Ivan Clavery * - Da sala de aula
22/09/2011As relíquias do operário licenciado José Sérgio Machado ficam guardadas em quatro pastas escolares verde-amarelas. Dentro delas estão guardados, de maneira desorganizada, recortes de jornais e revistas de 1985 até 2011. Um tema prevalece: notícias sobre o paradeiro de militares, guerrilheiros, sindicalistas e outros personagens da ditadura militar brasileira. Criticar entusiasticamente esse período conturbado na história do Brasil é algo que orgulha José Sérgio. O operário considera-se um homem da geração contestadora de 1968. “Essa época está dentro de mim”, diz. Só um outro assunto o deixa tão excitado: sua volta ao Ensino Médio, depois de mais de 30 anos.
José Sérgio tem média altura, é magro, de pele morena e barba desgrenhada. Aparenta mais que seus 55 anos. Está afastado do trabalho desde dezembro de 2009, por dores agudas nas costas. Passou todo 2010 em casa, sem atividades, fato que o deixou aflito, além de causar desentendimentos com a família. Acreditou que era tempo de solucionar uma das carências que mais o deixavam insatisfeito e, no começo do ano, inscreveu-se numa escola pública, onde hoje estuda com alunos de 15 anos. Seu plano é fazer vestibular para História daqui a três anos e especializar-se no tema que pesquisa há tanto tempo: o período brasileiro de 1964 a 1985.
Quando não está na sala de aula, José Sérgio é encontrado, na grande maioria do tempo, numa casa de classe média baixa localizada no bairro Retiro, em Volta Redonda. Na sala pouco mobiliada da residência, destacam-se dois quadros com fotos de Che Guevara e Carlos Marighella. O operário pode passar vários minutos discursando sobre a vida dos dois personagens, que considera heróis só comparados a Jesus Cristo. Retiro é grande em extensão, habitado em sua maioria por operários da siderúrgica CSN, empresa inaugurada em 1946 com investimentos norte-americanos. A gigantesca CSN é avistada de praticamente todos os cantos de cidade. Seu barulho é ininterrupto.
De 1977 até 1989 José Sérgio foi um dos operários da empresa símbolo da cidade do aço. Participou ativamente do Movimento de Emancipação do Proletariado (MEP), uma das organizações de esquerda na luta contra a ditadura. Foi atuante até 1984, quanto uma greve geral parou completamente a siderúrgica por cinco dias. O desenrolar da greve ainda o incomoda.
– Eu era do comitê de greve. Foi nessa época que recebi ameaças – explica. – Mandaram cartas. Uma delas dizia assim: “Beco sem saída. Polícia abre”. Olha bem, me convidando para a delação, tá entendendo?. Ao falar nesse assunto, o já ansioso José Sérgio fica mais agitado: – A carta seguia: “Revisão geral. Combate aos cupins. Pra quem pode bota fora”. Para eu deixar o país, me mandar – continua. – Depois recebi outra que veio no destinatário colado: “presentinho”. Aí eu fiquei cabreiro. Quando vi pela janela o envelope enfiado, puxei devargarzinho. Pensei que era um explosivo plástico, mas não era – conta inquieto.
Em outro dia, um opala preto ficou parado a dois blocos da sua casa. Um homem veio até a porta, apresentou-se como amigo do operário e pediu para entrar e pegar alguns documentos.
– Minha mulher falou que eu não estava. O cara perdeu a linha: ‘Fala pra ele que eu vou matá-lo’. Aí eu me afastei. Não de medo – afirma. E, revoltado, desabafa: – Via, dentro da minha própria militância, a safadeza. Eu tô aqui expondo minha família e todo mundo de safadeza? Hoje vejo os caras do meu movimento, daquela época, todos bem de vida.
A revolta do operário com o movimento sindical é grande. As críticas a antigos companheiros são frequentes e, em sua opinião, o primeiro operário presidente fez um péssimo governo: “Lula é um traidor”.
José Sérgio ainda estava na CSN na greve geral de 1988, mas não atuou com tanta intensidade nesse momento. A partir de 1989 peregrinou, trabalhando em São Paulo, Paraná, Bahia e Niterói, onde estava quando precisou se afastar. Quando podia retornava a Volta Redonda, mas os longos períodos de ausência deterioram sua relação com a mulher, Maria Aparecida Machado, e com sua família.
– Algumas vezes eu propus para minha mulher ir embora comigo. Ela não quis, e hoje nossa relação esfriou – diz.
José Sérgio Machado Junior, filho do operário, se formou em Comunicação Social na PUC-Rio pelo ProUni, mas voltou para Volta Redonda, onde procura emprego. Para Junior, seu pai não conseguiu se adaptar à vida familiar desde que se licenciou.
– Ele teve muitos problemas de adaptação com a família, com minha irmã que teve um filho – diz. – O ambiente do trabalho do meu pai não era um ambiente muito sociável, e isso levou a problemas de adaptação.
A filha de José Sérgio, Isabela Machado, mora com o pai e tem um filho de 1 ano. As críticas do operário são duras.
– Não é que o neto seja mal-vindo. Mas a minha filha abandonou o estudo, a faculdade, atrapalhou a vida dela. Não posso ficar feliz com isso. Ela sabe o que eu penso sobre o assunto.
Isabela tenta compreender as críticas do pai: “Ele passou por um momento difícil, e amor ao neto é o que não deixa faltar”.
José Sérgio espera conseguir aposentadoria quando retornar da licença. Entretanto, sua maior esperança é outra:
– O que melhorou para mim foi a perspectiva de estudar. O curso de História me daria mais subsídios, para eu continuar na minha luta.
* Texto produzido para a disciplina Laboratório de Jornalismo Impresso, ministrada pelo professor Arthur Dapieve.
Analistas pregam transigência para resguardar instituições
"Pará é terra onde a lei é para poucos", diz coordenador do CPT
Sem holofotes do legado urbano, herança esportiva dos Jogos está longe do prometido
Rio 2016: Brasil está pronto para conter terrorismo, diz secretário
Casamento: o que o rito significa para a juventude
"Jeitinho brasileiro se sobrepõe à ideia do igual valor de todos"