Caio Lima e Mariana Alvim - Do Portal
20/12/2011Um ano após sua eleição, a presidente da República, Dilma Rousseff, fecha 2011 dando continuidade a políticas sociais e econômicas de seu antecessor e padrinho político, Luiz Inácio Lula da Silva, e ao mesmo tempo se distinguindo pelo pragmatismo no modo de governar. No âmbito interno, o governo foi marcado pela demissão de sete ministros, seis dos quais por denúncias, além de um oitavo atualmente sob suspeição, porém sem apresentar grandes arranhões na imagem política. No cenário internacional, o país teve a oportunidade de se posicionar sobre grandes eventos, como a Primavera Árabe e a crise européia. Economicamente, o país avançou. Analistas ouvidos pelo Portal fazem um balanço positivo deste ano de estreia de Dilma, a primeira mulher a governar o Brasil e a mais bem avaliada pela população nas últimas duas décadas.
De acordo com pesquisa Ibope encomendada pela Confederação Nacional da Indústria e divulgada no dia 16 de dezembro, Dilma conta com a aprovação de 72% dos brasileiros, e seu primeiro ano de governo foi considerado bom ou ótimo por 56% dos entrevistados, acima do registrado por seus antecessores Lula (41% em 2003) e Fernando Henrique Cardoso (17% em 1999). Sua popularidade ainda está distante dos 87% que Lula obteve no final do seu governo, bem avaliado por 83,4% da população, mas os índices vêm crescendo – na pesquisa anterior, foram 71% de popularidade e 51% de aprovação de seu governo.
Especialista em eleições presidenciais, o cientista político Cesar Romero Jacob, diretor do Departamento de Comunicação Social da PUC-Rio, explica a popularidade de Dilma:
– Pegando a pirâmide social, vejo a parte de cima satisfeita, pois ganha dinheiro com a distribuição de renda. Na parte de baixo, as pessoas estão com emprego e usufruem de políticas sociais como o Bolsa Família. Já a classe média, que seria mais sensível ao tema da corrupção, vê Dilma como faxineira, aumentando sua popularidade. Outro ponto importante é que, mesmo com a série de demissões de ministros, nenhum partido saiu da base aliada.
O cientista político Ricardo Ismael, professor do Departamento de Sociologia e Política da PUC-Rio, lembra que a eleição da presidente expressou o desejo da maior parte do eleitorado pela continuidade das políticas sociais. Para o pesquisador, porém, Dilma tem demonstrado uma identidade própria no modo de governar:
– Este ano, com o perfil da Dilma, mais burocrático e voltado para a estrutura administrativa do governo, temos sinais de uma presidente menos tolerante não apenas com o desvio de dinheiro público, mas também com a incompetência de alguns ministérios que não produzem bons resultados.
Jacob destaca como êxito a escalação de funcionários de carreira para vagas na máquina pública, fundamental para torná-la menos partidária e mais profissional. Ele lembra ainda que, na questão da corrupção, o governo está se mostrando preocupado em coibir a má gestão.
– Vejo a Corregedoria Geral da União (CGU) mais forte. O ex-ministro do Trabalho Carlos Lupi, por exemplo, foi denunciado pelo órgão do governo – destaca.
Já para o sociólogo Luiz Werneck Vianna, do Departamento de Sociologia e Política da PUC-Rio, Dilma cedeu excessivamente às pressões políticas neste primeiro ano, e a instabilidade ministerial é resultado dessas concessões.
– A escolha dos ministros acontece por motivos políticos, não pela competência. O que acontece é um presidencialismo de coalizão, em que, por falta de apoio necessário do partido, é necessário fazer alianças. O governo Dilma chegou ao limite desse tipo de governo. Os ministérios viram feudos partidários – critica Werneck.
