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Rio de Janeiro, 25 de abril de 2024


Ciência e Tecnologia

Serviço hiperlocal de notícias ganha espaço na rede

Daniel Cavalcanti - Do Portal

04/05/2011

 Mauro Pimentel

Na pequena cidade de Grahamstown, na África do Sul, de 23 mil habitantes, um serviço de notícias altamente localizadas tem adquirido atenção até mesmo de sites internacionais, como o blog MediaShift Idea Lab, da rede americana Public Broadcasting Service (PBS), que reúne as principais inovações do jornalismo na web. Com notícias focadas na comunidade de Grahamstown, desde os problemas estruturais dos bairros até a situação política do local, o serviço se concentra em oferecer apenas anúncios de comerciantes da cidade e amplo espaço para contribuições dos leitores.

Embora a ideia não seja nova – além dos jornais de bairro, existe o grupo Patch que agrega sites de notícias locais nos Estados Unidos –, o portal de notícias Grahamstown Now mantém uma relação mais próxima com seus leitores, oferecendo cursos livres para formar o "cidadão jornalista". O serviço pode ser acessado diretamente do celular, mesmo dos modelos mais antigos, além da possibilidade de receber as principais manchetes diretamente por SMS ou por mensagens instantâneas. Segundo o editor do jornal, Michael Salzwedel, em entrevista ao site MediaShift Idea Lab, “a ideia é deixar a comunidade saber mais sobre o que acontece em Grahamstown para tomar decisões de maneira mais informada”.

Para envolver a sociedade, o serviço apostou em seus leitores. Além dos cursos de "jornalismo cidadão", há espaço para comentários que podem ser enviados até mesmo por SMS. Com isso, a população passa de espectador para produtor de conteúdo, normalmente utilizando as ferramentas disponíveis nos celulares modernos, como câmeras e gravadores. Segundo Leonel Aguiar, professor do Departamento de Comunicação Social da PUC-Rio, essa é uma ideia válida, mas com ressalvas.

 Stéphanie Saramago – Ainda que não tenha o treinamento profissional, o que o jornalista cidadão produz sempre passa por um processo seletivo do jornalista ou, pelo menos, deveria passar. Existe sempre um corpo de profissionaies que vai checar a veracidade daquelas informações, o que é fundamental. Um segundo processo é o de edição das informações, dar forma ao conteúdo. Acho que esse processo do cidadão que faz o jornalismo amador não deve correr frouxamente, em que o cidadão poderia fazer tudo. Para isso, ele já pode ter um blog onde pode dar suas opiniões. Como estamos tratando da relação de um cidadão que manda informações para uma empresa jornalística, você deve tomar esses dois cuidados – ressaltou.

A pesquisadora Adriana Barsotti ainda considera que “o cidadão jornalista nesses meios não está tão preocupado com a renda que vai obter com essa participação”. Para fomentar ainda mais essa integração, a redação do jornal que deu origem ao Grahamstown Now, o Grocott’s Mail, mantém uma sala de computadores na biblioteca local para que os cidadãos jornalistas produzam seu conteúdo.

Além da participação cidadã, o serviço desenvolvido na pequena cidade sul-africana aposta na integração com o comerciante local. Através de “promoções relâmpago”, que duram poucas horas, os comerciantes podem anunciar grandes descontos que causem repercussão. Esse é o objetivo do editor Salzwedel.

 Reprodução Internet – Nossa premissa era a de que quase todos em Grahamstown gostariam de saber como poupar dinheiro na cidade. É um lugar pobre, e com o aumento tão rápido do preço de alimentos, essa é uma área crítica mesmo para quem ganha razoavelmente bem. Portanto, nosso plano é nos tornarmos agregadores de descontos especiais do comércio, cobrando dos comerciantes e entregando gratuitamente para nossos usuários – explicou.

Para Adair Rocha, também do Departamento de Comunicação, essa interatividade entre o cidadão e o jornal tem um viés social, e compara esse tipo de iniciativa aos grandes jornais que publicam suplementos para bairros específicos.

– Esse é um exemplo de como a mídia comercial tem sido levada a se voltar para uma competição local. Desde uma mídia comercial com uma visão mais assistencialista, ou que trabalha com uma visão de transformar o seu trabalho em um marketing da sua marca. Ao mesmo tempo, essa mídia tem que competir com setores orgânicos locais que estão desenvolvendo um trabalho de natureza política, isso é: aquilo que de fato significa comum, comunitário, que não se restringe apenas a um setor da sociedade – afirmou o professor.

Mas esse modelo poderia ser usado em uma cidade como o Rio de Janeiro? Na opinião de Leonel Aguiar, qualquer projeto desse tipo deve ser bem analisado antes de ser implementado, pois o Rio detém características muito próprias.

– A sociedade carioca é o que chamamos de uma sociedade "glocal". É uma sociedade que tem um vínculo com o local, com suas manifestações culturais como o samba, samba de roda etc., mas tem a questão do globalismo, é uma cidade que sabe pensar globalmente também. Precisamos pensar se cidades com esse perfil poderiam dar certo ou se isso foi uma experiência pontual numa pequena cidade da África do Sul – analisou o professor.

Ainda assim, o professor Aguiar ressaltou a relação próxima do veículo com o comércio.

– Muita gente chamava isso de um jornalismo "transgênico", que perderia seu caráter original, caráter esse que seria de um jornalismo informativo e voltado para questões de interesse social de fato – explicou.

No entanto, Aguiar pondera que, financiados somente por publicidade, poucos sites de notícia sobreviveriam sem atrair anunciantes de peso ou uma grande empresa de mídia investindo em sua estrutura.

– Nesse sentido, a experiência sul-africana é super válida. É mais uma de muitas experiências do jornalismo digital, que tenta esses impasses que o jornalismo como um todo enfrenta. Principalmente essa questão de como encontrar, na internet e nos sites jornalísticos, um modelo de negócios rentável. Essa continua sendo a grande questão – afirmou.