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Rio de Janeiro, 13 de outubro de 2024


País

Ouro em sobrevivência, atleta recorda massacre de Munique

Clarissa Pains - Da sala de aula

17/01/2012

 Arquivo Pessoal

Aquela era para ser a primeira noite de descanso do israelense Shaul Ladany após competir na caminhada de 50 quilômetros na Olimpíada de Munique. Ele foi dormir às 2h do dia 5 de setembro de 1972 no apartamento 2 do prédio da delegação de Israel. Três horas mais tarde, foi acordado por outro integrante da equipe com a notícia de que um dos treinadores, Moshe Weinberg, havia sido morto por árabes encapuzados.

– Achei que fosse brincadeira, mas meu colega já estava sentado na cama se vestindo. Ingênuo, eu fui até a porta da frente do apartamento e a abri. Vi um dos terroristas em frente ao apartamento 1 falando com um grupo de guardas desarmados. Imediatamente, fechei a porta e subi para o segundo andar, onde os outros cinco atletas do alojamento já estavam completamente vestidos. Naquele momento, decidimos sair pela porta de vidro dos fundos, que levava ao terraço, que, por sua vez, dava para o gramado do lado de fora do prédio – lembra.

 Arquivo Pessoal Como Ladany ainda “tinha” de vestir o uniforme da delegação por cima do pijama, foi o último a sair do apartamento. Porém, em vez de deixar o prédio, percorreu o terraço até chegar ao quarto do chefe da missão israelense, Shmuel Lalkin. Ao ser alertado, Lalkin telefonou ao Comitê Olímpico e aos jornalistas israelenses que cobriam os Jogos. Depois, os dois deixaram o prédio juntos. Andaram pelo gramado até encontrarem guardas armados que os escoltaram até a sede da Vila Olímpica.

Foram onze israelenses mortos, entre atletas e treinadores, no que ficaria mais tarde conhecido como Massacre de Munique. Na modalidade sobrevivência, não faltou treino para Ladany. Nascido em Belgrado, na Sérvia, em 1936, escapou da morte pela primeira vez aos 5 anos, quando teve a casa bombardeada. Ficou escondido num monastério em Budapeste, na Hungria, até que, aos 8, foi levado para o campo de concentração de Bergen-Belsen, na Alemanha. Seis meses depois, um acordo entre o regime nazista e o movimento sionista permitiu a alguns prisioneiros, incluindo o menino, deixar o campo e seguir para a Suíça. Antes, Ladany chegara a entrar em uma câmara de gás, mas foi poupado.

“Eu me lembro de cada dia dos seis meses que eu passei em Bergen-Belsen (...). Das chamadas de horas e horas, das cercas de arame farpado, dos soldados alemães errando as somas de vivos e mortos”, escreveu Ladany na autobiografia "King of the Road", publicada originalmente em hebraico em 1997 e traduzida para o inglês em 2008.

Ele ainda lutou na Guerra dos Seis Dias, em 1967, e tangenciou a morte, já pela quarta vez, como maratonista olímpico, 40 anos atrás. O grupo terrorista Setembro Negro, dissidente do Fatah, expôs a falta de segurança da Vila Olímpica e a usou como palco para publicidade da causa palestina. “Politicamente, o Massacre de Munique foi um sucesso”, afirma Arthur Bernardes, professor de Terrorismo Internacional da PUC-Rio. “Até o 11 de setembro, nenhum atentado havia sido tão difundido quando o de 1972. Ali, os palestinos foram postos à força na agenda mundial”.

Crítico ferrenho da polícia alemã da época – pela desastrosa tentativa de resgate, que culminou na morte dos reféns –, Shaul Ladany também desaprovou a decisão da então primeira-ministra Golda Meir de convocar os sobreviventes de volta a Israel. “Não devíamos ter voltado para casa, não devíamos ter feito o que os terroristas queriam”, diz. Para Leonardo Paz Neves, coordenador do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), um dos principais legados do ataque foram as divisões antiterroristas criadas por vários países da Europa nos anos que se seguiram.

A última imagem da maioria dos atletas mortos no massacre foi feita na noite do dia 4, horas antes do atentado, quando toda a delegação de Israel posou para uma foto no intervalo da peça israelense Um violinista no telhado. Na imagem, o homem barbado de pé, no centro, é o ator Shmuel Rodansky. À esquerda dele, de óculos, está Ladany.

 Divulgação Duas vezes atleta olímpico (1968 e 1972), 28 vezes campeão da caminhada nacional de Israel, e detentor do recorde mundial de 50 milhas desde 1972, Shaul Ladany, hoje aos 75, continua um fenômeno da caminhada de longa distância. Desde o 50º aniversário, comemora a data percorrendo um quilômetro para cada ano de vida. Em 2006, se tornou o primeiro homem acima de 70 anos a completar a caminhada mundial de 100 milhas em menos de 24 horas, em Ohio, nos Estados Unidos.

Ladany construiu, simultaneamente e com sucesso, duas carreiras. Uma nas pistas; outra, na academia. Hoje professor emérito de Engenharia da Universidade Ben-Gurion do Negev, ele tem oito patentes em seu nome e treze livros publicados.

A próxima etapa em sua longa caminhada é a superação do câncer de pele que desenvolveu há alguns anos. Para reduzir a exposição ao sol escaldante da cidade de Omer, onde mora com a mulher, Shosh, e dois cachorros, ele treina dentro de casa, em uma pista circular de 25 a 30 metros formada por carpetes.

– Estou criando problemas para todos os psicólogos: eu não tenho traumas! Pelo menos, não estou ciente deles. Talvez tenham tido algum impacto em mim, mas eu não percebi e não estou em busca disso. Em inglês, costumam dizer “I could not care less about it” (“eu não poderia me importar menos”).