Politicamente, foi um ano conturbado. Entre junho e dezembro, sete ministros foram exonerados – a maioria por suspeita de corrupção. Antonio Palocci (Casa Civil), Alfredo Nascimento (Transportes), Wagner Rossi (Agricultura), Pedro Novais (Turismo), Orlando Silva (Esporte) e Carlos Lupi (Trabalho) pediram demissão após terem seus nomes envolvidos em esquemas de superfaturamento, desvio e uso indevido de bens públicos. Já o ex-ministro da Defesa, Nelson Jobim, desagradou ao Planalto com declarações polêmicas. Depois de afirmar que votou em José Serra, e não na chefe, em 2010, deu entrevista à revista piauí dizendo que a colega Ideli Salvatti era “fraquinha” e que Gleisi Hoffmann, da Casa Civil, mal conhecia Brasília. Atualmente, nova denúncia abala o primeiro escalão: o ministro do Desenvolvimento, Fernando Pimentel, amigo de Dilma, é cobrado por ter recebido R$ 2 milhões por serviços de consultoria não comprovados.
Para Ricardo Ismael, a ideia de “faxina”, como foi apelidada a série de demissões no governo Dilma, é exagerada. O pesquisador vê o resultado de transformações na própria estrutura do governo:
– Estão em curso três processos: a redução da autonomia dos ministérios, principalmente aqueles sob indicação da base aliada; o ajuste do governo para um perfil mais de Dilma do que de Lula, com substituição de ministros que vieram do último governo e com mais mulheres; e ainda, o enxugamento do número de ministérios, que só vai se confirmar em 2012.
Jacob analisa que o grande desafio do governo Dilma é melhorar a gestão da máquina pública, segundo ele o principal papel a ser cumprido no atual momento do país:
– Desde 1984, temos quatro personagens importantes na história recente do Brasil: Tancredo Neves, peça-chave para negociar a transição da ditadura para a democracia; Ulysses Guimarães, responsável por estabelecer as regras do jogo político; Fernando Henrique Cardoso, que conseguiu estabilizar a economia e criou a Lei de Responsabilidade Fiscal; e Lula, que aliou crescimento econômico com distribuição de renda. Todas essas etapas foram superadas, e agora o desafio do Brasil é melhorar a gestão, ou seja, fazer mais com menos dinheiro, pois há muita corrupção, independentemente do governo.
Em relação ao jogo político dos partidos, Jacob afirma estar havendo um processo de despolarização entre PT e PSDB, pois Dilma reconhece as conquistas do governo FH sem se afastar do ex-presidente Lula que, ao contrário dela, estimulava a disputa entre os dois partidos.
– Dilma não sofre a influência do PT paulista, em que a polarização entre os dois partidos é tradicionalmente mais intensa. A redução da tensão da política interna é interesse de todos, pois ajudaria o Brasil a melhorar sua posição no cenário internacional, e qualquer político tem interesse em ser um político de primeiro mundo – afirma o cientista político.
Werneck Vianna segue na comparação com Lula e a importância do cenário internacional:
– Ela não é carismática e tem um governo mais burocrático que o de Lula, mas de resto há continuidade. O que muda é o mundo: Dilma está com uma bomba que é o contexto internacional, com a crise europeia.
Contexto internacional é oportunidade para país se destacar
O desejo da diplomacia brasileira em tornar o país um ator importante no cenário internacional foi testado com a Primavera Árabe. Com Lula, o governo petista mantinha relações cordiais com governos autoritários, como o de Mahmoud Ahmadinejad. Porém, no ano em que levantes populares derrubaram ditadores históricos, o posicionamento do país foi colocado em xeque, como opina a coordenadora geral do Brics Policy Center, Adriana Abdenur:
– Por um lado, o governo brasileiro reitera sua solidariedade com os povos árabes que buscam alternativas aos regimes autoritários da região. Por outro, rejeita a intervenção com uso da força em casos como o da Líbia e da Síria. O Brasil insiste na necessidade de lidar com a instabilidade na região por meio do diálogo, mas em muitos casos esta visão é pouco realista. Para se tornar um ator importante, o país às vezes toma posições antidemocráticas.
Apesar de ter votado, na ONU, a favor de uma resolução crítica contra o governo da Síria, esta nem sempre foi a posição brasileira em relação às ditaduras em países árabes. Em março, o Brasil, juntamente com Rússia, China, Índia e Alemanha, se absteve em votação pela intervenção de forças da ONU na Líbia. Para Adriana, mesmo tendo optado pela abstenção, a posição não é neutra: na prática, o Brasil teria se alinhado com países não-democráticos do Brics, como a Rússia e a China que, em outubro, também vetaram o uso da força na Síria, no Conselho de Segurança.
