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Rio de Janeiro, 26 de julho de 2024


Cultura

"A ética não pode tirar férias do mundo"

Gustavo Rocha - Do Portal

19/04/2011

Reprodução

Uma abordagem mais empírica, que procure entender como a mente humana reage no momento em que está fazendo um julgamento. Esta nova tendência da filosofia moral é tema do livro Ética e Realidade Atual: Implicações da abordagem experimental. Recém-lançado pela Editora PUC-Rio, a obra tem por base o seminário homônimo realizado na universidade em dezembro de 2010 e que contou com a participação de filósofos, psicólogos, neurocientistas e especialistas em direito.

Para Noel Struchiner, professor do Departamento de Filosofia da PUC-Rio e organizador do livro, os filósofos devem se basear mais no mundo real que os cerca: “O filósofo moral não deve ficar o tempo todo na poltrona, realizando uma filosofia de gabinete, um mero exercício conceitual”, disse em entrevista ao Portal PUC-Rio Digital.

Portal PUC-Rio Digital: Como o senhor explicaria o tema geral do livro?

Noel Struchiner: A ideia básica é a de que a filosofia não pode abrir mão de uma abordagem interdisciplinar e empírica, nem mesmo a filosofia moral, que é essencialmente normativa. A tônica dos artigos é a discussão sobre como funciona o julgamento moral e quais as implicações disso para a ética. Além disso, o livro aborda a confiabilidade das nossas intuições morais, como decisões sobre questões morais baseadas na empatia podem ser perigosas, como a nossa avaliação do caráter de uma pessoa afeta as nossas decisões sobre o seu comportamento moral, entre outros assuntos.

Portal: A que se deve essa abordagem mais empírica?

N.S.: É fundamental conhecer a estrutura e a arquitetura cognitiva, racional e emotiva, daqueles para quem os filósofos escrevem. Se não levarmos em consideração como efetivamente as pessoas tomam decisões e se comportam, corremos o risco de construir uma teoria de ética normativa baseada em uma psicologia moral equivocada e alheia à prática, alheia ao dia-a-dia.

Portal: O que motivou o senhor a formar uma equipe para produzir e publicar esta obra?

N.S.: A existência da equipe é bastante anterior à obra. Eu já coordenava o Núcleo de Estudos sobre Razão e Direito (Nerd) no Departamento de Direito da PUC-Rio desde 2009, e vinha orientando alunos de iniciação científica, mestrado e doutorado interessados no tema. Com o surgimento do projeto “Ética e Realidade Atual” (ERA) – coordenado pelo professor Danilo Marcondes e no qual atuo como coordenador adjunto – resolvemos somar os esforços. Isso aconteceu de forma natural, já que estávamos sistematicamente oferecendo cursos conjuntos na pós-graduação de direito e filosofia. Fizemos uma seleção para pesquisadores do projeto ERA e juntamos os pesquisadores do ERA e do Nerd, para que eles pudessem trabalhar em conjunto. O Nerd virou Nerds (Núcleo de Estudos sobre Razão, Direito e Sentimentos Morais) e os pesquisadores de ambos os projetos estão trabalhando de forma conjunta em várias empreitadas.

Arquivo pessoal  Portal: O livro alerta que as pessoas julgam de maneira parcial. Além das “reações afetivas”, quais são as causas desta parcialidade?

N.S.: As outras causas são o autointeresse e o egoísmo. Em algumas ocasiões, a parcialidade se dá porque o agente vai ganhar algo beneficiando alguém em particular. Ela também ocorre em função da empatia que o responsável pela decisão pode ter por uma das partes.

Portal: Então a empatia é algo ruim?

N.S.: Apesar de ser bem vista e até considerada uma das principais fontes do comportamento pró-social e altruísta, ela pode ser um dos principais inimigos da imparcialidade em um julgamento. Isso por que a empatia costuma operar de forma seletiva, ou seja, temos empatia com aqueles que pertencem ao nosso grupo, que são parecidos conosco e com os quais nos identificamos, e isso pode ser perigoso.

Portal: Sendo a parcialidade quase inevitável pelas razões expostas acima, o senhor não acha que a própria existência do júri passa a ser questionável?

N.S.: Acho que um desafio da ética consiste justamente em pensar em quais contextos a parcialidade, principalmente a parcialidade empática, é adequada ou não. Temos que pensar quando é melhor preservar a regra e quando é melhor dar vazão às emoções empáticas, quais são os mecanismos de regulação da empatia e quem está mais propenso a usá-los adequadamente. Será que são os membros do júri ou será que são os juízes de carreira?

Portal: Como está sendo a receptividade dos filósofos aos argumentos apresentados pelo livro?

N.S.: Os temas discutidos têm despertado o interesse dos filósofos, mas não podemos negar que os temas e as posições são polêmicas. Muitos dos filósofos mais tradicionais andam questionando se isso que está sendo feito pelos mais novos é realmente filosofia. Para os mais antigos, a filosofia não deveria se preocupar com experimentos, com investigações empíricas controladas. Com isso, ela estaria perdendo a sua característica puramente intelectual, um exercício de reflexão, e se confundindo com outras ciências.

Portal: E qual é sua posição em relação a este debate?

N.S.: Os experimentos empíricos contribuem muito para o desenvolvimento da ética aplicada, seja ela filosofia ou não. As recomendações da filosofia moral devem se basear na prática, na realidade, se quiserem ter algum impacto no mundo real. A ética não pode tirar férias do mundo.

Portal: Como o Brasil se insere na produção acadêmica da área da filosofia moral?

N.S.: No Brasil, existe muita coisa sendo feita na área de filosofia moral. É claro que sempre existe espaço para mais coisas e, principalmente, para coisas diferentes. Acho que o livro apresenta novidades pela abordagem interdisciplinar adotada. Que eu tenha conhecimento, é o primeiro livro que vai na linha da filosofia moral experimental publicado em português, mas tenho certeza que muita coisa ainda aparecerá nessa linha de investigação no Brasil.