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Rio de Janeiro, 19 de abril de 2024


Cidade

Estudantes transformam paixão pela noite em negócio

Carolina Bastos - Do Portal

06/05/2011

 Andre Roizman

Três flamenguistas, solteiros, universitários, apaixonados pela noite carioca. Seriam mais três típicos jovens se não convertessem a paixão pelo agito noturno em negócios, bons negócios. Inspirada pelo sucesso do empresário Ricardo Amaral, o “rei da noite carioca”, a nova geração de produtores de festas da cidade circula nos corredores da PUC. Andre Carvalho, Caio Dinsmore e Ricardo Correia organizam algumas das festas e shows universitários mais badalados da cidade. Para disseminá-los, contam, diferentemente das gerações anteriores de promotores, com a força das redes sociais. "O público era menor, mais exclusivo" lembra Ricardo Amaral. Quando iniciou a carreira, nos anos 1950, ele divulgava as festas nas colunas sociais, no boca a boca e com milhares de filipetas. "Pois é, ele tinha as colunas sociais, eu tenho o Facebook. As mídias sociais mudaram tudo", compara Caio.

Ou quase tudo. Alguns atributos, como a determinação e a seriedade, se perpetuam desde que Amaral, aos 13 anos, criou um clube de festas com 500 sócios no colégio Mackenzie, em São Paulo. Aos 17, driblou a legislação e organizou as primeiras festas, só com artistas, em boates no estado do Rio. Para o prodígio Amaral, a persistência na produção de eventos fez a diferença. Foi decisivo para tranformá-lo em ícone do gênero. Os “aprendizes” Andre e Caio contam que estão lendo “Voudeville”, a autobiografia de Amaral e procuram seguir alguns passos do ídolo. Para Andre, conhecer as pessoas certas e não ter medo de arriscar são fatores essenciais. Caio destaca a importância do "bom relacionamento" com os clientes. Mas os estudantes reforçam que o contexto mudou, especialmente pela popularização das redes sociais:

– Criando uma página da minha festa no Facebook, eu consigo chamar quem eu quiser (que esteja na rede social), assim, consigo controlar o perfil dos meus convidados e divulgar todas as informações do evento – explica Caio.

Andre afirma que a qualidade das boates e glamour eram suficientes para atrair o público. Hoje, segundo ele, os jovens querem "algo a mais":

– Percebo que os jovens andam um pouco cansados de boates. Têm preferido festas em casas ou mansões diferenciadas. Emboram também valorizem muito a qualidade da música, querem algo diferente, uma brincadeira, um jogo. No carnaval, por exemplo, organizei um baile de máscaras. Fez sucesso.

Para Amaral, a noite carioca perdeu a "sua pluralidade nas relações sociais". Ele avalia que, por conta da "alta música eletrônica e da pouca luz" nas boates, o conceito de noite mudou, atraindo basicamente os jovens:

– Ninguém sai mais para conversar. A boemia perdeu seu espaço. Se esses jovens procurarem pelo diferencial, vão atrair um público diversificado.

O empresário considera a produção de eventos "divertida". Mas lembra, apesar da aproximação com o lúdico, esse ofício só dá certo se a "pessoa for altamente profissional".

– É um trabalho com qualquer outro. Requer uma seriedade incontestável – recomenda – É difícil, é um trabalho duro, um trabalho que muitas vezes gira 24 horas, que consome o tempo não só noturno, mas diurno, dedicado à administração.

 Luisa Nolasco 

Andre Carvalho

O estudante do 6º período de publicidade Andre Carvalho, de 23 anos, vive a vida “sem roteiro”. Andre trabalha desde janeiro na empresa de eventos Night Rio, mas entrou no ramo há mais de um ano. Reconhece que a nova rotina rendeu-lhe problemas de relacionamentos afetivos, de alimentação e de sono. Com as atribuições acadêmicas e profissionais, sobra pouco tempo para a cama. Apesar das dificuldades, ele diz que fará festas “até cansar”:

– Sou muito novo, está na hora de dar esse gás. Além do mais, é a minha paixão. Não me imagino fazendo qualquer outra coisa – justifica.

