Igor de Carvalho e Monalisa Marques - Do Portal
09/09/2011
Criado nas férias de julho, o aplicativo para Facebook Carrasco/Mamata virou assunto na rede e nos corredores das faculdades ao lançar um banco de dados colaborativo sobre os professores de nível superior. Com a frase de apelo “Vocês (alunos) estão criando a maior base de avaliação de professores do Brasil”, o site, inspirado no americano Rate My Professor e desenvolvido por dois alunos de engenharia da PUC e um da UFRJ, propõe que universitários classifiquem seus mestres em uma das duas categorias. Há dois meses no ar, o site bateu a marca de 30 mil usuários, sendo 10 mil deles nas primeiras 24 horas, e de 32 mil professores e disciplinas cadastrados, de 700 universidades brasileiras. UFRJ e PUC-Rio, instituições onde estudam os criadores do site e avaliadas pelo Enade e pelo Guia do Estudante entre as melhores do país, concentram o maior número de votos – 4.759 e 2.092, respectivamente, na última contagem, no fim de agosto. Embora alunos aleguem usá-lo apenas como diversão e os criadores neguem a intenção de fazer análises profundas sobre educação, o aplicativo faz pensar.
A primeira questão é a dissonância quanto às categorias e seu significado. Um dos idealizadores, Rafael Dahis, aluno de Engenharia da Computação da UFRJ, alega que a escolha foi natural e motivada por expressões já consagradas entre o público-alvo do site:
– Escolhemos os nomes carrasco e mamata porque conhecemos o universo dos alunos de faculdades, e entendemos que os dois adjetivos já fazem parte do vocabulário dos jovens.
Mas, quando se pergunta aos estudantes “O que é carrasco e mamata?”, as respostas são as mais variadas, evidenciando o grau de subjetividade dos nomes escolhidos. Aluno de Engenharia de Controle e Automação da UFRJ, Leonardo Machado atesta:
– É subjetivo. Para mim, carrasco é aquele que tem didática ruim ou um sotaque que ninguém entende, por exemplo. E mamata é o professor que explica bem e tem um sistema lógico de cobrança.
Fosse esta a única interpretação possível dos conceitos, a questão estaria resolvida. Mas grande parte dos alunos ouvidos pelo Portal não pensa na didática ao classificar um professor em uma das duas categorias. Danilo José, de 23 anos, aluno de jornalismo da PUC-Rio, diz encarar o site apenas como diversão, mas considera que também pode ser usado para consulta:
– Se a matéria não interessar e você quiser passar por ela sem dificuldades, você escolhe um professor mamata. Se quiser aprender mesmo, escolhe um carrasco.
Thais Petry, aluna do 4° período de publicidade na PUC-Rio, entrou no site para verificar a avaliação dos docentes que tinha escolhido e também para votar nos seus antigos professores, mesmo após ter feito sua grade para este semestre:
– Achei a proposta do site bacana. Alguns acham que é só brincadeira, mas acredito realmente que possa ser uma ferramenta bastante útil para os alunos.
Já o aluno de economia da UFRJ Mateus Tavares, 20 anos, conta que votou, mas afirma que não utilizou o site como ferramenta de consulta para escolher professores:
– O site só diz se é facil ou difícil de passar na matéria, mas não se o professor é bom ou ruim, se ensina bem ou não.
CONHEÇA O SITE
30 mil usuários cadastrados, 10 mil nas primeiras 24 horas
32 mil professores e disciplinas cadastradas (um professor pode aparecer mais de uma vez no banco de dados, em disciplinas diferentes)
700 universidades
250 mil páginas abertas por usuários
Os criadores do Carrasco/Mamata dizem que a escolha dos nomes não teve intenção pejorativa, alegando que muitos professores não só aceitaram bem a brincadeira como se mostraram favoráveis à criação de mais um canal de feedback das suas técnicas de ensino. Não é o caso de Sergio Mota, do Departamento de Comunicação Social da PUC-Rio. Usuário assíduo de redes sociais, com boa parte de seus contatos composta por ex-alunos, costuma ser bem-humorado em seus comentários no Facebook. Mas enxerga o aplicativo como uma ideia de mau gosto, pelas terminologias escolhidas. Na sua opinião, oferecer apenas duas opções de voto cria uma visão maniqueísta, polarizada entre bom ou mau.
– Além de não ter a menor utilidade, o site só corrobora com o estado deplorável em que a educação se encontra hoje no país. Não é um problema só do professor ou das instituições, mas também dos alunos – afirma Mota, avaliado como “carrasco” em 12 dos 17 votos que obteve no site, alcançando o percentual de 71%.
Doutora em Psicologia Social e ex-coordenadora de Graduação do Departamento de Comunicação Social, função que inclui atender alunos com queixas sobre o curso, a professora Sandra Korman, acrescenta:
– É como se transitássemos da impotência (mamata) para a prepotência (carrasco), enquanto a realidade nos mostra que ninguém é completamente bom ou mau. Reforça a ideia de professores contra alunos, afetando uma relação que deveria ser de vínculo e conhecimento.
Sandra lembra que o aluno que vota o faz motivado por alguma insatisfação. No entanto, ao invés de adotar uma posição crítica diante do problema, o estudante não se coloca como sujeito, depositando no outro (no caso, o professor) suas responsabilidades.
A coordenadora central de Graduação da PUC-Rio, Daniela Trejos Vargas, acredita que o site é válido como espelho da percepção dos estudantes sobre os docentes.
– O que é julgado é o grau de rigor dos professores. Não acredito que nenhum deles vá modificar seu método de avaliação exclusivamente por conta da sua média no Carrasco/Mamata – diz Daniela, que vê como positiva a iniciativa, por refletir a criatividade dos alunos: – Este aplicativo não deixa de ser uma publicidade gratuita para as universidades onde estudam seus criadores.