Ainda de acordo com a pesquisadora, a Primavera Árabe pode apresentar riscos aos negócios brasileiros na região. Para ela, os países que se aproximam dos grupos democráticos – Estados Unidos e países europeus – têm maior possibilidade de manter relações comerciais com os novos governos. Outra consequência das revoluções, ainda que remota, seria a expansão das revoluções para o continente africano:
– O Jay Naydoo, um ex-ministro do governo Mandela, esteve no Brasil recentemente e falou da hipótese de um “Verão Africano” suceder a Primavera Árabe. Isso teria grandes consequências para o Brasil, já que a política externa da Dilma dá grande importância ao continente africano e o país tem interesses concretos na região.
Em relação à economia, porém, a grande incógnita é a influência da crise europeia. Recentemente, levantamento do jornal O Globo a partir de dados do Banco Central constatou que a oferta de crédito no país diminuiu nos últimos meses. Tanto empresas estrangeiras como bancos pequenos e médios estariam disponibilizando menos capital, como forma de proteção à crise.
Entretanto, o governo reforça o discurso de que o país está preparado para enfrentar a crise econômica, mesmo considerando que consequências negativas são inevitáveis. Neste contexto, o país aproveita para reforçar uma posição de destaque no mundo. Em novembro, na presença da diretora do FMI, Christine Lagarde, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, anunciou que o Brasil concorda em fornecer empréstimo ao FMI para ajudar os países da Zona Europeia. O valor será estipulado pelos Brics antes da reunião do G-20, em fevereiro. Como condição para o empréstimo, Mantega apelou por maior participação de países emergentes no fundo.
Na ocasião, a chefe do FMI elogiou a estratégia econômica do país, baseada em três pilares: metas de inflação, taxa de câmbio flutuante e responsabilidade fiscal. Segundo Christine, a fórmula permite que a economia esteja sólida o suficiente para resistir. Ainda de acordo com a diretora do fundo, o país está protegido pela força do mercado interno e por suas políticas macroeconômicas.
Apesar das perspectivas otimistas, a incerteza sobre o futuro ainda divide economistas. Alguns dizem que a crise europeia fará com que empresas decidam retirar capital do país para reaplicá-los na Europa. Para outros, como o mercado europeu já está muito consolidado, a oportunidade para empresas se manterem ou crescerem estaria nos países em desenvolvimento.
Para a economista Monica Baumgarten de Bolle, professora da PUC-Rio, o contexto econômico atual é mais crítico que o da crise de 2008, quando países como Estados Unidos e China tinham mais espaço para se proteger da recessão econômica, com políticas fiscais e monetárias:
– Não se pode esquecer que naquela altura fomos beneficiados pelas medidas de estímulo dos outros. Acredito que, agora, o máximo que o governo poderá fazer é suavizar os efeitos, usando o mesmo arsenal de 2009: redução de impostos, afrouxamento de crédito, uso dos bancos públicos. Isso significa que não teremos o crescimento de 5% que a presidente almeja. Está mais para 3%.
A taxa de crescimento do país é outro ponto de divergência entre analistas de mercado, economistas e funcionários do governo. O diretor de Política Econômica do Banco Central, Carlos Hamilton Vasconcelos, anunciou no último dia 12 que o Produto Interno Bruto (PIB) do país deve fechar o ano com crescimento em torno de 3% e 3,5%. Entretanto, a agência de classificação de risco Fitch estima que não passará dos 2,8%. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2010, o crescimento foi de 7,5%, uma recuperação recorde após a crise americana, que levou o PIB brasileiro a fechar 2009 em -0,3%. Em 2008, o crescimento havia sido de 5,2%.
Para Monica, a política econômica brasileira apresenta falhas:
– O governo tem uma visão muito míope do problema. Busca sustentação do crescimento com um modelo de crédito farto e barato e estímulo ao consumo, que já não funcionou nos EUA. Em vez disso, deveríamos estar discutindo como fazer o país crescer de forma sustentada, ou seja, como estimular o investimento em educação e infraestrutura, que tanto limitam o nosso desenvolvimento.
