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Rio de Janeiro, 18 de abril de 2024


Economia

"Para controlar a inflação, o país precisa crescer menos"

Caio Lima - Do Portal

18/05/2011

 Arte: Carolina Bastos

Depois do crescimento na casa dos 6% ao ano e das sequelas relativamente brandas decorrentes da crise mundial, a economia brasileira acendeu o alerta. A pressão inflacionária – indicada, por exemplo, pelo aumento dos combustíveis – desperta o fantasma que assombrou o país há 20 anos. Analistas evocam a importância de medidas como o corte de gastos públicos para mantê-lo só na memória (dos menos jovens). A chance, no entanto, de o país amargar novamente um pesadelo daqueles “é quase desprezível”, tranquiliza Mônica Baumgartem de Bolle, professora de Teoria Macroeconômica do Departamento de Economia da PUC-Rio. A economista reconhece "um processo inflacionário preocupante", mas ressalva que o dragão, agora, é menos voraz. Para ela, a ameaça está na "certa leniência do governo", ao culpar fatores externos em vez de adotar antídotos efetivos. Se os deveres de casa não forem feitos, correremos o risco de vermos "destruída uma parte do enorme esforço de estabilização e voltarmos a uma inflação desconfortavelmente alta, embora longe da Era Collor". Nesta entrevista ao Portal PUC-Rio Digital, Mônica – autora do recém-publicado Novos Dilemas da Política Econômica, em conjunto com o ex-presidente do BNDES Edmar Bacha – aponta soluções contra o bicho papão do aumento de preços, avalia novos movimentos do xadrez econômico global, aponta a China já como a grande parceira comercial, e alerta: sem o avanço da educação, será impossível manter altas taxas de crescimento.

Portal PUC-Rio Digital: Pela primeira vez, desde 2005, a inflação fura o teto da meta projetada pelo governo. O dragão voltou?

Mônica: Do jeito que tivemos no passado, certamente, não. Mas estamos, sim, com um processo inflacionário preocupante para o país. Uma parte da razão da elevação dos preços está ligada com condições externas, como o excesso de liquidez global e o aumento do preço de commodities (o que corresponde a uma parte dos diagnósticos das autoridades brasileiras). Todavia, uma parte do problema (minimizada pelo governo) tem a ver com políticas fiscais e creditícias mantidas muito frouxas no ano passado por conta do ciclo eleitoral. Então, o Brasil tem sua parcela de culpa na atual inflação.

Portal: Mas qual é o tamanho real da inflação?

Mônica: O problema é exatamente essa certa leniência do governo: o diagnóstico de que o culpado é o quadro internacional, nem tanto o quadro interno. Pois haverá um risco de o processo inflacionário se estagnar e não se conseguir reduzir a inflação para um nível abaixo do atual. Sabemos que a inflação tende a sair de controle rapidamente se não for atacada com seriedade. Então, acho que existe um risco de ser destruída uma parte do enorme esforço de estabilização que o Brasil teve nos últimos anos e voltar a ter uma inflação que pode ficar desconfortavelmente alta, embora longe da Era Collor.  

Portal: Por que a senhora considera remota a aproximação do processo inflacionário atual com o da Era Collor?

Mônica: O Brasil passou por mudanças constitucionais muito relevantes, e não são facilmente revertidas. O entendimento também está em toda parte, portanto o risco da volta daquele passado inflacionário é muito baixo. Quase desprezível.

Portal: Na semana passada, uma pesquisa do Serasa apontou aumento da inadimplência no país. Já pode ser considerado reflexo do aumento de preços? Quais as consequências?

Mônica: Talvez já possa ser um reflexo, sim. Esse ponto da inadimplência é muito importante, porque o Brasil viveu, nos últimos três, quatro anos, uma expansão do crédito forte, acompanhada de um aumento da renda real. Os salários subiram acima da inflação e as pessoas puderam se endividar mais, principalmente a chamada nova classe média. Alguns cálculos mostram uma grande parcela da população com mais de 25% do orçamento mensal comprometido por prestações e obrigações financeiras. Para sustentar essa situação sem uma alta forte e repentina da inadimplência, é necessário que a renda continue a subir acima da inflação. Se a pressão inflacionária persistir por um período considerável, pode começar uma corrosão dos salários – e ainda não se tem nenhuma evidência disso. Outro fato (inédito) nesse ciclo de crédito foi um alargamento grande dos prazos, que pode vir a desestabilizar a economia. Esse alargamento impede que você mensure, por via das taxas de inadimplência, o problema real: o potencial do aumento da inadimplência. 

