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Rio de Janeiro, 4 de dezembro de 2024


Crítica de Cinema

Cinema se redescobre em narrativa além da exaltação

Miguel Pereira * - Do Portal

12/03/2012

Divulgação

Dois filmes que concorreram ao Oscar deste ano, e foram os mais premiados, contam histórias inseridas no ambiente do próprio cinema. O artista, de Michel Hazanavicius, assumiu a posição mais radical de narrar o seu melodrama no formato do cinema mudo, embora não com a sua estética. Essa ideia, sem dúvida interessante, foi levada para a tela com cuidado técnico e algumas homenagens. No entanto, a narrativa se fundamenta no conceito da transposição, isto é, um filme realizado com os recursos contemporâneos, mas numa moldura do cinema mudo. Janela, cenários, interpretações, legendas e cor lá estão para compor um ambiente imitativo do que foi a criativa era do mudo. Escapou ao cineasta francês a oportunidade de entrar na natureza e no sentido mesmo que é a imagem em movimento sem som, perfeitamente universal e atualíssima no contexto de globalização dos espaços virtuais. Fronteiras e línguas não são mais obstáculos à comunicação e ao entendimento das narrativas.

As convenções da imagem são de domínio geral. Assim, O artista conta a sua história de modo a fazer parecer que estamos num outro tempo. É uma convenção que se aceita facilmente, assim como, quando assistimos às séries de reconstituição histórica que hoje estão sendo produzidas em grande escala, tanto para a TV como para o cinema. Do mudo, Hazanavicius condensou personagens, ambientes e situações dramáticas que encarnam o modelo, incluindo aí o cachorro, um recurso bastante usado nos dramas e comédias do período. Basta lembrar Charles Chaplin, por exemplo. Ou então o movimento dos corpos e coreografias que se impõem no início do sonoro. Claro que nessa moldura, cabem citações e homenagens, presentes já nas cenas iniciais, como as da obra-prima do cinema que é Cantando na chuva, de Stanley Donen e Gene Kelly. O artista é, sem sombra de dúvida, uma exaltação do talento presente nas produções mudas, mas não reflete a grandeza da sua invenção. 

A invenção de Hugo Cabret, de Martin Scorsese, é uma criativa aventura no campo da pesquisa sobre a invenção do cinema. Entra na sua engrenagem interna. Aguça a curiosidade. Busca o conhecimento e a emoção em estado quase puro, o deslumbramento. Não apenas as metáforas das janelas para o mundo, mas das mágicas e dos mistérios que as engrenagens do movimento escondem. Todo o interior da estação ferroviária parisiense é um laboratório vivo desse lugar de onde vem o cinema. Mas, Scorsese vai muito mais longe nessa sua preciosa narrativa cinematográfica. Do trem inicial da primeira sessão de cinema dos irmãos Lumière, o estudioso Scorsese repõe para todos nós espectadores o sentido profundo e inventivo do cinema na figura de um de seus pais, George Méliès, incluindo aí a ousadia de torná-lo personagem de seu filme. Assim, A invenção de Hugo Cabret tem o cinema como centro narrativo e tudo que o compõe, enquanto síntese de todas as artes, da literatura à pintura, da arquitetura à fotografia, da dança à música, enfim, do drama à sua encenação. Neste filme, Scorsese foi mestre do cinema.

* Miguel Pereira é  professor da PUC-Rio e crítico de cinemaLeia também Scorsese faz uma singular declaração de amor ao cinema e Oscar consolida diluição de fronteiras cinematográficas.