Um jornalista exemplar, modelo de competência, retidão e caráter, e ao mesmo tempo leal às pessoas e à democracia. Este foi o tom das homenagens prestadas a Raul Ryff, na cerimônia que marcou o centenário de nascimento do jornalista e militante político, nesta quarta, dia 24 de agosto, na sede da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), no Centro do Rio. Durante duas horas, cerca de 60 pessoas, entre amigos e parentes, relembraram histórias que marcaram a vida pessoal e profissional de Ryff, que por dez anos assessorou o ex-presidente João Goulart.
O evento Ryff, o companheiro fiel, organizado pela ABI e pela família, reuniu a viúva de João Goulart, Maria Thereza Goulart, sua filha Denize Goulart, o ex-governador do Rio Marcello Alencar, o ex-prefeito Roberto Saturnino Braga, o presidente da ABI, Maurício Azêdo, o cineasta Silvio Tendler, diretor do documentário Jango, e o ex-deputado Eduardo Chuahy, entre outros.
Nascido em Berna, na Suíça, em 1911, Raul Francisco Ryff veio para o Brasil antes de fazer 1 ano. No Rio Grande do Sul, onde morou até os 24 anos, foi um dos fundadores e segundo secretário da Aliança Nacional Libertadora (ANL), entidade política nacionalista, antifascista, de oposição ao governo, fechada por Getúlio Vargas ainda em 1935, quando passou a atuar clandestinamente.
No fim desse ano, Ryff se mudou para o Rio de Janeiro, onde conheceu a poetisa e militante comunista Beatriz Bandeira Ryff, com quem teria três filhos: Tito Bruno, Luiz Carlos e Victor Sergio, já falecido. As inclinações políticas influenciaram a escolha dos nomes, homenageando o líder comunista da Iugoslávia Tito, o filósofo italiano Giordano Bruno e o líder comunista gaúcho Luiz Carlos Prestes.
– Tínhamos em casa um retrato do Prestes pendurado na parede. Meus amigos comentavam: “Seus pais são comunistas, né?”, eu ficava constrangido, desconversava, não pegava muito bem ser comunista naquela época – lembrou o professor universitário Luiz Carlos Ryff.
O militante seria preso pela primeira vez em janeiro de 1936, acusado de envolvimento na revolta armada organizada pelo Partido Comunista do Brasil (PCB), em nome da ANL, meses antes. Ryff negou as acusações. Ainda em 1936, foi deportado para o Rio Grande do Sul e preso novamente. Ao ser libertado, permaneceu na clandestinidade até maio de 1937, quando se exilou no Uruguai. Absolvido, Ryff voltaria ao país em agosto de 1938. Em 1939, começou a estudar física na Faculdade de Filosofia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, mas abandonou o curso ao fim do primeiro ano, em nome da militância política. Do Sul, ficou o hábito de tomar chimarrão diariamente:
– Todo sábado tinha chá na casa do Ryff. Dona Beatriz preparava aquele chá inglês maravilhoso, e ele só tomava chimarrão – lembrou Eduardo Chuahy.
Em 1951, Ryff voltou para o Rio para trabalhar na sucursal do Correio do Povo. Cobrindo o Ministério do Trabalho, conheceu João Goulart, de quem se tornou amigo. Em 1955, com a eleição de Jango como vice-presidente, tornou-se seu assessor.
Com a renúncia de Jânio Quadros, em 25 de agosto de 1961, e a posse de Jango na Presidência da República, em setembro seguinte, Ryff permaneceu como secretário de Imprensa do novo governo. No cargo, teve que enfrentar forte oposição às reformas de base propostas por Jango, nas quais acreditava fortemente.
– Goulart queria construir um Brasil para todos os brasileiros. Meu pai foi fiel a Goulart porque Goulart foi fiel aos seus ideais – afirmou o economista e ex-deputado estadual Tito Ryff.
– Ryff gostava da capacidade de Jango de escutar com interesse o que o povo tinha a dizer. Afinal, Ryff também era assim – completou Saturnino Braga.