Em 2010, Andre entrou para a gestão do Centro Acadêmico de Comunicação Social (CACOS) e começou a pôr em prática suas ideias de recepção aos calouros e festas semanais na PUC. Em pouco tempo, começou a trabalhar com o dono da empresa Night Rio e Malta Eventos, Bruno Malta. Um caso de imediata identificação profissional: 

– Eu vi que o cara (Bruno) pensava alto, que podia me ajudar a crescer profissionalmente. Foi a melhor base para a minha carreira – conta o estudante.

Com 28 anos, Malta afirma que o sucesso das festas como Favela Chique e Reveillon do Palafitas, na Lagoa, resulta de "muito esforço" e do aprendizado extraído de algumas derrotas, como eventos cancelados, embargados e até invadidos por sapos, em Italva, no noroeste fluminense. Ele diz que se inspirou na competência de Amaral: “Ainda que em outra época, não existe quem entenda mais de noite do que ele”, opina. Malta tenta passar a experiência aos jovens como Andre, e considera esse intercâmbio profissional muito proveitoso:

– O jovem saca as tendências. É uma espécie de instituto de pesquisa para saber o que as pessoas dessa faixa etária querem analisando o seu comportamento.

 Arquivo pessoal 

Em outubro, Andre trabalhou voluntariamente em uma festa no Scala Rio com o Malta e conquistou a confiança do atual "chefe". Com uma falha na organização, o estudante ajudou no trabalho braçal: “Ele (Andre) não foi orgulhoso ou arrogante. Vestiu a camisa”, lembra Malta, orgulhoso. Em janeiro, depois da parceria em mais algumas festas, Andre foi contratado. Para o estudante, a paixão pela noite ganhava outra conotação: independência financeira.

Andre destaca a rede de contatos como um dos fatores mais importantes de um produtor de festas. Por isso, não pretende sair da cidade. “Quero cultivar minha imagem aqui”, afirma. Ele admite que a PUC o ajudou também na promoção e divulgação das festas. Percebeu que os jovens procuravam alternativas às boates. Assim realizou, durante o carnaval, sua maior festa: o Baile de Máscaras, no Vivo Rio. Samba, hip-hop, house e funk embalaram a folia.

– Junto com a empresa, botei cinco mil pessoas lá dentro. A ideia era fazer um carnaval do tempo dos nossos pais. Todos ganharam uma máscara na compra do convite – recorda.

Para a amiga e também estudante de comunicação Stéphanie Saramago, Andre aproveitou as oportunidades. Os dois se conheceram quando Deco – como ela o chama – já estava nesse meio profissional. As vantagens do négocio alcançaram também os amigos:

– A gente sempre ganha ingressos vips para as festas – brinca.

 Luisa Nolasco

Caio Dinsmore

Com 21 anos, na metade do curso de administração na PUC, Caio Dinsmore diz que está mais interessado na vida fora da sala de aula. Ainda em fase de aprendizado como produtor de festas, o jovem dedica-se a duas boates: 00, na Gávea, às sextas; e Melt, no Leblon, aos sábados. A faculdade, admite, "está, por enquanto, em segundo plano".  Apaixonado por sol, praia e futebol, o típico carioca começou no ramo no ano passado, mas garante já "ter conquistado o respeito do público do Rio". Ele considera a fase inicial decisiva para ganhar destaque e contatos:

– Comecei a ser reconhecido depois que entrei para a boate 00, no fim do ano passado. E isso passa credibilidade para as pessoas. Hoje, se a festa é do Malta, por exemplo, já podemos dizer que será boa, que vai bombar – comenta.

Caio começou por baixo, vendendo ingressos para festas como Favela Chique e Reveillon do Palafitas. Assim, passou a ter mais contato com o público e os produtores. Percebeu que "levava jeito". Para investir na carreira, enfrentou certa resistência na família:

– Decidi sair da empresa do meu pai, na qual trabalhava havia quase dois anos, porque queria fazer algo por mim. Meu pai me apoiou na decisão. Ele sempre quis que eu tivesse experiências em outras áreas, mas minha mãe foi contra desde o início.

Ganhando, em média, R$ 6 mil por mês, com duas festas fixas semanais, Caio paga todas as suas despesas. Admite, entretanto, que ainda precisa "evoluir muito":

– Preciso crescer, ser mais reconhecido. Quero fazer festas maiores, quero produzir as minhas ideias – sonha.

