Todos juntos somos fortes, somos flecha e somos arco,
todos nós no mesmo barco, não há nada pra temer.
Ao meu lado há um amigo que é preciso proteger.
Todos juntos somos fortes, não há nada pra temer
Chico Buarque
Enquanto assistíamos incrédulos às primeiras notícias sobre o ataque daquela manhã de quinta-feira, na Escola Tasso da Silveira, a constatação de que aquilo era história virou a lição do dia para os alunos de Introdução ao Jornalismo. Triste capítulo, mas história. Na sequência, a acachapante cobertura jornalística foi estudo de caso. Debatemos as manchetes, as entrelinhas, as faltas, os excessos.
Como não há manual capaz de dirimir tantos dilemas éticos, especialmente amplificados em momento tão intenso, Clóvis Rossi nos socorre ao citar o jornalista britânico David Randall, para quem todas as publicações do mundo deveriam vir com a seguinte nota: “Este jornal foi produzido em aproximadamente 15 horas por um grupo de seres humanos falíveis que, de redações lotadas, tratam de averiguar o que ocorreu no mundo. Algumas notícias aparecem sem o contexto essencial, já que este reduziria o dramatismo ou a coerência do texto. Parte da linguagem empregada foi escolhida deliberadamente pelo seu impacto emocional, e não por sua precisão”. Randall lembra que as limitações são tão inevitáveis quanto pesadelos, e que só podemos combatê-las adquirindo “critérios e aptidões universais, e colocando-os em prática”.
E o lugar onde estamos enquanto adquirimos boa parte desses critérios e aptidões, e os exercitamos, é o ambiente escolar. A escola faz parte de quem somos.
Assim, na semana em que os 12 estudantes foram sepultados, voltei à escola. Coincidentemente (?), nesta mesma semana iniciava-se na internet um movimento de ex-alunos do colégio onde estudei, para compartilhar memórias e localizar pessoas. O grupo foi criado pela aluna de inscrição número 3; um colega contou detalhes da fundação, numa dissidência, em 1982. Convidaram colegas, que convidaram colegas, que postaram fotos, que remeteram a outros colegas... Rede social, você sabe. Eram 300 enquanto escrevia, e a comunidade continua crescendo. Gente com novo rosto, corpo e até sobrenome, 30 anos depois, tentando se reconhecer por lembranças compartilhadas. Um tempo pré-Googleano. O que será que ficou? Não há outra ferramenta de busca. Lembra de Fulano? E de Beltrano? O uniforme pinicava na gola. Aquela excursão. A bola que íamos buscar na beira do rio. E o professor de português, que tocava no violão a canção dos Saltimbancos: “Todos juntos somos fortes, não há nada pra temer. Ao meu lado há um amigo que é preciso proteger”. Penso nas amizades, bolas, excursões, golas de uniforme, canções e pequenas histórias das crianças da Tasso da Silveira. Penso na força das memórias e experiências boas, e nos valores que levarão para toda a vida.
Voltei à escola levada ainda pela sensação inexpugnável de segurança. Não a pública, mas a mais íntima segurança. A segurança de um espaço de individualidade, de livre expressão. O lugar em que a criança é a protagonista. Onde começa a criar suas próprias referências, a eleger seus amigos, a expor suas preferências, longe do olhar da família. É onde estreamos como sujeitos sociais. Ali, de alguma forma, a criança está mais inteira do que na própria casa dos pais. É seu primeiro endereço emancipado. É neste espaço, mais que em qualquer outro, que crescemos nos expressando, experimentando, errando e aprendendo, sendo nós mesmos, e sob a influência de terceiros – os colegas, nossos pares, parceiros de tropeços e acertos; e os professores, que, de salas de aula lotadas, enfrentam as idiossincrasias próprias da juventude para atingir corações e mentes.
Itala Maduell é jornalista e professora do Departamento de Comunicação Social da PUC-Rio
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