O Supremo Tribunal Federal se programa para votar a liberação de manifestações em prol de qualquer tipo de droga. Escorado no princípio constitucional da liberdade de expressão, o desdobramento da permissão da “marcha da maconha” em junho deste ano (o STF reforçou, na quarta-feira passada, a legalidade do protesto) renova discussões cuja complexidade desafia magistrados, jornalistas, parlamentares, acadêmicos: há limites para a liberdade de expressão? Até onde vai a liberdade e onde começa a apologia ao crime, por exemplo?
Para o professor de Direito Constitucional da PUC-Rio Fábio Leite, especializado no tema, a liberdade de expressão é um direito soberano. Na visão dele, críticas e ofensas fazem parte desse princípio, que "deve ser preservado a todo custo".
Já na avaliação da colega Caitlin Sampaio, coordenadora de graduação de Direito da PUC-Rio e também pesquisadora do assunto, “a liberdade de expressão tem limite, como qualquer direito”. O limite, segundo ela, é a "dignidade". Deve-se respeitar "a dignidade de uma pessoa, individualmente, ou de uma coletividade" – o que caracteriza um abuso. Esta avaliação, garante a professora, "não é estritamente subjetiva", e deve ser feita caso a caso:
– Quando há este abuso, a liberdade de expressão deve ser limitada. Não extinta, porque jamais um direito existencial deve ser abolido – ressalva.
Segundo Caitlin, o direito de livre expressão “não é absoluto”. Para sustentar este ponto de vista, ela recorre ao discurso de ódio (hate speech), insulto que diminui o outro, baseado em características pessoais, como cor, raça ou gênero:
– O hate speech é, para muitos juristas, uma forma de se expressar livremente. Eu já acho que não. Considero que a liberdade de expressão é, nesse caso, limitada pela violação da dignidade de determinado grupo – enfatiza.
Fábio Leite discorda. Na opinião do professor, o preço da liberdade de expressão é esse: “aceitar a ofensa, a crítica, o mau gosto”. Ele sustenta, assim, a proteção deste direito a qualquer custo:
– Não há composição possível. Ou se protege a liberdade de expressão, ou não haverá debate, e não haverá democracia. Se você não pode criticar, pois pode afetar a honra da pessoa, então só valem elogios? – argumenta.
Segundo o especialista, não há lei específica de liberdade de expressão no país e o Código Civil é voltado para a tutela de direito à imagem e direito à honra:
– Dependemos muito de como os juízes vão interpretar os casos. Se você verificar quantas decisões no Brasil implicam condenação, você vai ver que não existe liberdade de expressão no país. Raras são as decisões judiciais que a protegem. A maioria condena por indenização – esclarece.
O jornalista e professor Leonel Aguiar, coordenador de Graduação do Departamento de Comunicação Social da PUC-Rio, lembra que a liberdade da imprensa tem limites fincados no Código de Ética dos jornalistas e acredita que a censura prévia não deva existir. Ele considera que a experiência profissional se reflete concretamente no código:
– O modo como o jornalista entende a liberdade de expressão é resultado da cultura profissional que ele tem e que o envolve.
O aluno de cinema da UFF e ativista Fabrício Rodrigues, 22 anos, acredita, ao contrário do que se possa imaginar, que este não é um direito absoluto. Ele diz que "protestar não se resume a isto":
– Protestar não é só exercer a liberdade de expressão. Não é só dizer o que acha. É mais, no sentido de estabelecer algum conceito, com uma inquietação que se tenha – teoriza Fabrício, que, por "princípios políticos", participou de uma ocupação da universidade.
Sobre a possibilidade de o Supremo liberar os protestos em prol da legalização de qualquer tipo de droga, Fabrício considera “perigosa”. Ele pondera:
– É necessário entender que este direito está fundado dentro de direitos maiores, os direitos humanos – acrescenta.
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