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Rio de Janeiro, 20 de abril de 2024


Cultura

Para pensar a cultura brasileira

Thiago Castanho - Do Portal

28/04/2008

O livro “Cultura Brasileira: Reflexões, Análises e Perspectivas”, organizado pelo antropólogo e professor da PUC-Rio, Everardo Rocha, conta com artigos que discutem diferentes aspectos da cultura brasileira. Os trabalhos começaram com um ciclo de palestras realizadas pela El Paso Energia do Brasil Ltda. “A partir dos temas selecionados, escolhemos as pessoas mais capacitadas para falar sobre cada uma delas”, diz o professor. Cada um dos expositores entregou seu artigo, que tratam desde religião e política à afetividade e cotidiano, incluindo uma profunda análise de como o encontro entre o Velho e o Novo Mundo afetou o pensamento humano.

Escrito pelo filósofo e professor da PUC-Rio, Danilo Marcondes, o texto “O Impacto do descobrimento do Brasil no Pensamento Contemporâneo” mostra como o descobrimento do Brasil, e também da América como um todo, obrigou os homens a “pensar o novo, a nova ciência, a nova religião, o novo homem”. Para o autor, foi acontecimento histórico que evidenciou “a necessidade de um novo saber, relativizando o conhecimento”. Isso levou ao questionamento da universalidade do saber e de seu caráter definitivo. O impacto sobre o europeu, segundo o texto, começou com a falta de conhecimento sobre fauna e flora e chegou ao ápice com a falta de conhecimento sobre o próprio ser humano que habitava a América.

Marcondes explica que “a descoberta dessa nova realidade provocou a necessidade de repensar toda a concepção anterior de realidade que era muito eurocêntrica, tendo como referência a Europa e o mundo do mar mediterrâneo.” Para tanto, ele enfatiza em seu texto a figura de Michel de Montaigne, que foi o “primeiro grande pensador do início da Modernidade a chamar a atenção para o impacto da descoberta do Novo Mundo no pensamento europeu”. O discurso de Montaigne mostra fortes traços da relativização – peça fundamental para a antropologia atual – que passaria a guiar o pensamento moderno. A perplexidade diante dos indígenas levou Montaigne a pensar a própria sociedade francesa.

O pensador inverteu a interpretação mais corriqueira na época e mostrou como os europeus deveriam parecer bárbaros diante dos índios. O texto conta que o pensador esteve presente, por exemplo, quando alguns indígenas foram levados à corte do rei Carlos IX, então ainda um menino, e posteriormente percebeu como eles ficaram chocados ao ver soldados armados obedecendo a uma criança. Montaigne também observa o choque deles com a resignação dos franceses pobres, que não se rebelavam mesmo sabendo do luxo da corte.

Como exemplo do surgimento da necessidade de se pensar as novidades oriundas da América e de seu povo, Marcondes cita o embate entre o católico André Thevet e o calvinista Jean de Léry. Os dois franceses estiveram às margens da Baía de Guanabara, onde os franceses tentaram fundar a França Antártica. Thevet via o índio brasileiro muito próximo do “bom selvagem” presente na filosofia de J.J. Rousseau e a América sobre uma ótica edênica. Já Léry escreveu seus relatos com o intuito de corrigir os “erros” escritos pelo católico, mostrando a ótica de que os indígenas eram um “povo maldito e desamparado de Deus”.

Outro momento importante que exemplifica o rumo de renovação de pensamento daquela época foi o debate de Valladolid. Discutindo a política de colonização, posicionaram-se de lados opostos Juan Ginés de Sepúlveda e o auto-intitulado “apóstolo dos índios”, Frei Bartolomé de Lãs Casas. O primeiro foi um jurista que defendia a superioridade européia, justificando assim a posse sobre a terra e a vida dos índios. O segundo foi um dos primeiros bispos da América que, mais tarde, acabou por largar o bispado. Lutava pela liberdade dos índios e escreveu diversos textos relatando atrocidades e crueldades cometidas pelos europeus.

Marcondes observa que a importância da descoberta da América para o pensamento moderno, embora percebida por Michel de Montaigne, não recebeu tanto destaque da filosofia do século XVI que, para o autor, estava muito preocupada em debater a revolução científica que começava e as discussões teológicas suscitadas pela Reforma.

Os demais textos do livro englobam diversos assuntos. A questão racial e as políticas públicas são analisadas por Yvonne Maggie. “As relações entre estado e economia no Brasil” é título do artigo da economista e advogada Elena Landau. O cientista político Renato Lessa escreve sobre a democracia brasileira e a cultura política no país. Há também temas ligados ao cotidiano como “Sobre a televisão”, de Muniz Sodré, e “As transformações religiosas no Brasil”, trabalho conjunto do diretor do Departamento de Comunicação Social, professor Cesar Romero Jacob, com Dora Rodrigues Hees, Philipe Waniez e Viollete Brustlein. O também professor da PUC-Rio Bernardo Jablonsky escreve sobre as mudanças nas formas afetivas e na vida conjugal e familiar tupiniquim. A antropóloga Miriam Goldenberg assina o texto “Corpo e gênero na cultura brasileira”.