DEZ UNIVERSIDADES COM MAIS VOTOS
1º UFRJ
2º PUC-RIO
3º UFF
4º UERJ
5º UFRRJ
6º UNIRIO
7º IBMEC-RJ
8º USP
9º UCAM
10º UFPE
O diretor do Departamento de Comunicação Social, professor Cesar Romero Jacob, destaca que os usuários do site são majoritariamente alunos de escolas bem-avaliadas nos rankings do Enade e do Guia do Estudante. Para o cientista político, isso pode ser um sinal de que os estudantes não confiam nos meios institucionais de avaliação do corpo docente.
– A brincadeira tem origem no fato de o aluno não confiar nos sistemas já existentes. Só faz sentido esse tipo de iniciativa se a escola é bem conceituada. Caso contrário, o aluno não vai querer entrar nessa brincadeira, porque desmoralizaria ainda mais a escola mal conceituada. O aluno precisa saber que tipo de universidade quer – afirma.
Romero Jacob conta que, após todo o processo de atualização de equipamentos e laboratórios realizados nos últimos anos, uma das metas para o próximo período do departamento é o de ampliar a qualidade do curso. Segundo ele, o site também pode ser considerado como fonte de informação para essa nova etapa do curso de Comunicação Social.
– O departamento, em dez anos, teve um aumento de mil alunos; passou de 1.200 em 2001 para 2.200 em 2011. Esse site é outra informação que observaremos em relação aos professores que estão sendo classificados como carrasco ou mamata – afirmou, ponderando que é preciso relativizar o poder da internet, onde se pode atacar anonimamente, num clique, uma imagem profissional que demorou anos para se criada: – Um profissional não pode ser desmoralizado por causa de um ressentimento, uma mágoa, uma nota baixa.
Avaliar professores não é novidade. Sempre houve rodas de discussões, seja em comunidades nas redes sociais ou em conversas informais no dia a dia. Ao final de cada semestre, os veteranos viram consultores dos calouros e indicam quais são os melhores professores de cada matéria. É um movimento saudável tanto para os alunos quanto para a instituição, que pode acompanhar (e cobrar) o rendimento de seus docentes.
A avaliação interna da PUC-Rio é exemplo disso. Desde 1991, os alunos são convidados a votar, com notas de 1 a 5, nos professores com os quais tiveram aula durante o semestre (veja as médias desde 2007). São levados em conta quesitos como a assiduidade e compatibilidade das provas ou trabalhos.
Presidente da comissão própria de avaliação e coordenador Central de Planejamento e Avaliação, Luiz Alencar Reis da Silva Mello explica:
– Desde o início, o percentual de alunos que avaliam aumentou de 20% para 65%, o que corresponde a cerca de 8.500 estudantes. Nossa avaliação é muito mais ampla que a desse site, que informa apenas se os alunos acham fácil ou difícil passar na disciplina com o professor, e não tem qualquer controle sobre se os alunos que votam em determinado professor tiveram mesmo aula com ele.
Esta é outra questão a respeito dos dados. Pesquisador e professor de metodologia de pesquisa do Departamento de Comunicação Social da PUC-Rio, José Eudes Araujo Alencar explica que a amostragem alcançada pelo site não tem validade estatística:
– Para ser sério, seria imprescindível a definição de uma amostra tecnicamente compatível com o universo da PUC. Um grupo de 300 alunos, de todos os cursos e todos os níveis sociais, por exemplo. Além disso, qualquer pessoa pode votar, mesmo não sendo aluno.
O professor José Eudes ainda faz uma provocação:
– Imagine se os professores criassem um site classificando os alunos, chamado Bestas ou Bestiais?
Sergio Mota comenta ainda o slogan do aplicativo, “Descubra o que realmente importa sobre o seu professor”.
– Ele reforça o estereótipo do aluno que não está interessado em aprender, mas em ter uma visão pronta e imediata de um professor – critica Mota, lembrando que os conceitos sequer são antônimos. Um “carrasco” é tão ruim quanto um “mamata”, que não cobra nada do aluno em aulas pouco proveitosas.
Na visão do jornalista e professor Arthur Ituassu, o site “toca o alarme” para se definir a função da universidade hoje: “É só ter um diploma e conseguir um emprego, que é uma ideia ruim; ou crescer intelectualmente, ter participação na sociedade, trocar experiências”. Para ele, o aplicativo produz uma forma de interatividade na internet que ele chama de “cérebro de passarinho”, por limitar o raciocínio das pessoas e reproduzir dicotomias simplistas – um problema muitas vezes presente na comunicação, principalmente na internet.
– É algo muito superficial, que trabalha em dois polos muito poucos coerentes – diz o professor, que não vê como a classificação sugerida pelo site possa ser levada a sério: – O aluno que construir sua carreira acadêmica baseado nisso estará sendo equivocado.
Mas a intenção dos criadores foi fazer algo “sério”? Igor Blumberg, aluno de Engenharia da Computação na PUC-Rio, diz que a pretensão é tornar o site algo grandioso, com novas opções de voto e funções. Eles querem um site que seja “a cara do estudante carioca”. Quanto a isso, o professor de mídias globais Luiz Leo julga válida a iniciativa, na medida em que um espaço livre de critérios institucionais pode funcionar sem as pressões e o constrangimento naturais de um processo tradicional de avaliação:
– Entendo essa proposta como altamente saudável. É pautada na própria linguagem, formatos e expectativas dos alunos. Mas o formato escolhido para a ferramenta é reflexo de outras experiências em rede, marcadas pela superficialidade, pelo imediatismo e pela banalização – diz o professor.