Carina Bacelar e Gustavo Rocha - Do Portal
30/06/2011No seminário Relações SUL-SUL, realizado no Everest Hotel, em Ipanema, especialistas em relações internacionais apontaram um declínio, nos últimos anos, na cooperação dos países ricos para o desenvolvimento dos emergentes. Para o professor da Universidade de Brasília Alcides Costa Vaz, o atual auxílio das nações do Norte em relação às do Sul “tem se restringido a grandes problemas globais, e não locais”. Segundo Vaz, este vácuo passou a ser ocupado por potências em crescimento, como o Brasil, agora preocupadas em explorar perspectivas e condições próprias de desenvolvimento. Os palestrantes alertaram, porém, para o risco de as nações do Sul aproveitarem o atual cenário somente para conquistar prestígio internacional.
– O auxílio aos países mais fracos deve ser a prioridade – afirmou Bruno Ayllon, professor da Universidade Complutense de Madri.
Em relação a esse perigo, o professor da PUC-SP Ricardo Sennes citou como exemplo o BRIC’s, grupo formado por Brasil, Rússia, Índia e China. Sennes o qualificou de “reformista moderado” no contexto da cooperação internacional pelo desenvolvimento.
– Esses países estão apenas tentando garantir espaço em oligopólios. Ainda não estabeleceram sua identidade própria no cenário mundial – observou.
Para os palestrantes, antes de buscarem esse prestígio, as nações em crescimento do Sul deveriam investir na dimensão interna, isto é, em gestão pública:
– Potências emergentes como o Brasil têm a opção de traçar a própria direção para um desenvolvimento próprio ou aderir ao mainstream – afirmou Vaz.
Parte dos analistas ainda cultiva ressalvas à emergência de uma “ordem multipolar”, apesar da cooperação entre os países subdesenvolvidos. Para o pesquisador do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea) Marcos Cintra, embora os emergentes estejam gerando mais empregos e recebendo mais investimentos que muitos países desenvolvidos, não há perspectiva de “novos protagonistas” no cenário mundial. Principalmente, quando se trata da questão cambial:
– Há também um comércio cada vez maior sul-sul, que impulsiona um crescimento do fluxo de créditos regionais. Mas não caminhamos para uma ordem multipolar, e sim para uma interdependência cada vez maior, sustentada sobre o dólar. Nos anos 1930, até tivemos uma ordem multipolar. O mundo era completamente fragmentado: havia operações em marco, em franco, em dólar. Hoje não – observou.
O pesquisador ressaltou que os Estados Unidos, mesmo atravessando uma crise, devem ser ainda considerados o maior agente de poder global:
– Enquanto o país possuía, em 2010, um déficit de conta corrente em torno de 400 bilhões de dólares, o mundo aplicou lá dentro 1,2 trilhões. Ou seja, os EUA reciclam a liquidez internacional em dólar. Eles são globais, não são uma potência semelhante á Inglaterra no século XIX – exemplificou, destacando que “no auge da crise econômica, houve uma mudança não do dólar, mas para o dólar”.
Cintra reconhece a China, no entanto, como “país que mais se beneficiou da globalização”, e aposta no yuan, a moeda do país, como uma alternativa regional ao dólar no continente asiático. Esse foco sobre o desenvolvimento regional encontrou eco na fala do professor Tridib Chakraborti, da Universidade de Jadavpur. Chakraborti destacou a necessidade dos países emergentes investirem no desenvolvimento próprio antes de quererem garantir uma vaga no cenário político internacional.
– Devemos observar localmente, regionalmente e, só então, globalmente. – frisou.
Na visão do professor André de Mello e Souza, também do Ipea, a cooperação Sul-Sul têm muito o que melhorar em relação à dos países do Norte. Para ele, o modelo ainda se mostra pouco transparente, diferentemente da coopera~ção do Norte. Faltariam, portanto, agências coordenadoras e divulgação do destino dos fluxos de dinheiro:
– A falta de divulgação facilita a corrupção, pois, quando não há luz, maior a chance de haver ações ilícitas. Quanto maior a distância entre o país doador e o receptor, maior a chance de, nesta cooperação, haver motivações meramente econômicas.
"Ajuda humanitária ainda reproduz padrão de países ricos"
O seminário, que se propôs a tratar do tema da cooperação entre países do sul, não deixou de tocar em um dos eixos dessa prática: a ajuda humanitária. Na avaliação do professor Alcides Costa Vaz, a ideia de cooperação reflete o modelo econômico de países desenvolvidos. Ele lembrou que é condicionada, desde o fim da segunda Guerra Mundial, a uma adesão a práticas econômicas ou contrapartidas políticas ao país que a oferece.
Segundo Alcides, há uma “miopia” na ajuda humanitária, tornando os resultados, em geral, pouco positivos. Ele propõe que o sistema de ajuda inclua a assinatura de algum tipo de contrato responsabilizando o país doador em caso de falhas. Isso evitaria, por exemplo, que figuras políticas de países subdesenvolvidos usassem o sistema de ajuda para proveito próprio:
– Na África, as pessoas querem empregos. Mas a ajuda humanitária internacional parece ignorar isso. – ressaltou.
Sustentabilidade e biossegurança são estratégicas para países emergentes
Para Roberto Bolzas, professor da Universidade de San Andrés, há um território em que os países emergentes já exercem um papel mais central: o climático. Nas conferências que tratam esse assunto, o poder é exercido de forma mais “igualitária”:
– O regime climático começa onde o do ponto que o regime de comércio internacional chegou depois de cinco décadas. No rol das emissões, o peso dos emergentes é bem mais decisivo – avaliou Bolzas.
Por outro lado, ele ponderou que, enquanto na Rodada de Doha os emergentes possuem uma certa convergência de interesses – geralmente em torno do fim dos subsídios nos países desenvolvidos – quando o assunto é clima, há mais divergências:
– No caso do clima, não há essa coalizão. Os emergentes possuem divergências pelo caráter das emissões. Enquanto o Brasil possui uma matriz energética limpa, a China é uma grande emissora de carbono.
Já o professor professor Thomas Biersketer, do The Graduate Institute, considera a bissegurança “importante para os países do Sul”. Para ele, é importante haver um preparo de todos quando o assunto é pandemias:
– Todos os problemas de saúde são tratados, mesmo nas populações à margem da sociedade. Isso é feito não pelo bem estar do povo atingido pela doença, mas para evitar que esses indivíduos infectem as classes do centro. Isso é uma preocupação dos governos de países desenvolvidos – enalteceu.
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