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Rio de Janeiro, 27 de julho de 2024


Cidade

Tragédia exige análise em busca da prevenção

Carina Bacelar, Carolina Bastos, Caio Lima e Luisa Nolasco - Do Portal

07/04/2011

Douglas Shineidr

Enquanto pais, parentes, professores, autoridades tentam dimensionar as razões e a extensão do ataque ao Escola Municipal Tasso da Silveira, em Realengo, Zona Norte do Rio, nesta manhã, especialistas alertam para que o primeiro massacre do gênero no país seja avaliado com a minúcia e a pluraridade necessárias à prevenção contra esse – e outros tipos – de violência. Comparado preliminarmente a casos semelhantes em escolas americanas, canadenses, russas, o atentado cometido por Wellington Meneses de Oliveira - que matou 11 crianças (10 meninas e um menino) e feriu 18, algumas internadas em estado grave, e suicidou-se depois de ferido por policial - reacende discussões associadas, por exemplo, à disponibilidade de serviços psicológicos, ao aperfeiçoamento da segurança nas escolas e ao porte de armas.

A carta deixada por Wellington não explica as razão que o levaram a cometer o crime. Ex-aluno daquele colégio, o criminoso havia entrado na escola com pretexto de "pegar o histórico acadêmico". Para o professor do Departamento de Educação da PUC-Rio Marcelo Andrade, a tragédia é um “reflexo da forma como as pessoas resolvem os problemas com a violência, tanto em casa, quanto no trânsito e em outras situações da vida cotidiana” (ouça a entrevista na reportagem do rádio). Ele pondera: 

– Se acontece na "vida real", por que não pode vir a acontecer dentro da escola? O certo a fazer agora é analisar o caso para entender seus motivos e utilizar a tragédia como impulso para uma discussão aprofundada sobre a violência.

Andrade considera necessário o aperfeiçoamento da segurança nas escolas, mas ressalva: “Não podemos tornar um ambiente de aprendizagem em um ambiente de desconfiança. Não podemos tornar a escola um pequeno presídio de segurança máxima”.

Especializado em violência masculina, com vários livros sobre o tema, o psicólogo Sócrates Nolasco, ex-professor da PUC-Rio e professor a UFRJ, identifica um "certo perfil" comum a autores deste tipo de crime. Ele acrescenta que, embora tragédia da escola carioca seja considerada "inédita" nacionalmente, Sócrates considera o país igualmente vulnerável a uma forma de violência mais frequente em países como Estados Unidos, Alemanha, Rússia, Ucrânia (veja o quadro com os ataques em escolas internacionais na última década).

– Como nunca havia acontecido algo semelhante por aqui, dizia-se que era algo "de outro país". Agora percebemos que é daqui também. Há dois parâmetros que devemos avaliar em relação a esse indivíduo (o autor do atentado): a história desse homem, o fato de ter sido um aluno da escola e o parâmetro social. Se as relações sociais se fazem muito no anonimato, no desrespeito, sem levar em conta o que aquela pessoa está sentindo, você cria agressores. E geralmente aquele que agride, agride porque nele existe algo que odeia e não suporta, sem saber lidar dentro de si. A atitude extrema indica, talvez, uma necessidade de denúncia contra algo que julgava ser um grande desrespeito. Claro que existe um grau de insanidade dele mesmo, mas existe tambgém uma participação da comunidade em torno do desrespeito. A violencia é uma situação de grupo, relacional – avalia.

Para psicólogos, é provável que a reação desesperada do atirador tenha origem em humilhações sofridas nos tempos de escola. Alberto Filgueiras, professor do Departamento de Psicologia da PUC, afirma que nosso instinto biológico de defesa pode ser acionado e se tornar mais intenso dependendo do nível de constrangimento sofrido.

– O combate ocorre para dar um ponto final nessas provocações. Dependendo de quanto assédio moral uma pessoa sofre, o instinto pode ser de fuga ou de enfrentamento. Se for de fuga, o estudante se afasta do colégio. Se for de enfrentamento, a violência é um recurso recorrente – ressalta.

Ele explica que o bullying, tipo de humilhação entre colegas, é um "fenômeno subjetivo de reprodução do mundo atual". Representa uma busca "desenfreada" por afirmação dentro de um mesmo grupo social.

Filgueiras avalia que a religião pode ter sido a forma encontrada pelo atirador para lidar com eventuais humilhações. "A crença religiosa é central, natural. Mas você deve avaliar o ser humano a partir da história de vida dele. Às vezes, a religião é uma forma de extravasar uma situação vivida, como o bullying. A partir daí, uma palavra da crença mal interpretada pode gerar um estrago", afirma.

Atendimento psicológico e estrutura familiar

Filgueiras observa que o atendimento psicológico nas escolas públicas, obrigatório por lei municipal, é efetivamente aplicado em poucas unidades. Assim, a maioria dos profissionais, ainda conforme o especialista, não tem preparação adequada para lidar com situações como a de Realengo:

– As escolas psicológicas não preparam os profissionais para casos como esse. Há um excesso de academicismo e uma falta de diálogo entre os métodos da psicologia – opina.

Como forma de superar a tensão vivenciada pelos estudantes e a perda dos colegas na tragédia, Filgueiras acredita ser fundamental o suporte familiar, mais do que o acompanhamento psicológico profissional. Ele lembra, no entanto, que cada pessoa reage de uma forma diferente:

– O luto é uma experiência necessária. Alguns estudantes podem sair de lá transtornados e desenvolverem um comportamento violento, mas muitos vão encarar relativamente bem a situação. Depende da estrutura social e familiar. 

