A luta de João Goulart em defesa das instituições foi um dos motes do seminário Jango: A conspiração do silêncio, realizado na última quinta-feira (15), no Instituto Cultural Cravo Albin, na Urca. O encontro, marcado para lembrar os 50 anos da posse do ex-presidente, reuniu cerca de 60 pessoas, entre familiares e ex-colaboradores como Waldir Pires, consultor-geral da União no período de Jango, e Wilson Fadul, seu ministro da Saúde, além da viúva de Jango, Maria Thereza Goulart, que recebeu uma homenagem do instituto.
– João Goulart lutava para salvar as instituições, que, para mim, é o mais importante. As pessoas passam, mas as instituições devem permanecer, pois são elas que fazem com que a história exista e todos os cidadãos possam respeitá-la – defendeu Fadul, que abriu o encontro falando de sua relação com o presidente.
Waldir Pires destacou ainda o “espírito nacionalista” de João Goulart em relação aos interesses do país, lembrando como o ex-presidente foi importante no decreto do monopólio da importação do petróleo mostrando disposição em defender os interesses nacionais suprimindo as remessas de lucro, “impedindo o jogo de interesse de uma meia dúzia de pessoas incapazes de assumir tal responsabilidade”.
– O golpe foi uma pena, não apenas para as instituições, mas para as gerações deste país, para a juventude. O atraso que o golpe representou na sociedade brasileira é enorme até hoje. O silêncio sobre a vida de Jango é exatamente a forma de escamotear o posicionamento que as forças dominadoras daquele período adotaram para esconder-se da história.
Admirador de Jango, Fadul recordou reuniões e episódios marcantes envolvendo o presidente e seu "caráter digno", que testemunhou ao longo de mais de uma década de convivência. Uma dessas histórias ocorreu em 1953, quando Fadul era recém-empossado prefeito da capital de Campo Grande, Mato Grosso, e recebeu um convite do próprio Jango para uma conversa no Rio de Janeiro. Quando chegou à sede do PTB, Jango lhe informou que, na verdade, era o presidente Getúlio Vargas – que estava em Petrópolis – quem queria falar, a sós, com Fadul. Subiram a serra juntos, conversando sobre amenidades, nada relacionado à política.
– Com Getúlio, a conversa não foi nada satisfatória. Ele me ofereceu o comando de algumas secretarias, inclusive a de Terras, que nas mãos de alguém desonesto era dinheiro fácil. Não aceitei. O interessante nessa história é que, em 11 anos de amizade e contatos diários, Jango jamais veio a mim para perguntar qual foi o teor da conversa. Uma prova do seu caráter discreto – relatou Fadul.
O episódio ficou esquecido por muitos anos, até que teve uma reprise em janeiro de 1954, quando Getúlio foi a Campo Grande para a inauguração do aeroporto local. Fadul relembrou:
– Um homem de Getúlio me informou a intenção dele em ter uma conversa a sós comigo. O teor era exatamente o mesmo do ano anterior. Retirei-me junto com Jango e, mais uma vez, não tocamos no assunto. No entanto, é preciso dizer que reconheço a posição de Getúlio, que pretendia enfraquecer seus adversários.
O ministro disse considerar injustas as acusações de que Jango era um revolucionário e que pretendia dissolver o Congresso. “Pelo contrário, sou testemunha de duas ocasiões em que ele o defendeu e salvou”, afirmou.
A primeira foi após uma conversa particular entre os dois e o general Amaury Kruell. Segundo Fadul, o general informou que, como o governo não iria conseguir implantar as reformas pretendidas, já estava tudo certo dentro da cúpula do Exército para dissolver o Parlamento e convocar de imediato uma Constituinte.
– Jango ficou calado. Quando ficamos a sós, me perguntou o que eu achava da situação. Disse a ele que se tratava de uma loucura, pois havia assumido o poder em nome da legalidade. O Kruell não era político e queria fazer de qualquer jeito. Jango concordou comigo e falou: “O general que assumir o comando demorará 20 anos para sair do poder”. Então, ele defendeu o Congresso e o salvou pela primeira vez – relatou.
A segunda vez ocorreu em setembro de 1962. Jango chamou Fadul ao Rio com urgência e mostrou-lhe um documento assinado pelos três principais comandantes das Forças Armadas, entre eles Jair Dantas Ribeiro, que dizia não ser possível manter a Constituição vigente num território como o Brasil e exigia um plebiscito para o dia 7 de outubro – que seria realizado apenas em janeiro de 1963. “Jango, mais uma vez, defendeu de tal maneira o Congresso que chegou a pedir que seu primeiro-ministro se demitisse para forçar a queda do ministro da Guerra, que se opunha”, destaca Fadul.
Ministro da Previdência no governo Sarney (1985-86), governador da Bahia (1987-89) e ministro da Defesa no governo Lula (2006-2007), Pires disse acreditar que nunca será possível construir uma democracia mundial e plena se não formos capazes de ultrapassar pequenos conflitos de vaidades e forças para organizarmos a sociedade humana dos tempos de hoje. Para o político, passamos por um momento difícil da civilização universal, pois perdemos as condições de estabelecer o conceito do que é uma sociedade democrática, e de ter a coragem de marchar para pensá-la da forma real como precisa ser feita.
– Nós não fazemos sociedade democrática sem vivê-la, e é uma pena que Jango não tenha terminado seu mandato. Ele tinha todas as condições porque era um homem de diálogo, sério e uma personalidade incrível – defende Pires, que, diferentemente de Fadul, só veio a ter um relacionamento pessoal com Jango na época do exílio, em Montevidéu: – Era um homem bom, inteligente, aguçado politicamente.
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