Carolina Bastos, Gabriela Caesar e Igor Carvalho - Do Portal
28/06/2011O estudo das circunstâncias sociais e o "engajamento dos indivíduos" revelam-se essenciais para compreender melhor, prevenir e tratar comportamentos de pedófilos, psicopatas e viciados. Assim recomendou um dos principais especialistas nessa área, o professor Walter Sinnott-Armstrong, da Duke University, dos EUA, em série de três palestras na PUC-Rio recebeu para dar três palestras. Diretor do Projeto de Lei e Neurociência daquela instituição, Armstrong considera a articulação entre sociedade, academia e poder público o principal caminho para o tratamento avançado dessas doenças.
Especialistas avaliam interferência de tumor cerebral em comportamento pedófilo
No primeiro dos três dias de palestras, Sinnott-Armstrong dedicou-se a esclarecer as causas da pedofilia – sobretudo se decorrente de distúrbios como tumor cerebral ou é mais influenciada por circunstâncias sociais, como violência doméstica. Para ilustrar o argumento de que, às vezes, as escolhas são limitadas, o americano reproduziu o diálogo entre um ladrão e sua vítima num assalto ocorrido em Washington, capital dos Estados Unidos:
– Dê o dinheiro ou você morre esta noite – ameaçou o ladrão.
– Ok. Tenho câncer e vou morrer em meses – blefou a vítima, que era saudável.
O assaltante, no entanto, pegou o dinheiro e saiu correndo, sem "deixar escolha para a vítima". Já no outro caso contado pelo palestrante, o padrasto acusado de abusar sexualmente da criança teve a opção de ir para a cadeia ou para um programa de recuperação. Decidiu pelo programa. Descobriu-se, então, que ele tinha um grande tumor no cérebro, e este distúrbio poderia estar relacionado ao comportamento pedófilo. Retirado o tumor, o impulso sexual acabou.
Embora aparentemente curado, o homem tornou a sentir fortes dores de cabeça e, em seguida, a colecionar objetos pornográficos. A reincidência indica, segundo Sinnott-Armstrong, uma relação entre o “comportamento estranho” e a doença. Mas, seria leviano concluir que esse tipo de problema físico torna-se determinante para a inclinação pedófila.
– Ele escolheu fazer download da pornografia – afirma o especialista – Ele estava escolhendo, por mais que o tumor tivesse influência em seu comportamento.
Apesar da suspeita da relação entre o tumor e o "desvio de comportamento", o acusado foi julgado como os demais pedófilos. Até porque, explicou o professor, ainda há dúvidas quanto à influência daquele tipo de fator sobre condutas violentas. "Há casos de tumores semelhantes cujos portadores não assumem comportamentos pedófilos", observou Sinnott-Armstrong.
Tratamento de psicopata começa na compreensão da "incapacidade para julgamento moral"
No segundo dia de palestras, o americano afirmou que cerca de 1% da população dos Estados Unidos é considerado psicopata. Em presídio, o percentual varia entre 15% a 20%. Ele considera que, nesses casos, a chance de cometer atos violentos é quatro vezes superior em relação as pessoas consideradas "normais". Tais condutas, ainda de acordo com o palestrante, geram cofres americanos despesas em torno de 250 bilhões de dólares por ano.
– Os custos são de carceragem, do sistema legal, de tratamento médico. É um dos maiores gastos. Para o tratamento de esquizofrenia, são destinados cerca de 65 bilhões de dólares ao ano – estimou.
Para o especialista, o tratamento começa na busca de uma melhor compreensão sobre o julgamento "incapacidade dos psicopatas em realizar um julgamento moral". Para a corrente clássica de acadêmicos, os psicopatas conseguem fazer decisões morais, porém não se importam com as consequências disso. Já a visão moderna acredita que o julgamento, nesses casos, é um instrumento de manipulação.
– Estudos e argumentos são inconclusivos. Precisamos de mais e melhores pesquisas empíricas e reflexões filosóficas – reconhece Sinnott-Armstrong.
Segundo ele, esta questão representa uma das chaves no processo de identificação das características específicas do psicopata. Charme superficial, capacidade de manipulação, não remorso, relações rasas e problemas em aceitar responsabilidade são traços recorrentes.
– É difícil saber o que eles realmente pensam. Não conseguimos acreditar no que essas pessoas fazem e depois conseguem dormir – comentou o palestrante.
Sinnot-Armstrong recomendou cuidado para não confundir elementos psicopatas com sintomas de problemas de relacionamentos sociais. Conforme o especialista, os indícios ficam mais nítidos na juventude. Para o professor da Duke University, psicopatas que passam por tratamentos específicos têm propensão a tornar a cometer atos violentos.
Diferença entre desejo e vício é a capacidade de controle
Na terceira palestra, o professor Walter Sinnott-Armstrong abordou aspectos relacionados aos viciados. Explicou que um dos sintomas é o "comportamento inadequado do indivíduo ao ter a capacidade de controle reduzida". Para ele, o vício não se limita à definição filosófica de “grande apetite”, um desejo urgente que, saciado, promove prazer na maioria das vezes. O vício, lembrou o palestrante, causa danos como dor, morte, mau desempenho profissional ou mudanças nas relações pessoais. Para solucioná-lo, é necessário o entendimento dos "níveis" de vício:
– Você pode ter um desejo muito forte por sorvete, por exemplo, e não ser um viciado. O que difere desejo de vício é a capacidade de controle, que é reduzida conforme o desejo aumenta.
Sinnott-Armstrong diz que o afastamento das drogas ocorre, geralmente, na fase adulta. “Eles amadurecem e enxergam com mais clareza as responsabilidades do trabalho e como as drogas podem afetar suas relações”. O professor ressaltou, no entanto, que esse processo pode ser mais complicado do que parece:
– Largar as drogas pode levar a outros problemas de saúde, como anorexia, bulimia, claustrofobia ou depressão. O indivíduo troca um pelo outro.
O americano esclareceu que os tratamentos variam conforme as características de cada caso. Devem levar em conta, por exemplo,as circunstâncias em que o indivíduo se encontra e o nível de controle:
– A falta de controle sobre as ações muda o contexto de recuperação.
O professor esclareceu também que a dependência muda de acordo com o perfil do viciado, o vício (drogas ilegais, como heroína, cocaína ou maconha; drogas legais, como o álcool, nicotina ou cafeína; e até sexo, trabalho e internet) e a frequência de uso “Você não precisa infringir a lei para ser um viciado”, lembrou o professor. Ele afirmou que, em geral, o vício resulta de uma combinação de fatores, desde a pressão de amigos até a "dor psicológica" – tristeza, frustração ou raiva: "As drogas promovem um escape momentâneo dessas dores".
Ainda conforme Sinnott-Armstrong, a vontade de consumir drogas depende do estilo de vida, das relações pessoais e da personalidade. Ele disse que moradores de rua, por exemplo, “têm mais chance de serem viciados porque as drogas desempenham o papel de escape: seria uma tortura enxergar sua própria realidade”.