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Rio de Janeiro, 19 de abril de 2024


Variedades

Entre balas e bombons, uma história de vida

Carina Batista - Da sala de aula

11/07/2011

 Reprodução

Ele resolveu usar os R$ 12 do remédio da mulher para comprar doces. O que parecia ser loucura era o prenúncio de uma mudança radical na vida de David de Mendonça Portes, de 54 anos, ou David Portes, como prefere ser chamado. Algo que ninguém jamais imaginaria.“A minha história tinha tudo para dar errado”, afirma David.

Em busca da felicidade, David veio de Campos dos Goytacazes, interior do Rio de Janeiro, para a capital. Nos primeiros anos, o sonho de uma vida melhor deu lugar ao pesadelo chamado realidade. Sem dinheiro para pagar o aluguel do barraco na Rocinha, David se viu obrigado a morar na rua com sua mulher. “Eu não queria vê-la passando por tudo aquilo e pedi que voltasse para a casa dos pais. Mas ela disse que seu lugar era ao meu lado”, diz David.

Maria de Fátima Monsores Portes tinha uma gravidez de risco, sentia fortes dores e precisava de um remédio que custava R$ 12. David pediu o dinheiro emprestado ao porteiro de um prédio da rua Presidente Wilson, rua que era a sua casa. Saiu e no meio do caminho, como por impulso, comprou uma caixa de doces. “Quando o vi chegar com aqueles doces quase morri. Achei que ele tinha enlouquecido”, comenta Maria de Fátima. Em menos de uma hora, David vendeu tudo e dobrou sua quantia inicial. “Passou pela minha cabeça que eu tinha que ousar. Se eu não tivesse feito aquilo, hoje eu ainda estaria lá”, lembra David.

Aos poucos, David foi montando sua barraca de doces. A simpatia, o carinho com o qual tratava seus clientes e as promoções inusitadas aumentaram os negócios. David começou a ser procurado pela mídia. O mundo queria conhecer aquele camelô do Centro da cidade. “Eu adoro dar entrevistas, pois posso passar alguma coisa legal para as pessoas. Gosto de ajudar os outros a sair da mesmice”, conta David. Ajuda que José Francisco Ferreira conhece muito bem. O garoto, que vendia balas em ônibus, procurou David, pois não estava tendo sucesso com as vendas.

– Eu achei que ele não fosse me ajudar. Eu era concorrente. Mas o coração dele é enorme e o poder que ele tem para seduzir as pessoas através da palavra também. Ele me ajudou com um slogan, criou uma placa com um sorriso e pediu para que eu entrasse no ônibus com um sorriso sincero no rosto e dissesse: ‘Eu não sei falar, eu não sei cantar, eu só sei latir: Halls, Halls, Halls’. Daí para frente eu comecei a vender muito mais, lembra. Tomado sempre pela compulsão de se comunicar, David nem imaginava que seria a palavra que o tornaria quem ele é hoje: o melhor palestrante do mundo, segundo a Confederação Mundial de Negócios. Através de seu sucesso com a banca de doces, David conheceu o presidente do Instituto de Marketing Industrial, José Carlos Teixeira Moreira, que o convidou para fazer uma palestra, em São Paulo, para os 180 maiores empresários do mundo, entre eles o presidente e membro do conselho de administração do Grupo Votorantim, Antônio Ermírio de Moraes. “Eu não fazia ideia do que era isso. Achei que era o campo do Palmeiras. Como nunca tinha andado de avião, fui”. E nunca mais parou.

A vida pobre e incerta aos poucos ficava para trás. Com o tempo, vieram a conquista da casa, do carro, do conforto e da segurança. A barraca continua lá e é um presente de David para os irmãos. A agência DMarketing foi criada e dada ao filho Thiago Portes. “Eu continuo sendo a mesma pessoa simples da roça, aquele mesmo camelô. E passo isso para o meu filho. A pessoa tem que ser humilde. Não é porque hoje ele é dono de tudo isso aqui que ele vai pisar nos outros”, afirma.

Cortador de cana, motorista, morador de rua, camelô e palestrante. Quando David entra na sua moderna agência de marketing vestindo terno e gravata, fica difícil imaginar que ele possa ter tido uma vida tão dura. Entretanto, as marcas dos tempos difíceis perseguem David como sombras. A expressão cansada, a pele queimada de sol e as mãos calejadas contrastam com o luxo. Ao falar do passado, o insistente sorriso no rosto dá lugar ao olhar cabisbaixo e a voz baixa como um sussurro.

A infância que não foi infância. A adolescência que passou despercebida. O trabalho na lavoura de cana-de-açúcar, em Campos dos Goytacazes, interior do Rio de Janeiro, começava às 4h e durava o dia inteiro. No fim da tarde, dois quilômetros de caminhada aguardavam David até a escola.

– Para chegar até a sétima série eu fui um herói. Eu chegava em casa meia-noite e tinha que estar acordado às 4h de novo. Era uma vida muito difícil, lá eu não tinha opção, ou cortava cana ou cortava cana. Mas a esperança de um dia conquistar meu sonho me dava forças, lembra. A calma e a simplicidade ao falar desaparecem quando o assunto é o prêmio Faz Diferença, do jornal O Globo. O ex-camelô não entende por que ainda não foi um dos ganhadores.

– Quando um camelô conquistou tudo o que eu conquistei? Eu dou mais de 30 empregos diretos, através da agência, e 300 indiretos. Realizo palestras de motivação pelo mundo inteiro, até para o Japão eu fui. Não entendo como a escolha desse prêmio funciona, desabafa. Uma história impulsionada pelo sonho e pela certeza. Pelo sonho de uma vida melhor e pela certeza de tornar seus sonhos realidade. Apesar de tudo, David não se considera completamente realizado. Ele ainda tem o sonho de ter um programa de televisão. “O mundo é infinito”, afirma.