Na opinião de Jacob, o tema mais profundo a ser solucionado no Brasil é justamente a falta de qualidade de educação pública nos ensinos Fundamental e Médio, e a questão mais imediata é a segurança pública.
– No que diz respeito à educação, acredito que ainda não houve avanços neste primeiro ano de mandato. No entanto, vejo Dilma preocupada com a formação de mão de obra qualificada dentro das universidades brasileiras. O projeto Ciência sem Fronteiras levará, até o fim do governo, 100 mil estudantes de graduação para adquirir experiência no exterior. Já na segurança pública, vejo um progresso neste primeiro ano, com medidas de segurança nas fronteiras e qualificação das Polícias Federal e Rodoviária – avalia o cientista político.
Uma das pessoas mais influentes do mundo
Apesar das críticas que recebe em seu país, a imagem de Dilma no exterior é, em geral, positiva. A presidente coleciona capas em grandes revistas internacionais e figura nas listas dos mais poderosos do mundo. As reportagens internacionais costumam destacar o fato de ser mulher, de comandar uma das maiores economias do mundo e de governar com rigor.
Em setembro, Dilma teve a oportunidade de reforçar sua influência ao inaugurar os debates da 66ª sessão da Assembleia Geral da ONU. Foi a primeira mulher a fazer o discurso inaugural na assembleia. Em sua fala, de 20 minutos, Dilma defendeu mais espaço para os países emergentes nos organismos internacionais, como o Conselho de Segurança, o reconhecimento do Estado da Palestina e a maior participação das mulheres nas decisões mundiais.
Dilma clamou pela união dos países na solução para a crise econômica. Diante de mais de cem chefes de Estado, declarou que ainda não há saída para a crise "não por falta de recursos, mas porque os líderes dos países desenvolvidos não têm clareza de ideias e de recursos políticos".
Segundo a revista Newsweek, que dedicou capa à presidente em setembro, o discurso da presidente foi positivo e influente. Com a manchete “Onde as mulheres estão vencendo”, as edições americana e internacional da revista falaram do governo, a história e da vida pessoal de Dilma. A fama de durona da governante foi ressaltada com o apelido de “Dilma dinamite” e com o título da reportagem “Não mexa com a Dilma”.
O poder de Dilma Rousseff já havia sido anteriormente exaltado pela revista Time, em abril deste ano. Ela foi incluída na lista das cem pessoas mais influentes do mundo, ao lado do presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, e da chanceler alemã, Angela Merkel. Todas as personalidades citadas receberam um perfil escrito por outras – o de Dilma foi escrito pela ex-presidente do Chile Michelle Bachelet. No texto, a chilena diz que o Brasil vive um momento de grandes oportunidades e por isso precisa de um líder com “sólida experiência e ideais firmes”. Para Michelle, “Dilma oferece precisamente essa virtuosa combinação de sabedoria e convicção que o país dela precisa”.
O fato de comandar uma grande potência econômica também foi o motivo para que a revista britânica The Economist elegesse Dilma a terceira mulher mais poderosa do mundo e 16ª pessoa mais influente, em novembro de 2010, assim que foi eleita. Este ano, Dilma caiu para 22º lugar no ranking geral, e a reportagem foi sobre a queda de ministros acusados de corrupção. Entretanto, a presidente se manteve no terceiro lugar entre as mulheres mais poderosas, atrás de Hillary Clinton e Angela Merkel.
Para a pesquisadora Adriana Abdenur, o pragmatismo de Dilma é valorizado pela comunidade internacional:
– Há, no momento, bastante entusiasmo pela presidente da parte da comunidade internacional, apesar de ela não ter o carisma de que Lula gozou tanto aqui quanto lá fora. No âmbito internacional, há certo apreço pelo maior grau de pragmatismo na política externa brasileira atual comparada às prioridades do governo anterior. A política externa atual parece se distanciar das iniciativas mais exóticas do governo Lula, como a aproximação com os governos de Chávez e de Ahmadinejad e das críticas aos dissidentes cubanos.
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