores já familiarizados com o assunto.
* Miguel Pereira é professor da PUC-Rio e crítico de cinema.
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