Na Cinelândia, palco de manifestações históricas, novos rostos se destacaram entre as 2,5 mil pessoas reunidas, segundo estimativa da Polícia Militar, nesta terça-feira (20), para o ato contra a corrupção combinado pela internet (veja mais fotos). Embora a quantidade pareça decepcionante comparada aos 35 mil mobilizados no Facebook, os calouros em protestos públicos oxigenam o engajamento político e espantam o fantasma do conformismo. Entre as vozes que cobram mais rigor na faxina da presidente Dilma Rousseff – cuja “limpeza” mais recente foi a troca, no Ministério do Turismo, de Pedro Novais (PMDB-MA) por Gastão Vieira (PMDB-MA), mais um indicado pelo senador José Sarney –, os jovens ressaltam o crescimento das redes sociais na luta por avanços democráticos.
Para a cientista política Maria Celina D'Araújo, professora do Departamento de Sociologia e Política da PUC-Rio, a manifestação representou um "despertar", principalmente em razão dos R$ 40 bilhões desviados de 2002 a 2008, segundo cálculos do economista Marcos Fernandes da Silva, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), com informações oficiais.
– Trata-se do acordar da sociedade, que andava meio desacordada, com certo discurso ufanista. Não dava atenção a problemas graves como a corrupção. A corrupção era banalizada, como parte da cultura brasileira – identifica.
Incentivada pelas aulas da professora de política Ana Paula Gomes, a estudante de jornalismo da PUC-Rio Laetizia Giudicelli (foto), de 21 anos, considera a sua participação na passeata um "marco" para o início de uma fase como "cidadã mais participativa". Acompanhada de Laura Marques, de 25, já habituada ao engajamento cívico, Laetizia saiu de Copacabana para juntar-se ao coro de 2,5 mil vozes clamando pela faxina política.
Para Laura, iniciativas do gênero indicam que há certo preconceito com a atual geração ao julgá-la como "conformista". Ativista de primeira viagem, Laetizia já programa os próximos passos:
– Na próxima manifestação, levarei vassoura, tinta etc., e ainda puxarei alguns amigos comigo.
Com tintas das cores preto e vermelho no rosto, o músico Erick Alves, de 20 anos, e o digitador Miguel Tavi (foto), de 21, poderiam ser identificados como os novos caras-pintadas. Pagaram R$ 2 pela "maquiagem". A intenção, conta Erick, era comprar nas cores verde e amarelo, para "exaltar o patriotismo", mas a loja não tinha. Os tons da bandeira do Flamengo foram a solução:
– Preto pelo luto, pela indignação. Vermelho no nariz, porque o povo é feito de palhaço – explica.
Eles adiantam que, na próxima vez, levarão os fãs da banda da qual Erick participa. “Cada um trará mais alguém também”, anima-se o músico. O amigo Miguel foi um dos milhares de jovens que combinaram pela rede social Facebook. Confessa que esperava um número maior de manifestantes na Cinelândia, considerando os 35 mil que se mobilizaram via internet. Morador de Cordovil, Zona Norte do Rio, Miguel acredita que muitos deixam de participar de protestos devido à falta de informação.
Já a secretária Cláudia Vieira, de 20 anos, alerta para a crença de que a internet pode substituir a mobilização física. Na opinião dela, a voz das ruas sempre terá um peso significativo, não raramente decisivo, para o avanço democrático.
Havia ali na Cinelândia a pluralidade e a liberdade imprescindíveis à democracia. Aos universitários, profissionais liberais, artistas, bombeiros reunidos no tradicional espaço de manifestações públicas no Centro, juntaram-se estudantes do ensino médio. Os alunos do Colégio Cruzeiro Gabriel Delorme, de 17 anos, Guilherme Giglio, de 19, e Hugo Ferreira, de 16, foram reforçar a insatisfação da sociedade quanto à corrupção que, lembra Hugo, "afeta o bolso de todos".
Depois da prova sobre fundamentos de enfermagem, as estudantes Caroline Felix, de 17 anos, e Maise Melo, de 18, (foto) encararam ônibus, trem e metrô até a estreia em protestos públicos. Vestidas a caráter, com blusas "contra a corrupção" feitas sob encomenda e acrescidas de adesivos distribuídos no local, confessam que não sabem de quem herdaram o engajamento:
– Também distribuímos panfletos a amigos chamando para a manifestação. Alguns se interessaram, só que depois desistiram – lamenta Caroline.
Segundo ela, os colegas de turma "não entenderam" o tamanho interesse cívico. Maise lembra que é importante "desenvolver desde cedo o compromisso com a sociedade".
– Somos o futuro do país, não podemos deixar os políticos pisarem na gente. Não só os políticos, é claro – ressalta a estudante.
Caroline e Maise cobram, além da faxina contra a corrupção, mais investimentos para a Saúde. Já o vestibulando Gabriel Santos, de 19 anos, preocupa-se com a área em que pretende atuar: judiciária. Para ele, a garantia de justiça e dos direitos dos cidadãos exige também um melhor desempenho dos tribunais. Na opinião dele, a aproximação com as redes sociais, como o Facebook, é essencial para ampliar a visibilidade das demandas populares.
O estudante de ciências sociais Lucas Bártolo, de 18 anos, ressalva que parte dos que se dizem contra a corrupção é tão corrupta quanto os criticados. Ele concorda que a internet pode ser uma aliada para identificar desmandos e cobrar soluções. O amigo Paulo Favale, de 17, lembra que, como na Líbia e no Egito, as redes sociais assumem importante papel na divulgação de protestos populares. Paulo assegura que participará da próxima manifestação contra a corrupção no Rio, programada para o dia 12 de outubro.
O estudante lamenta, no entanto, a "omissão" de entidades como União Nacional de Estudantes (UNE). Maria Celina destaca a importância de uma participação mais ampla para o debate em busca de uma sociedade mais justa:
– A UNE e as centrais sindicais, como Central Única dos Trabalhadores (CUT) e Comando Geral dos Trabalhadores do Brasil (CGTB), permanecem surdos e mudos; sem papel ativo. Isso não favorece o debate.
Com cartaz feito em casa, em Niterói, a família Botelho levou ares paternais à manifestação política. A sugestão de participar do ato na Cinelândia partiu da estudante de medicina Larissa Botelho, de 21 anos, e foi seguida pelo tio Silvio Botelho, que levou a filha Luiza Botelho, de 14 anos. Foram todos "demonstrar a insatisfação com a corrupção".
Larissa conta, porém, que os amigos de faculdade se mostram "conformados facilmente", e não quiseram acompanhá-la. Assim como a descrença na política, ela acredita que os lugares escolhidos para os protestos podem dificultar a adesão de jovens. "Não foi o caso desta vez", ressalva.
* Com colaboração de Gabriel Picanço
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