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Rio de Janeiro, 12 de dezembro de 2024


Mundo

Colheita de Primaveras depende de renovações políticas

Tiago Coelho e Thaís Bisinoto - Do Portal

20/12/2011

 Arte: Jefferson Barcellos

O ano de 2011 ficará marcado pelas manifestações de contestação que assinalam as mudanças pelas quais passa o cenário político e econômico internacional. Os protestos no Oriente Médio e no norte da África contra os desmandos de governos autoritários na região – chamados de Primavera Árabe – e as “ocupações” que se espalharam pelo mundo ocidental alertando contra a “ganância corporativa” evidenciam transformações cuja complexidade, observam os analistas, diculta a projeção das consequências para o xadrez internacional.

Marcada pela participação dos jovens e a utilização intensa de mídias sociais, as movimentações nas ruas de países islâmicos completam aproximadamente um ano, desde que o jovem tunisiano Mohamed Bouazizi, desempregado, ateou fogo ao próprio corpo, desencadeando a crise que derrubaria as ditaduras de Líbia, Tunísia, Egito e Iêmen. O cientista político e professor da PUC-Rio Eduardo Raposo reconhece a importância dos movimentos para a libertação dos povos árabes dos ditadores, mas alerta para as incertezas da Primavera Árabe quanto aos grupos que assumiram o poder:

– A expectativa da comunidade internacional é saber o desfecho desses movimentos. Que grupos vão hegemonizar este processo e que tipo de sistema político vão implantar? – questiona – Isto não está claro ainda. O desfecho depende de um prazo mais longo. Grupos militares, religiosos, todos esses elementos, ainda estão se posicionando neste tabuleiro político – observa.

O professor do Instituto de Relações Internacionais da PUC-Rio Márcio Scalércio, especialista em guerras e Oriente Médio, reitera a nebulosidade do futuro político da região. Ele prevê um 2012 "cheio de incógnitas", a começar pela configuração de poder na Síria:     

– Há um processo político em andamento na Síria que ninguém sabe no que vai dar. O governo sírio exibe grande capacidade de reprimir as manifestações e não fazer qualquer tipo de concessão, e a possibilidade de intervenção internacional ainda se mostra muito difícil.

A mesma incerteza se aplica para o Egito, na opinião de Scalércio. Ele acredita que os egípcios estão sob influência americana, o que "pode gerar outras manifestações", mas prematuro projetar como o processo político vai se resolver.

– As eleições em andamento no Egito têm mostrado importante destaque dos islâmicos. Toda a questão política do país está controlada pelos militares, o que quer dizer que tem dedo dos americanos, pois eles são grandes aliados. Isso gera manifestações contrárias – explica – Não sei como o processo político no Egito vai se resolver, mas sei que tem importância estratégica no contexto político do mundo árabe como um todo – enfatiza.

Ainda de acordo com Scalércio, o Iraque é outro ponto de interrogação no cenário político árabe. Embora o professor considere "difícil" um prognóstico sobre a organização do país com a saída das tropas americanas, ele antecipa que será "muito complicado" o Iraque tornar-se uma federação, pois nunca houve conciliação entre os grupos do país –sunitas, curdos e xiitas. O analista acrescenta que a "política intransigente do governo de Israel" poderá contribuir para isolar o país na região.

Baque econômico vai influenciar a eleição americana, diz professor

Os ventos da mudança sobre o Ocidente atingem o sistema financeiro, as grandes corporações  e os governos que cortaram gastos públicos para conter a crise detonada em 2008. O touro de Wall Street, símbolo do vigor do mercado financeiro, viu-se combalido pela oscilação das bolsas e pelos 5 mil que marcharam até o centro financeiro do mundo. No movimento conhecido como Ocupe Wall Street, manifestantes acamparam diante dos arranha-céus que abrigam instituições responsabilizadas pelo freio ecômico que contaminou também a Europa. Raposo lembra que a crise é consequência do excesso de otimismo, ou de irresponsabilidade, convertido numa bolha de crédito:

– A crise econômica que assolou a Europa Ocidental e os Estados Unidos é um desdobramento da crise de 2008. Veio do excesso de otimismo, que se traduziu num excesso de crédito. A economia não cresceu tanto quanto se esperava, produzindo uma bolha de crédito. Agora estes países estão com dificuldade em fazer ajustes fiscais. Ajuste fiscal sempre é dramático.

As consequências da ocupação de Wall Street afetarão diretamente as eleições americanas, acredita Scalércio. Ele avalia que muitos eleitores de Obama estão decepcionados com o governo. A "sorte" do atual presidente, diz o especialista, seria enfrentar um canditato republicano "muito ruim":

– Quanto piores (os candidatos republicanos), melhor para os democratas – ironiza – Tudo indica que é isto que irá acontecer. 

