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Rio de Janeiro, 5 de novembro de 2024


Esporte

Futebol brasileiro dribla tradição do mercado europeu

Caio Lima e Sofia Miranda - Do Portal

20/12/2011

 Arte: Monalisa Marques

O jovem Neymar, do Santos, parece ser o símbolo de uma nova era para o futebol brasileiro. Com grandes times, como Real Madrid e Barcelona, disputando o craque em seus elencos, Neymar optou por continuar no Brasil até a próxima Copa do Mundo, que aqui será disputada, em 2014. Na opinião de especialistas, o mercado brasileiro aquecido, somado ao agravamento da crise econômica no continente europeu, tem sido determinante para a permanência dos protagonistas da bola no país do futebol.

O jogador Fellipe Bastos, volante do Vasco da Gama, emprestado pelo Benfica de Portugal, afirma que, apesar do sonho de jogar em outro país, muitos jogadores estão voltando para o Brasil porque o mercado nacional de futebol está abrindo novas possibilidades.

 Divulgação: Marcelo Sadio/www.vasco.com.br – Quando eu jogava no Belenenses, também de Portugal, vários companheiros de equipe ficaram sem receber salário durante seis meses, pois a crise já tinha se instalado. Comigo não foi assim porque eu era emprestado do Benfica. Acho que, de alguns anos para cá, o futebol brasileiro melhorou tanto técnica como economicamente. Os clubes daqui estão oferecendo salários iguais e melhores que os times médios europeus, então, muitos jogadores preferem ficar aqui no Brasil, perto da família. Eu estou muito feliz no Vasco – explicou Fellipe, que, aos 21 anos, já passou por Botafogo, PSV Eindhoven, da Holanda, Benfica e Belenenses, de Portugal, e Servette, da Suíça.

Para Kléber Leite, ex-vice-presidente do Flamengo, a crise europeia pode ter influenciado na última janela de transferências de jogadores do Brasil para o velho continente, pois não houve tanta procura. Mas ressalva:

– Os clubes europeus teriam ido com mais sede ao pote, mas isso não ocorreu porque este estava mais vazio, ou seja, havia menos jogadores interessados em sair do país. O panorama da economia do Brasil mudou. Não há sentido em que alguns jogadores brasileiros se transfiram para a Europa se estão ganhando o mesmo salário em seu país de origem.

Para exemplificar a mudança no futebol brasileiro, Leite lembra que nem se compara o salário do ex-jogador Zico na sua época de Flamengo com o que ganha Neymar hoje no Santos. Ao analisar a permanência do craque, Leite afirma que é “muito mais fácil” manter um jogador como o camisa 11 santista do que qualquer outro jogador considerado mediano.

– Ninguém do elenco santista, por exemplo, teria o apoio financeiro que conseguiram para o Neymar – ressalta.

Por outro lado, existem os jogadores que já ganham aqui o que os clubes europeus não aceitariam pagar, de acordo com a qualidade do jogador. Essa é a opinião do jornalista Marcos Vinícius Pinto, chefe de reportagem de Esportes da rádio CBN, que usa o exemplo do lateral-esquerdo Cortês, em negociação para ir do Botafogo para o São Paulo:

– Ele não quis se transferir para a Itália. Isso porque, no início do ano, ganhava R$ 8 mil, e no final do ano passou a receber R$ 120 mil. Acredito que nenhum clube europeu pagaria isso ao Cortês.

O jornalista Paulo Julio Clement, editor do jornal esportivo Marca e ex-assessor de imprensa de Ronaldo Fenômeno, concorda que, com o bom momento da economia, os clubes brasileiros estão mais ricos e os contratos de marketing pagando melhor. No entanto, ele afirma que ainda é precipitado considerar que jogadores, de fato, estejam preferindo ficar no Brasil.

– Maior exemplo disso é o Paulo Henrique Ganso, que não faz questão nenhuma de esconder o desejo de jogar na Europa – lembra.

O jogador Roni Carlo Temporini, de 19 anos, hoje zagueiro dos juniores do Vasco da Gama, recorda o ano que passou no italiano Catania, de onde não queria ter saído:  Sofia Miranda

– Quando fui para a Itália, eu não conhecia nada. A adaptação é complicada. Cheguei lá sem falar uma palavra de italiano. É difícil ficar longe da família e de casa, mas é muito bom jogar fora porque abre novas possibilidades para o jogador, que recebe mais propostas. Eu e meu empresário não conseguimos o documento necessário para permanecer na Itália, o que foi uma pena, porque eu queria continuar jogando – contou Roni.

O agente de jogadores da Brazil Soccer Eduardo Uram acredita que o atual momento é uma questão “conjuntural” entre a situação europeia e brasileira:

– Existe um aquecimento do mercado brasileiro pela Copa do Mundo e pelo próprio crescimento da economia no país em conjunção com uma crise em outros mercados, principalmente em europeus como Espanha, Itália, Grécia, Portugal e até Japão, após o terremoto no início do ano. Por outro lado, mercados emergentes com poder de compra como o Leste Europeu, Ucrânia e Rússia, e os países árabes também estão florescendo.

Yurhi Almeida vivenciou a crise econômica de Portugal, em 2009. Ele jogava pelo Aliados Futebol Clube de Lordelo, da terceira divisão. O clube, com problemas financeiros, o dispensou, e ele teve que retornar ao Brasil.

 Arquivo Pessoal  – Eu tinha contrato até o final do ano. Em novembro, eles me chamaram para falar que a empresa madeireira que patrocinava o clube tinha falido e que estava difícil manter mais de um estrangeiro no time, com moradia, alimentação e outras coisas. Voltei para o Brasil e joguei na Cabofriense. Este mundo do futebol é difícil. Se eu não conseguir nada até o ano que vem, pretendo seguir na área de fisiologia – relata Yurhi, de 21 anos, que hoje joga pelo Rubro, da terceira divisão do Campeonato Carioca, e faz faculdade de educação física.

Comparando o boom de jogadores indo para o exterior, no fim dos anos 1980 e início dos 1990, com o momento vivido hoje, Uram lembra que, além dos clubes brasileiros não pagarem os salários em dia, outros fatores são determinantes para a mudança do cenário:

– Não havia o euro, e o dólar muito valorizado prejudicava os brasileiros. Também tínhamos inflação alta, ou seja, o jogador combinava um salário e, no final do mês, valia 30% menos, e no final do contrato já não valia nada.

Projeções

Alguns dos especialistas ouvidos pelo Portal apresentam suas opiniões quanto ao futuro do futebol brasileiro. Kleber Leite, por exemplo, se mostra otimista quanto à próxima década:

– O tom será dado pela economia brasileira. E nisso eu sou muito otimista. Acho que teremos uma batida segura ao longo do tempo. Cada vez mais teremos jogadores de alta qualidade jogando nos gramados do Brasil e por mais tempo. Muitos deles chegarão à conclusão de que não há muitas vantagens, ou até nenhuma, em se transferir do Brasil.

Já Clement acredita na possibilidade de um futebol brasileiro mais sul-americano:

– O clube brasileiro que tiver um bom campo de observação na América do Sul poderá pegar bons jogadores a um bom preço e reforçar seu elenco com qualidade.