Portal: Que outros estragos a inflação pode fazer?

Mônica: Inflação é sempre ruim do ponto de vista “macro geral”. Quando ela sobe, o consumidor tende a ficar mais desconfiado. Com isso, piora a relação entre crescimento e inflação, ou seja, a demanda cresce menos e o país cresce menos. Confiança do consumidor é sempre importante para o bom funcionamento de uma economia. Outro ponto é que se, em médio prazo, pouco for feito para reverter a situação, convergir para uma meta de 4,5% ficará mais difícil. Isso significa que deverá ser feito um esforço maior, ou seja, os sacrifícios serão mais dolorosos – como um aumento maior da taxa de juros.

Portal: Por falar em juros, os aumentos recentes da taxa básica (Selic) pelo Banco Central parecem insuficientes para conter a inflação. Por quê?

Mônica: Não é que a Selic não esteja surtindo efeito, é que há uma situação de excessos na economia brasileira (grau de liquidez) que exige mais do que uma elevação de 1,25 ponto percentual feita até agora. Se o Banco Central tivesse agido antes, talvez o problema não estivesse do tamanho que é hoje...

Portal: Que medidas a senhora considera, então, necessárias nesse pacote, além do arrocho monetário?

 Reprodução/Internet 

Mônica: O que ocorre hoje no Brasil é fruto do que foi feito pelo governo no ano passado em termos de expansão fiscal e crédito público. Para que essas políticas dialoguem entre si, deveria se criar um processo de reajuste monetário acompanhado de um ajuste fiscal bem mais agressivo do anunciado pelo governo (corte de R$ 50 bilhões do orçamento). Sempre bom lembrar que o corte é do orçamento de 2011. Mesmo que todos os cortes sejam feitos, os gastos ainda vão crescer em relação a 2010. O governo também deveria frear a expansão do BNDES, pois este empresta a taxas subsidiadas, que não correspondem à Selic, gerando um desequilíbrio na economia. Propor de um lado o ajuste orçamentário e do outro não mostrar intenção de conter o BNDES, não dá certo. Ou seja, as políticas precisam conversar melhor.

Portal: A senhora acredita que o governo possa, efetivamente, cortar mais os gastos públicos, como preconizam dez entre dez analistas econômicos?

Mônica: Não... Vão fazer, no máximo, o que já foi anunciado, ou seja, o corte de R$ 50 bilhões no orçamento.

Portal: O governo aliviou a carga tributária para importação em uma tentativa de reduzir os preços com componentes estrangeiros. A senhora acha que esse é o caminho?

Mônica: Acho que o caminho é tentar fazer políticas que sejam minimamente congruentes. O eficaz seria fazer um ajuste fiscal mais forte e uma contenção de crédito público, além do processo de aperto monetário que está sendo feito. Isso seria o recomendável. A consequência seria um crescimento do PIB abaixo do que  governo tem em mente. Mas é assim mesmo, nada é de graça. Para controlar a inflação, o país precisa crescer menos. O problema é que o governo não parece disposto a abrir mão desse crescimento projetado para 4% em 2011. Então, fica difícil ver de onde virá a queda inflacionária.

Portal: Outra medida adotada pelo governo foi a redução do preço do álcool articulado com a BR Distribuidora, para inverter a pressão nos preços dos combustíveis. A senhora avalia que a iniciativa é suficiente para evitar que a gasolina continue puxando a inflação?

Mônica: O preço da gasolina no Brasil é muito controlado, ou seja, o governo faz com o preço o que quer. Isso significa que, se a gasolina continuar dando problema, o governo não terá o menor receio de simplesmente não permitir que ela contribua para a inflação. Nos Estados Unidos, por exemplo, quando tem aumento do petróleo no mundo, o preço da gasolina sobe imediatamente. É “livre”. Aqui, é controlado. Se o preço da gasolina passa a representar uma ameaça mais séria, o governo controla.