Assim como a Primavera Árabe, o movimento no coração financeiro dos Estados Unidos também se alastrou e inspirou os “indignados” em Berlim, Londres, Atenas, Sidney, Madri, onde a crise contabiliza um número de desempregados superior a 10 mil; e até no Brasil, onde, apesar da expansão de postos de trabalho, jovens aderiram à onda contestação, nas ruas de São Paulo, Rio de Janeiro e Recife. Descontadas as projeções alarmistas, algumas apocalípticas, 2012 insinua-se um ano de balanço dessas manifestações, ponderam os especialistas. Seus impactos concretos somam-se à extensão da crise econômica para se depurar a nova silhueta mundial.

Cronologia dos movimentos da Primavera Árabe e das Ocupações

Primavera Árabe

 Arte: Thaís Bisinoto

Tunísia: As manifestações começaram depois do suicídio do vendedor Mohamed Bouazizi, de 26 anos. Ele ateou fogo no próprio corpo, desesperado por ter tido as mercadorias confiscadas pelo governo. Os protestos no país prosseguiram ao longo de janeiro de 2011 e provocaram a fuga do presidente, Bem Ali, para a Arábia Saudita. A Tunísia já foi às urnas depois dos protestos e, em votação disputada, elegeu o partido islâmico moderado, o Ennahda.

Iêmen: Protestos e manifestações populares evoluíram para uma revolta armada no país. O presidente, Ali Abdullah Saleh, anunciou que não tentaria se reeleger em 2013, terminando o mandato de 35 anos.

Egito: Após 18 dias de protestos em massa, o presidente Hosni Mubarak renunciou no dia 11 de fevereiro, dando fim ao mandato de 30 anos. O dia 25 de janeiro ficou conhecido como o “Dia da Ira”. As eleições do país, que só serão concluídas em meados de março, apontam como favoritos a legenda islâmica moderada, a Irmandade Muçulmana, e o partido salafista Al Nour.

Líbia: A guerra civil no país começou com uma onda de protestos contra o ditador Muamar Kadafi, com reivindicações sociais e políticas. Kadafi foi morto com um tiro na cabeça, após ter sido capturado no dia 20 de outubro e torturado por rebeldes.

O premiê do Iraque, Nouri al-Maliki, e o presidente do Sudão, Omar al-Bashir, também anunciaram que não tentarão reeleições – como o presidente do Iêmen –, em 2014 e 2015, respectivamente.

Síria: O país vive um violento conflito entre opositores e apoiadores do regime de Bashar al-Assad, que está no poder desde 2000, quando o pai dele, Hafez, morreu. A ONU contabiliza que mais de c5 mil já morreram nos confrontos no país. Assad, contudo, não dá sinais de que sairá.

Ocupações

Atenas (25/05)

Apesar da ocupação em Wall Street, Nova York, ter tido mais repercussão internacional e influenciado outras cidades, os primeiros “indignados” a promoverem ocupações foram os gregos, na Praça Sintagma, em Atenas, no dia 25 de maio. O ambiente em Atenas ficou dividido entre a ação de grupos pacifistas e grupos radicais que entraram em confronto com a polícia. Entre os motivos da manifestação, estão o desemprego, a privatização e o corte de gastos públicos.

Nova York (17/09)

A ocupação do número 11 da Wall Street, onde fica a sede da Bolsa de Valores de Nova York, a mais importante do mundo, foi deflagrada por 5 mil manifestantes no dia 17 de setembro. O protesto criticava, principalmente, a especulação financeira e a "ganância" do sistema financeiro. A desigualdade social no país também foi lembrada: “os 400 americanos mais ricos tem mais do que 150 milhões das classes menos afluentes”, alertavam os manifestantes.

Londres (15/10)

A ocupação da capital inglesa começou um mês depois da americana, mas mantém-se firme até hoje, ao passo que a nova-iorquina já se esfacelou (ou foi esfacelada). Os manifestantes londrinos planejam seguir com os protestos até a virada do ano. Contam com donativos do público, enquanto montam guarda em barracas sob o inverno.

Roma (15/10)

A Itália, um dos países mais atingidos com a crise financeira, levou mais de 100 mil pessoas aos arredores do Coliseu, no dia 15 de outubro. Revelou-se uma das maiores concentrações desse tipo de movimento. Protestaram contra o sistema coorporativo, o desemprego e o corte no orçamento público. Diferentemente de Londres e Nova York, a ocupação em Roma foi marcada por confrontos. Carros foram incendiados e gás lacrimogêneo, disparado contra os manifestantes. 

São Paulo (15/10)

Apesar de o Brasil viver uma situação econômica melhor do que os Estados Unidos e a Europa, a onda de ocupação também chegou ao país. No dia 15 de outubro, São Paulo seguiu o exemplo de cidades europeias. Manifestantes promoveram, de forma pacífica, o Acampa Sampa, no Vale do Anhangabaú. Rio e Recife acompanharam a iniciativa. A despeito da inspiração europeia, os protestos brasileiros não apresentaram objetivo claro e consensual. Houve quem protestasse por “uma democracia onde não haja líderes e todos participem das tomadas de decisão”. Outros pediam a saída de Ricardo Teixeira do comando da CBF, a descriminalização do aborto e do consumo da maconha, o fim do uso de armas por policiais. Vozes contra o machismo e a homofobia também foram ouvidas.