 Luisa Nolasco

A exemplo de Andre, Caio percebeu que o público queria festas diferentes. “As pessoas estão cansadas de boate”, observa. ­Com isso, ajudou a organizar a festa Esbornia, do produtor Eduardo Brasil, na qual a música é mais eclética. Inspirado nessa iniciativa, ele busca inovar com a festa É Game:

– Sabe quando você quer beijar alguém e fala “É game”? É mais ou menos isso. A essência da festa é esse aspecto da conquista. É meio difícil de explicar.

Para a É Game, marcada para o dia 14 de maio, no Estúdio Line, em Botafogo, Caio prepara algumas surpresas. Ele ainda não confirma, mas pretende instalar fliperamas para "estilizar a festa".

– Unir música eclética à diversão desse tipo é uma boa jogada – acredita.

Inspirado nos atributos descritos no livro de Ricardo Amaral, Caio preza o bom relacionamento com o público:

– Nunca tive o nariz empinado. Você precisa tratar bem todo mundo, não superficialmente. 

Na opinião do amigo e sócio Rafael Weiss, Caio sempre teve talento para essa área. Ele qualifica o parceiro como “um cara tranquilo”:

– Nunca esquenta a cabeça, mas quer sempre tudo perfeito. Às vezes, parece um velho – provoca.

Caio confirma a fama de cuidadoso. Conta que a organização das festas semanais começa cinco dias antes. Na correria, às vezes fica sem almoçar, mas o sucesso do agito noturno "compensa esses pequenos sacrifícios". 

 Arquivo pessoal

Ricardo Correia

Aos 23 anos, o rubro-negro "fanático" Ricardo Correia é apaixonado também por culinária japonesa e devoto ao chope com os amigos nos fins de semana ("quando sobra tempo"). Mesmo sem o apoio do pai, o estudante de publicidade Ricardo Correia deu os primeiros passos como produtor de eventos ainda no ensino médio. Organizava churrascos e viagens de formatura, "apenas por hobby". Já universitário, levou a paixão por hip-hop para boates e casas de festas cariocas. Com a proposta de tornar a noite mais lúdica, introduziu brindes e brincadeiras em festas como Happy Single Life.

Há quatro anos Ricardo criou o site Keepthug, que reunia a programação de festas de hip-hop na Zona Sul e na Barra da Tijuca. Seu primeiro grande evento foi a festa de inauguração do próprio site, na casa noturna Milano Lounge, em Ipanema. O site mudou o nome para Portal KT e passou a investir em diferentes estilos musicais.

Movido pelos passos também do xará famoso, o estudante mergulhou na noite do Rio. “Ele (Ricardo Amaral) ainda é o rei da noite carioca, uma lenda. Sempre prezou pela qualidade em seus eventos. É nesse sentido que ele me influencia mais: no serviço prestado". Para o sucesso na área, o jovem considera essencial "pertencer ao público". Na visão dele, estar na PUC ajuda muito:

– É o berço dos eventos cariocas – avalia.

Ele também identificou a procura crescente por "festas diferenciadas". Assim organizou, no início desse ano, uma edição da festa Happy Single Life, por ele definida como uma “celebração da vida de solteiro”. Ricardo aposta em ações diversificadas, como correio do amor e distribuição de brindes por cupidos.

 Arquivo pessoal

– A música passou a ser detalhe. Meu público queria mais – constata.

Sua última novidade de Ricardo foi a festa New York Connection, realizada no último sábado (7), numa mansão da Barra, como um tributo à “capital do hip-hop”. A série especial de músicas “black” tocou até Frank Sinatra. Os 400 convidados viram também uma exposição de fotos de Nova York. 

Com o dinheiro arrecadado nas festas, o estudante não depende mais dos pais financeiramente. Mas percupa-se com a instabilidade da profissão:

– Há dias em que se está na crista da onda e outros na vala. A questão é manter a cabeça em pé – recomenda – Ainda que eu goste de tudo isso, não me vejo com 40 anos trabalhando numa boate. Eu preciso crescer, abrir novos horizontes.

Inspirado no curso de produção cultural feito no verão passado, ele aposta nos eventos corporativos e pretende abrir uma empresa. Para que a profissão "não sugue todas as energias e tempo", o jovem reserva um tempo "para cuidar de si mesmo e para ficar com os amigos".