Cerca de cem pessoas se reuniram nesta sexta-feira, na PUC-Rio, para lembrar os 40 anos de morte do engenheiro Raul Amaro Ferreira, ex-aluno da universidade, morto no dia 12 de agosto de 1971, aos 27 anos, por tortura no quartel da Polícia do Exército, na Tijuca, Zona Norte do Rio. A solenidade começou com uma missa da Igreja do Sagrado Coração de Jesus, seguida de um ato público do lado de fora. Em clima de confraternização e solidariedade, participaram da reunião amigos, professores, advogados, representantes de entidades de direitos humanos e ex-colegas do engenheiro.
Na iniciativa da família, apoiada pelo grupo Tortura Nunca Mais, irmãos e amigos ressaltaram a importância de resgatar a memória daquele período. O irmão mais velho, Rodrigo Ferreira, lamentou a morte de Raul e afirmou que a ditadura "se mantém viva ainda hoje":
– Raul foi uma das pessoas especiais que a ditadura massacrou. Vale lembrar que a ditadura ainda está aqui, com a ideologia antipovo, antidemocracia.
O advogado Modesto da Silveira, advogado que atuou na defesa de muitos presos políticos, reforçou:
– Apesar de estarmos em um momento democrático, ainda não superamos as sequelas da ditadura militar.
Segundo a irmã Maria Coleta Oliveira, Raul Ferreira foi preso por acaso. De acordo com ela, o engenheiro era simpatizante de esquerda, mas não militante. Ela detalhou que Raul estava em seu carro quando foi parado em uma blitz, “simplesmente porque tinha barba e estava em um carro velho”. Dali foi levado para o DOI-Codi, onde sofreu um longo processo de torturas que levou, 11 dias depois, à sua morte.
No ato, a vice-presidente do Tortura Nunca Mais, Vitória Grabois enfatizou a importância da luta contra a impunidade e a violência. Ela disse que o grupo está lutando pela abertura dos arquivos da ditadura militar e de uma comissão da verdade, para que o Estado puna e responsabilize os envolvidos em torturas ocorridas nesse período da História do Brasil. Para ela, o encontro representou a certeza de que os crimes cometidos na ditadura não cairão no esquecimento. E serviu para mostrar aos jovens "um pouco do que aconteceu naquela época".
– Essa solenidade é uma homenagem política à morte de Raul, um resgate da memória – afirmou Vitória.
Maria Coleta destacou que foi a primeira vez que a família trouxe a público seu luto e indignação:
– Hesitamos em fazer a solenidade, pois isso é íntimo. Fizemos pelos nossos filhos e netos, para que conheçam melhor o que foi a ditadura.
Após a missa, celebrada pelo padre Pedro Ferreira, o irmão mais novo, Pedro Amaro, anunciou que levará à Câmara dos Vereadores uma proposta de mudança de nome da praça em frente ao 1° Batalhão da Polícia do Exército, na Tijuca – onde funcionava o DOI-Codi no Rio de Janeiro – para Praça Tortura Nunca Mais.
Um amigo de Raul, Benito, conta que o engenheiro foi um dos editores do jornal Desafio, uma contribuição na luta contra a ditadura. Segundo ele, Raul foi levado por uma questão de destino:
– Raul acreditava em um ideal. Ele e nós acreditamos que o mundo pode ser melhor.
O papel de Dom Eugênio com os refugiados
O cardeal Eugenio Sales, ex-arcebispo do Rio, celebrou a missa de sétimo dia de morte do engenheiro Raul. Durante os anos de ditadura militar na América Latina, dom Eugenio exerceu papel importante frente aos refugiados políticos, acolhendo aproximadamente quatro mil pessoas. Mesmo com a Arquidiocese do Rio Janeiro já exercendo uma proteção aos refugiados, foi a partir de 1976 que se iniciou um trabalho mais amplo, devido ao aumento dos pedidos. A ajuda consistia na hospedagem e na procura de formas seguras de encaminhar essas pessoas para outros países que pudessem recebê-los. Dom Eugenio chegou a acolher alguns refugiados em sua residência, no Sumaré. Todo esse esforço teve apoio da Comissão de Justiça e Paz da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR).
* Colaboraram Gabriela Caesar e Igor de Carvalho.
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