Isabela Sued - Do Portal
30/05/2011Desde sábado (28/05), o Instituto Moreira Salles do Rio de Janeiro promove a exposição "Saul Steinberg: as aventuras da linha". A mostra, que reúne obras de um dos cartunistas mais influentes do século XX, tem curadoria da historiadora Roberta Saraiva e exibe desenhos realizados pelo artista entre os anos 1940 e 1960.
Nascido na Romênia, Steinberg adotou os Estados Unidos como país, se dedicando, sobretudo, a explorar o cotidiano e a sociedade americana em seus desenhos. Em 1941, começou a trabalhar para a revista The New Yorker como ilustrador e influenciou, através de sua obra, muitos artistas posteriores.
– Ele se debruça sobre a vida cotidiana e usa a técnica a favor da sua mensagem. Consegue fazer com que forma e conteúdo se misturem num casamento perfeito. Acho que esse é o diferencial dele – afirmou a curadora da exposição, Roberta Saraiva.
O artista ficou conhecido por traduzir em seus desenhos os clichês e as rotinas da vida urbana de vários lugares. O ilustrador e cronista Bruno Liberati, que trabalhou por 30 anos no Jornal do Brasil, afirma que Steinberg era uma espécie de "globetrotter" que deixou influências em várias partes do mundo.
– Steinberg foi pioneiro em desmontar a rotina. Como testemunha, narrou com muito humor, com um traço que explorou de várias e inusitadas maneiras, o cotidiano do seu vasto tempo e, ao mesmo tempo, os costumes de vários povos – destacou Liberati.
A partir das inúmeras viagens que o artista romeno fez ao longo de sua vida, tentou, segundo a análise da curadora, retratar os lugares que passou de forma curiosa.
– Ele tinha um desejo de olhar para as cidades e considerar cada uma delas a partir dos seus próprios clichês, da forma como elas gostariam de ser vistas, como nos postais – afirmou Roberta.
Segundo ela, a forma na qual Steinberg desenha está muito ligada à literatura. Todos os seus trabalhos, explica a historiadora, têm uma espécie de crônica. Para ela, o artista pode ser considerado um cronista visual: a mistura da sofisticação técnica com o humor fino é o que traça a identidade dos desenhos de Steinberg.
– Eu costumava dizer que ele é um escritor que não sabia escrever – contou Roberta. – É como se você olhasse para uma imagem dele e pudesse reconhecer todo um texto por trás dela.
Para o professor Affonso Araújo, do Departamento de Comunicação Social da PUC-Rio, o estilo dos desenhos de Steinberg conseguem transmitir muito com pouco.
– Ele elevou o patamar do minimalismo nas artes: econômico nos traços, mas com ideias plurais – afirmou o professor. – É uma comunhão perfeita entre a arte e a realidade. A arte interpretando a realidade de uma forma única, clara, direta e incisiva.
O estilo do artista, com o olhar voltado para a variedade, adquiriu esses aspectos através de um conjunto de influências que têm a ver com sua própria vida e também com grandes artistas. Nomes como Paul Klee, Picasso e Matisse fizeram parte da composição do estilo de Steinberg. Mas, como o próprio cartunista contava, sofreu também influências de desenhos de criança ou de sua própria mãe, que era uma excelente confeiteira de bolo, e do seu tio, que trabalhava fazendo letreiros na Romênia e era uma espécie de designer gráfico da época.
– Não se pode falar de um só estilo, acho que existe um “ambiente Steinberg”, uma fonte onde muitos beberam. No fundo, a obra dele representa uma estrada que leva a vários caminhos, que ele abriu com seu enorme talento, o qual a gente, mesmo usando milhões de palavras, não consegue explicar – reforçou Liberati.
Dessa forma, Steinberg construiu seu estilo, que, segundo Liberati, é definido talvez “por não ter estilo e ser reconhecido assim mesmo”.
– Essa coisa de brincar e explorar o espaço num traço único é uma das suas formas de expressão. Ele absorveu o conhecimento artístico europeu e dignificou o Cartum. Inscreveu essa arte entre as grandes do século, brincando com a própria arte, com as vanguardas. Importante nessa narrativa de imagens é o seu profundo humor, quase filosófico – ressaltou o ilustrador.
Com isso, é possível notar uma clara referência do artista nos cartunistas da contemporaneidade.
– No mundo do Cartum, artistas como Ziraldo, Jaguar, sobretudo Millôr Fernandes, já disseram que sofreram influência dele. Há um universo de artistas e arquitetos, toda uma geração que estudou os desenhos de Steinberg – lembrou Roberta Saraiva – Estou convencida de que ele foi o maior desenhista do século, marcando sua passagem de forma definitiva.
Segundo o professor Affonso Araújo, quem vive da arte das charges, do Cartum e dos quadrinhos, vê até hoje Steinberg como uma forte referência, no que Liberati concorda:
– Com seu traço e seu humor refinado e filosófico, Saul Steinberg seduziu os artistas que tentaram trilhar os caminhos e veredas que ele abriu e acabaram descobrindo seus próprios itinerários – afirmou Liberati.
Steinberg construiu sua importância artística através de sua trajetória, que perpassou as páginas de revistas e jornais e invadiu grandes centros culturais, nos principais museus do mundo. Com uma sofisticada bagagem, na qual dialoga com as vanguardas artísticas do começo do século e com a nascente arte americana dos anos 1950, Saul Steinberg narrou, no traço, nas suas cores e suas sombras, o século que viveu.