Na avaliação da psicóloga Isabel Lamarck, da Fundação Oswaldo Cruz, a tragédia de Realengo evoca “uma discussão muito séria” a respeito do diálogo entre estudantes, familiares e membros da escola.

– Deve haver uma parceria mais eficiente entre escola e família, um canal aberto. Muitas vezes, o adolescente não conta em casa o que está acontecendo no colégio, com medo de ser repreendido.

Fscalização para combater armas ilegais.            

Na visão do especialista em direito penal e professor da PUC-Rio Luiz Fernando Von Chagas Lessa, o porte ilegal de armas pelo atirador demonstra um problema social difícil de ser resolvido, cuja solução, na avaliação dele, seria uma melhor fiscalização policial. Para Chagas Lessa, a liberação para a compra de armas deve estar condicionada à aprovação em exames psicológicos, à comprovação de "ficha limpa" e a treinamento de tiro.

– O porte de armas, no entanto, não é garantido com a posse. Para portar um revólver, é preciso comprovar a necessidade, estar sendo ameaçado, por exemplo – esclarece.

Redes sociais multiplam comoção e apelos solidários

 Reprodução/Internet A tragédia logo acalcou as redes sociais. A palavra “Realengo” entrou para o trending topics, a lista dos assuntos mais comentados pelos brasileiros no Twitter. O ex-secretário nacional de Segurança Pública Luiz Edurado Soares, por exemplo, usou o microblog para reforçar a bandeira do desarmamento: “Em nome da vida, as armas de fogo devem ser banidas, para evitar que situações como essas venham a se repetir”. O governador Sérgio Cabral anunciou a entrevista no local da tragédia, mas evitou comentários. Antes de embarcar de volta ao Brasil (suspendeu a agenda nos EUA), a secretária municipal de Educação, Claudia Costin, escreveu que não consegue “imaginar a dor das famílias”.

A escritora Thalita Rebouças explicitou aa indignação: “Como que um cara entra armado numa escola e mata adolescentes? Estou em estado de choque.”. O comediante Helio de La Peña sintetizou:  “Horror! terror!”.

A exemplo do que se observou em outras tragédias, como a da Região Serrana, há cerca de dois meses, as redes sociais também multiplicam a solidariedade. No caso desse massacre da escola carioca, os apelos convergem para a doação de sangue.  O Hemorio (Rua Frei Caneca 8, Centro) funciona de segunda a domingo, das 7 às 18h, e pede doação de pessoas entre 18 e 65 anos, com mais de 50 kg, que estejam bem de saúde. É necessário evitar alimentos gordurosos antes da coleta.

Massacre ganha destaque no noticiário internacional

A repercussão do ataque avançou pelas edições online dos principais jornais no mundo. O El País, da Espanha, foi um dos primeiros a noticiar. A manchete diz que o Rio está "em luto" e a cidade, "muito arrasada" pelo fato de jamais ter registrado crimes do gênero. O argentino La Nación deu grande destaque à notícia, que permaneceu no topo do site durante toda a manhã desta quinta-feira. O mesmo fez o inglês Guardian, que qualificou o caso como um "verdadeiro massacre”.

O New York Times também publicou o crime em sua página na internet, porém com menos destaque. Talvez, em parte, por esse tipo de ataque ser menos incomum naquele país.

 

Ataques a escolas no mundo

Instituto Columbine (20/04/1999): O caso ficou famoso. Dois garotos (Eric Harris, 18 anos; e Dylan Klebold, 17) entraram na escola disparando diversos tiros contra estudantes e professores. Depois, ambos se suicidaram, deixando uma nota ao lado que dizia: “Não culpem mais ninguém por nossos atos. É assim que queremos partir”. No massacre, morreram 15 pessoas (incluindo os dois assassinos) e 25 ficaram feridos.

Japão (6/06/2001): O japonês Mamoru Takuma, 37 anos, invadiu uma escola na cidade de Ikeda portando uma faca. Em 15 minutos de pânico, conseguiu entrar nas salas e esfaqueou estudantes. Takuma matou oito crianças com idade entre 6 e 8 anos até ser dominado por funcionários da escola. Depois, em julgamento pelo caso, afirmou que poderia ter matado mais crianças se tivesse invadido o jardim de infância.

Rússia (1/09/2004): Um grupo terrorista checheno atacou uma escola em Beslan, cidade da república russa da Ossétia do Norte. O grupo manteve como refém mil pessoas entre alunos, professores e parentes. Anunciaram que só os libertariam se a Rússia retirasse tropas da Chechênia. Caso houvesse operação de resgate, eles explodiriam o ginásio onde estavam mantendo os reféns. Dois dias depois, após um confuso resgate, uma bomba explodiu no local matando 334 pessoas, das quais 186 eram crianças.

EUA (16/04/2007): O sul-coreano Cho Seung-Hui protagonizou um ataque em massa que acabou matando 33 pessoas (inclusive o assassino, que se suicidou) e deixou 21 feridos. O episódio ocorreu na universidade Virginia Tech, na cidade de Blacksburg, Virginia. O assassino deixou um recado que fazia alusão às pessoas “fracas” e “indefesas” mostrando a sua depressão, fruto da rejeição sofrida na universidade.

Alemanha (11/03/2009): Um garoto de 17 anos chamado Tim Kretschmer invadiu sua ex-escola (Albertville) atirando contra estudantes. Após matar nove alunos, ele fugiu em um carro com um refém. Já na cidade vizinha, o rapaz disparou contra mais duas pessoas e policiais, que ficaram feridos. Depois, suicidou-se.