Portal: Que outros grupos ou setores tendem a puxar a inflação? Quais os mais prejudicados?

Mônica: O que mais puxa a inflação no Brasil hoje são os serviços em geral. No entanto, dizer que outros grupos ficariam prejudicados depende do que vai acontecer com a capacidade das empresas de repassarem o aumento de custo. Por enquanto, as empresas em todos os setores não estão tendo o menor problema em repassar custo. Então, quem sofreria primeiro não seriam as empresas, e sim o consumidor. A inflação é um imposto sobre o consumo. Isso significa que as pessoas de renda mais baixa são as que sofrem primeiro.

Portal: Falando das turbulências externas, apontadas especialmente pelo Planalto como fontes de pressão inflacionária, a cotação do petróleo em alta representa tradicionalmente um efeito castata nas economias mundiais. Pode-se considerar o Brasil já menos vulnerável a tais influências?

Mônica: O Brasil é menos vulnerável nessa questão pelo fato do governo controlar o combustível. Se o preço do petróleo aumenta lá fora e o governo não reajusta aqui dentro, quem sofre é a BR. Se [os preços] fossem livres, quem iria sofrer, certamente, é o consumidor. O Brasil está mais blindado exatamente pelo fato de os preços serem controlados.

Portal: Ainda sobre o cenário externo, é possível visualizar a fatura imposta pelo fracasso da Rodada de Doha às ambições econômicas do Brasil?

Mônica: Eu acho que a questão da Rodada de Doha é relativamente insignificante para o Brasil, pois o país tem negociado bons acordos bilaterais, o que é muito importante.

Portal: A China é a bola da vez, com espaço crescente nas negociações mundiais. Os chineses tendem a se tornar, como apontam alguns analistas, os principais parceiros comerciais do Brasil, ultrapassando os americanos?

Mônica: A China já é o principal parceiro. Ou melhor, os EUA ainda são nosso principal parceiro econômico em números, mas, olhando o que foi feito nos últimos três anos com a participação relativa dos dois países no comércio com o Brasil, a China só aumenta e os EUA caem. A tendência é essa. É natural que seja assim, porque os EUA dificilmente vão superar os problemas econômicos persistentes no pós-crise em curto tempo. Essa mudança relativa de eixo de parceiros (dos EUA para China) já está ocorrendo há algum tempo.

Portal: Mas, considerando-se, por exemplo, a política de preços da China, com desvalorização da própria moeda, até que ponto os chinesas também não representariam um risco?

Mônica: Eu acho que economistas precisam ter certo receio quando afirmam que a China é uma ameaça porque o país está num processo de transição de uma economia socialista/comunista para uma economia capitalista. Não é certo pedir a China que faça mudanças tão repentinas nas suas políticas internas, exatamente pelo fato que o país passa por uma transição. Devemos tomar certo cuidado com as críticas à China, pois há muita briga política por trás. Acho que a China nos beneficia muito mais do que desfavorece. Afinal, os chineses são os principais demandantes dos nossos produtos e commodities industriais. A alta dos nossos termos de troca tem impedido que a deterioração da nossa conta corrente seja mais pronunciada.

Portal: O avanço da educação nacional revela-se tão ou mais estratégica às metas econômicas, avaliam os analistas. No compasso atual, projeta-se uma distância entre as demandas impulsionadas pelo crescimento e a oferta de mão de obra qualificada. Como encurtar essa demanda e colocar o país no primeiro mundo da educação e da produção científica?

Mônica: O Brasil precisa de um plano de desenvolvimento sério. A China, por exemplo, tem plano de desenvolvimento para os próximos 50 anos no qual os avanços na educação ocupam papel fundamental. É assim que se faz. Não dá para educar e qualificar a população de um dia para o outro, precisamos de um plano a longo prazo para diminuir essa demanda. Temo que esse problema (de falta de qualificação generalizada) será persistente, até o momento que começarmos, de fato, a ter uma atenção maior para a área educacional do país. Esse é um gargalo muito importante, por isso não acredito que o Brasil consiga sustentar taxas de crescimento muito elevadas.