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Rio de Janeiro, 19 de abril de 2024


Cultura

"Cópia Fiel" debate realidade e representação

Fabíola Amaral Moreira e Elena Diniz Alves - Da sala de aula

18/04/2011

Divulgação

Um embate entre original e cópia, objetividade e subjetividade, autenticidade e reprodução, realidade e representação. A vida imita a arte? Ou a arte imita a vida? A Monalisa pintada por Leonardo Da Vinci é original, ou seria apenas uma cópia da imagem real de Gioconda? 

É essa discussão que conduz o filme Cópia Fiel, do diretor iraniano Abbas Kiarostami, em sua primeira produção fora do Irã. Sem a pretensão de encontrar respostas, a obra levanta questionamentos e instiga a dúvida no espectador.

De um lado, nesse provocante embate, está o escritor inglês James Miller, autor do livro Cópia Fiel – que empresta o nome ao filme – no qual defende a cópia de uma obra de arte como um agregador de valor ao original.

Miller é interpretado por William Shimell, um cantor barítono estreante no cinema. O uso de não-atores é um recurso comum na filmografia de Kiarostami, com nítidas influências do neorrealismo italiano.

É a Itália, inclusive, o cenário escolhido pelo diretor para o debate. Com formação em belas artes, Kiarostami opta pelo país berço da arte renascentista permeando o filme de referências e homenagens.

Do outro lado do embate está Elle, interpretada primorosamente pela francesa Juliette Binoche – papel que lhe rendeu o prêmio de melhor atriz no Festival de Cannes de 2010. Ela é dona de uma espécie de antiquário e defende a subjetividade e a autenticidade da obra de arte nessa discussão. O próprio nome da personagem “Elle” significa em francês o pronome pessoal – “ela” – remetendo ao questionamento sobre identidade e autoria. 

Elle convida Miller a um passeio pela Toscana, por meio do qual a beleza pode ser admirada na arquitetura e paisagem, nas sutilezas e detalhes tanto do lugar quanto dos acontecimentos da vida cotidiana.

É no início deste passeio que os dois travam um diálogo-chave no questionamento central do filme acerca da autenticidade.  James observa a paisagem e afirma que as árvores que vê pelo caminho é que são a verdadeira obra de arte, porque, segundo ele, elas têm uma beleza natural e nenhuma é igual a outra, são todas autênticas.

Kiarostami faz um paralelo da arte com a vida. O sentido que se dá a uma e outra está na capacidade de notar e sentir os detalhes, as nuances. São estes que garantem a veracidade e a vida percebida por um olhar minucioso. O que pode ser relacionado ao conceito de aura defendido pelo teórico Walter Benjamin para uma obra original, dotada de carga emocional, de memória, de repertório.

O filme presenteia o público com enquadramentos que são verdadeiras telas “pintadas”, tanto da paisagem quanto dos personagens. O diretor insiste num plano que poderíamos chamar de um retrato 3 x 4, com os atores encarando a câmera, por meio dos quais Kiarostami prova que a emoção pode ser marcante, mesmo sem a presença de falas ou ações.

Toda a discussão sobre as sutilezas da arte e da vida ocorrem ainda por meio da metáfora apresentada na relação masculino e feminino, que não falam a mesma língua. Os personagens flutuam entre o inglês, o francês e o italiano. E cada um desses idiomas representa uma camada dos personagens. Os dois utilizam as três línguas, sendo que a escolha do uso de cada uma delas está relacionada com a esfera que ele quer atingir ou que deseja mostrar. Para ela, a língua íntima (do seu eu), é o francês, enquanto para ele é o inglês. O italiano é usado como a língua da rua, de sociabilidade, da neutralidade.

Assim como na arte, um pintor escolhe um tipo de técnica para melhor expressar um sentimento, uma perspectiva de mundo, os personagens escolhem que língua usar para demonstrar ou esconder uma esfera emocional de proximidade ou distanciamento.

Kiarostami instiga o espectador a imaginar o que não vê na tela. O diretor cria um  jogo de não mostrar os espaços, com poucos cortes e com um certo afastamento sem revelar o que o personagem vê ou o que acontece, alimentando a curiosidade. Isso pode ser percebido na primeira cena do filme, com um longo quadro parado que gera uma certa inquietação no espectador; na cena da estátua da praça, objeto que ele não mostra por inteiro – a escultura não é registrada diretamente pela câmera, o espectador só a vê pelo espelho por qual James passa ao aguardar Elle. O que se vê no espelho é a cópia da obra em questão. 

Dentro da discussão sobre originalidade, esse casal percorre lugares simbólicos para sua própria história, como uma tentativa de buscar a própria origem. Mas, na construção da não-narrativa de Kiarostami, ele questiona a existência de uma origem. O diretor deixa o espaço aberto para que o espectador possa criar e buscar a sua versão, a sua própria representação.

A história desse casal pode ser criada e reinventada pela interpretação de cada espectador. Assim como na vida, há perguntas sem respostas, coisas inexplicáveis e mistérios indecifráveis, Kiarostami brinca com um simulacro da vida para criar sua própria arte.