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Rio de Janeiro, 27 de julho de 2024


Campus

O que a Antropologia ensina sobre a vida

Gabriela Ferreira - Do Portal

14/03/2008

Numa aplaudida aula magistral, o antropólogo Roberto DaMatta tomou posse como Professor Titular da PUC-Rio em cerimônia que contou com a presença de toda a sua família, inclusive netos, que encheram a primeira fileira do auditório. Intitulada de “O que a Antropologia me ensinou sobre a vida”, a aula foi aberta pelo vice-reitor para Assuntos Acadêmicos, professor José Ricardo Bergman, que entregou a DaMatta o diploma de Professor Titular. Com seu estilo irônico, DaMatta começou com uma brincadeira: “O que a Antropologia me ensinou sobre a vida? Simplesmente nada! Mas aí eu resolvi reconsiderar, porque assim não era possível, não é? Eu vou fazer a conferência com maior esforço e seguir meu roteiro”.

Leia abaixo alguns trechos mais importantes da aula do professor Roberto DaMatta:

“Um livro que admiro muito, “A ponte de São Luiz Rei”, de Thornton Wilder, que indaga se a questão básica para nós, seres humanos, seria não saber jamais se tudo o que ocorre conosco, inclusive essas pomposas disciplinas acadêmicas as quais nós nos atrelamos, acontecem por acaso, um pouco como os mosquitos que matamos casualmente, de um tapa, ou se, ao contrário, tudo foi previsto, mesmo as penas que caem das asas de um lindo pardal são arrancadas por um dedo de Deus”.

“Na Antropologia, eu procurei não apenas a resposta para algo imediato e explícito: um emprego, uma oportunidade para ser admirado, a amor de uma pessoa, uma experiência estética satisfatória. Mas procurei uma razão de viver, e uma forte razão, e com entusiasmo sempre juvenil, e com aquela sinceridade que até hoje tem causado pasmo em muitos daqueles que convivem comigo, um entusiasmo que é prova de dar-se, de se deixar envolver por algo mais abrangente, mais puro, mais nobre”.

“O que me atraiu nessa disciplina assustadoramente relativa foi a possibilidade de entender o mundo, por meio das suas mais diversas humanidades, e de quem sabe apaziguar o meu próprio mundo”. “Agora quero fazer um corte e convidá-los a imaginar o seguinte: estou na Aldeia de São José, em Goiás, entre 1963 e 1970. Ainda não tinha computador, nem celular nessa época, e eu estudava para meu Doutorado em Harvard, um povo tribal, os Apinayé. Em uma noite, escrevi em meu diário: ‘Ouvi hoje que a alma dos mortos, os chamados mekaron, saem dos corpos e vagam pelo mundo. Tudo tem um ‘mekaron’, que são imagens de duplos das coisas materiais concretas. Mas como os Apinayé não leram Platão, eles idealizam as imagens como sendo coisas fracas e muito difíceis de fixar. Se para Platão as imagens eram o ideal, para os Apinayé as imagens são aquilo que não deveriam acontecer, porque elas são fracas, imperfeitas e desaparecem”.

“Os mekaron são índices ou modelos de perfeição, são fugidios e ficam na memória por pouco tempo e a muito custo. Por isso, não são vistos a olho nu. O trabalho dos pais é colar o mekaron no corpo das crianças, pois elas podem perdê-los por serem frágeis. E, sem eles, não haveria subjetividade, e pessoas morreriam. Na aldeia dos mortos, não há castigo nem recompensa, como vivemos aqui. Depois de muito viver, esses mekaron morrem. E sai deles, um mekaron do mekaron, ou seja, uma alma da alma e encarna em um animal, até morrer”.

“Volta ao auditório da PUC. Quem está em falta? Os Apinayé, que eram ateus, índios, primitivos, ou havia algo errado em relação ao meu conceito de religião que não se aplicava naquele caso? Primeiro, a Antropologia me ensinou a relativizar, a ver o outro com seus próprios termos, o que é uma tarefa dificílima. Segundo, não pensar no eterno como algo exclusivo. Os homens são variáveis, as semelhanças escondem intensidades, e as diferenças mascaram semelhanças. Terceiro: respeitar, mas sempre desconfiar das certezas, sobretudo daquelas que são apresentadas como necessárias e absolutas”.

“Uma última lição: aceite tudo, mas sempre pense o direito pelo avesso e o avesso pelo direito. O que significa isso eu não sei. Afinal, quem se interessa pela vida, se interessa sobretudo pela morte. E mais, quem se interessa pela morte, nela quer encontrar a vida”.