Em 1964, quando os militares tomaram o poder, Ryff teve seus direitos políticos cassados com base no Ato Institucional nº 1, baixado em 9 de abril. Em seguida, junto com outros amigos perseguidos, como o ex-deputado e engenheiro Rubens Paiva, pediu asilo diplomático à Embaixada da Iugoslávia, onde viveu por três meses antes de seguir para a França. Em Paris, obteve do governo uma bolsa de estudos da Organisation de la Radio et Télévision Française, e trabalhou como correspondente da revista Mundo Econômico, pertencente à Cooperativa Cotia de São Paulo.
– Raul era muito bem-humorado. Lembro de perguntar como estava a situação dele, quando todos estavam sendo presos, e ele me respondeu com aquele sotaque gaúcho: “Bailando perto da porta” – riu o cineasta Silvio Tendler.
Chuahy, por sua vez, se lembrou do dia em que tomava chá na casa de Ryff e Rubens Paiva telefonou:
– Ele tinha chegado do Chile. Ryff e eu fomos à casa dele. Cerca de 20 minutos depois que saímos de lá, Paiva e a esposa foram presos. Por pouco não fomos presos também – contou, emocionado, referindo-se à prisão que culminou no desaparecimento do amigo, em 1971, até hoje não esclarecido.
De volta ao país em 1968, Ryff foi contratado pelo Jornal do Brasil, tendo passado pelo Departamento de Pesquisa e pela editoria de Internacional. Foi na redação que a jornalista Leda Nagle conheceu Ryff, e notou tratar-se de uma pessoa especial:
– Nenhum jornalista, no dia a dia de uma redação, presta atenção a uma estagiária. Ele foi a primeira pessoa que falou comigo, me mostrou o Departamento de Pesquisa. Desde então, encontrar Raul Ryff, conversar com ele, ouvir suas histórias, receber seus sorrisos e conselhos foram as melhores coisas que me aconteceram naquela temporada – elogiou a jornalista, em depoimento impresso em um painel de homenagens na ABI.
Marcello Alencar, que teve Ryff como secretário extraordinário durante sua gestão na Prefeitura, também destacou a amizade que Ryff despertava, e que fez dele mais que um funcionário de Jango:
– Ryff era uma personalidade exemplar, que se apegava às pessoas, tinha um comportamento extremamente ético. Assisti a manifestações de carinho do presidente Goulart a Ryff diversas vezes. Foi uma forte relação de amizade. Foi o homem de confiança do presidente. Lembrar Ryff é resgatar um símbolo de seriedade, uma referência nacional de fidelidade.
Em 1979, Ryff lançou O fazendeiro Jango no governo, em que apresenta uma imagem mais humana e até então desconhecida do presidente. No documentário Jango, de 1984, o jornalista também deu depoimentos históricos a respeito de João Goulart (assista a um trecho do filme).
– O Pasquim publicou uma entrevista com ele em que destacava na capa a frase “Jango caiu por suas características, não por seus defeitos”. Raul sabia disso, por isso foi sempre fiel ao amigo – comentou a socióloga Maysa Machado, ex-mulher de Luiz Carlos e uma das realizadoras da homenagem.
Em família, Ryff foi um exemplo para os filhos e netos, tanto profissionalmente como em personalidade.
– Sempre perguntava ao meu avô o que ele queria que eu fosse quando crescesse. Ele nunca respondia, mas me dava livros de jornalistas e separava o jornal comigo todas as manhãs. Ele esperava que eu terminasse de ler e perguntava o que eu tinha achado das notícias. Não queria impor sua vontade, mas me guiou para o jornalismo – declarou na cerimônia o jornalista Luiz Antonio Ryff, filho de Luiz Carlos e Maysa, formado pela PUC-Rio.
– Meu pai ensinou aos filhos valores fundamentais de vida. Ele nos ensinou a tolerância. Ele respeitava as diferenças, nunca impôs sua opinião. Ele nos ensinou a coerência política, a perseverança, nos ensinou os valores democráticos. Esses valores devem ser resgatados na política do país – declarou Tito.
Ryff morreu em 27 de julho de 1989, no Rio.
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