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Rio de Janeiro, 26 de abril de 2024


Crítica de Cinema

Distantes no tempo, unidos por um ideal libertário

Miguel Pereira* - Do Portal

02/09/2011

 Divulgação


Quatro baianos porretas, Autor: Silvio Tendler

Quatro documentários de Silvio Tendler foram lançados numa caixa de DVDs junto com o livro Quatro baianos porretas, da Editora PUC-Rio, em parceria com a Garamond Universitária, que reproduz os roteiros finais desses filmes. Iniciativa de importância não apenas pelas obras que agora podem ser vistas de modo mais fácil, mas também pelos textos que permitem um acesso aos conteúdos de forma mais precisa e profunda.

A visão de um filme fica na memória por tempo limitado. A experiência do espectador não consegue resgatar a totalidade do fluxo das imagens e dos sons. De um modo geral, fixamos apenas o que mais nos chamou atenção durante a projeção de um filme. Assim, depois desse primeiro ato, somos impelidos a um segundo em que buscamos construir o sentido das propostas que acabamos de presenciar. Hoje mais do que nunca, assistir a um filme nos coloca diante de um grande número de informações que podem ser adicionadas ao ato de interpretá-lo. É comum, nas versões em DVD, a presença dos famosos extras que permitem uma contextualização iluminadora dos sentidos possíveis que as obras cinematográficas oferecem. Os quatro filmes de Silvio Tendler, Castro Alves, Carlos Marighella, Milton Santos e Glauber Rocha, ora apresentados, são personagens da vida artística e política brasileira de uma mesma região do país, a Bahia. Assim, faz todo sentido que sejam apreciados num mesmo pacote e possam ser enriquecidos por extras e depoimentos que ajudam nas reflexões em grupos ou mesmo pessoais.

Esse conjunto de filmes tem em comum, além da baianidade, trajetórias existenciais diversas e pontos de conjunção estabelecidos por algumas constantes. Os quatro são libertários e guerreiros por um ideal de sociedade que busca a melhora geral de todos. Diferentes, mas irmanados, em tempos históricos diversos, se apresentam nesses filmes como um encontro entre espíritos luminosos e criativos. A eles se acrescenta o próprio cineasta que os escolheu como portadores de uma generosidade que é sua também. Significa dizer que Silvio Tendler mergulhou no conhecimento e na sensibilidade de seus personagens para nos dizer que, por mais contraditórias que sejam essas vidas, elas sempre nos questionam e nos dizem algo que podemos acrescentar ao nosso aprendizado cotidiano. É como aprendizes que devemos ver esses filmes.

Os adicionais imagéticos que os DVDs trazem têm ainda o livro Quatro baianos porretas, que nos permite olhar novamente para o percurso feito através das imagens, agora através das letras. Essa dialética de ir e vir nos proporciona um enriquecimento mútuo. No final do livro, é reproduzida uma entrevista que fiz ao cineasta e originalmente publicada no periódico Cinemais, no ano de 2000.

Além de ser uma iniciativa inédita entre nós, filmes e livro são uma preciosa ocasião para repensarmos os caminhos do nosso país e da nossa própria existência nele. Somos o que somos também pela vida dos outros. Como diz Jurandir Freire Costa, a ética é nos colocarmos no ponto de vista do outro.

* Miguel Pereira é professor da PUC-Rio e crítico de cinema.