Gabriela Caesar - Do Portal
30/05/2011Um barco navegando contra o sol na Baía de Guanabara. Assim começa o documentário Belair (assista ao trailer), cuja pré-estreia reuniu, semana passada, na universidade, o diretor Bruno Safadi (Noa Bressane também assina a direção), cineastas, professores e estudantes. Em 80 minutos, o filme faz uma retrospectiva da produtora underground nos anos 1970, criada por Julio Bressane e Rogério Sganzerla, cujos sete filmes não chegaram aos cinemas. A convite da PUC-Rio, Safadi debateu questões da época e da produção – que estreia dia 10 de junho nas cidades Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro e São Paulo – com as professoras do Departamento de Comunicação Social Andrea França e Denise Lopes. Engana-se, no entanto, quem espera um documentário "jornalístico":
– No momento em que começamos a fazer o filme, sabíamos qual filme não queríamos fazer. Não seria um documentário com entrevistas contando a historinha – recordou Safadi.
Ele contou, a professores e alunos, que essa coerência prevaleceu desde o início:
– Fazia total sentido começar um filme que trata de um dos grandes pontos do cinema experimental do Brasil dialogando com um dos primeiros planos brasileiros, que também é experimental.
Já em relação à luz que bate contra a câmera, o diretor explicou ter sido algo "do momento". Segundo ele, foi pedido ao assistente que tirasse o para-sol a fim de marcar, "queimar a película", numa referência à ideia de nascimento. “É um plano realmente fortíssimo e, no fim, aquele branco engole a imagem”, completou Safadi, seguindo à risca o ideal de Bressane e Sganzerla, fundadores de Belair, em aproveitar todo o material filmado.
– Imagino que na película nós vamos ter muito essa imersão, uma ideia de luz de que Bressane fala e com que trabalha muito. Nós vemos isso no filme, como ideia de luz que veio do impressionismo, da pintura – destacou Denise.
Andrea também identificou no documentário a inspiração experimental de Bressane:
– Quando não tem filme, você põe branco, preto, som. Você sempre coloca os próprios personagens para falar ou pelos filmes ou por imagens que você filmou acidentalmente, assim como o Bressane.
Safadi reforçou a importância de se distinguir experimental de mal acabado. Ele evita assim, a expressão "cinema marginal", que se tornou sinônimo dos filmes que criticavam a linguagem e os costumes cinematográficos.
– Apesar de a expressão hoje ter um olhar mais pitoresco, poético, artístico, criou-se, ao longo do tempo, a ideia de que eram filmes malfeitos, que nunca poderiam entrar em cartaz. Esses filmes, porém, foram produzidos pelo Severiano Ribeiro, que era o grande exibidor de filmes do Brasil e tinha o monopólio do cinema naquela época – ressalvou Safadi.
Embora as referências do cinema experimental inspirassem Belair, a produção teve um forte trabalho de pesquisa atrás de informações que garantissem a consistência e a fidelidade desejadas pelo documentário. "A gente entrevistou cerca de 50 pessoas, o que gerou um material enorme", orgulha-se o diretor.
Assim como o gênero do filme, a apreciação do público varia de acordo com as referências históricas e o contexto de cada época. Para Denise, o cenário "politicamente correto da atualidade" impossibilita a reprodução do efeito original de filmes como Cuidado, Madame (1970).
– A cena da empregada matando a patroa, por exemplo, virou real. A violência cresceu de uma forma muito grande e, hoje, ninguém ia rir – compara a professora.